Crescidos e vacinados
Há tempos, me preocupo com a possibilidade de estarmos usando um arcabouço velho para um mundo novo.
Eu já contei essa história antes, mas o causo é bom e permite reflexões importantes.
Há tempos, me preocupo com a possibilidade de estarmos usando um arcabouço velho para um mundo novo. Seria o value investing mais clássico e ortodoxo, sobretudo aquele que procura valor nos ativos e resultados já existentes, condizente com um mundo de organizações e curvas exponenciais?
Leia também:
- ATENÇÃO: Confira o "Segredos da Bolsa" e saiba o que está no radar do mercado
- Para Figueiredo, da Mauá e ex-BC, as ações no Brasil estão baratas
- Movida anuncia compra da Vox Frotas por R$ 89 milhões
Não é uma pergunta trivial. Nem mesmo a definição de value investing é assim tão trivial. Pra mim, se entendido como uma perseguição obstinada pela definição do valor intrínseco dos ativos e sua seguinte comparação com os preços de tela, então ele segue perfeitamente atual. A diferença, contudo, é que, cada vez mais, esse valor virá de ativos intangíveis e estará definido num futuro mais distante, em grande medida, lá na perpetuidade. Isso dificulta as coisas e, em alguma medida, pode abrir embates com a ideia da margem de segurança e a reticência de value investors mais canônicos em comprar muito crescimento à frente.
Com isso em mente, fomos eu e o Rodolfo para a Universidade Columbia, em grande medida o berço dessa conversa, justamente para estudar value investing. Isso foi há um século, entre o final de 2018 e o começo de 2019. Soubemos que Bruce Greenwald estava short (vendido, apostando na queda) das ações da Amazon, àquela altura já com um prejuízo de 30%. O calor na sauna desse trade deve ter ficado insuportável. Desde então, as ações da Amazon devem ter se multiplicado por 2 ou 3 vezes.
Se você não conhece, Bruce Greenwald é uma das grandes referências mundiais de valuation e, mitologicamente, uma espécie de herdeiro intelectual do legado de Benjamin Graham e Warren Buffett dentro da Universidade Columbia (guardadas as devidas proporções, é claro).
Leia Também
Novo nome da Eletrobras em nada lembra mercado de energia; shutdown nos EUA e balanço da Petrobras também movem os mercados hoje
Eletrobras agora é Axia: nome questionável, dividendos indiscutíveis
O ponto aqui, evidentemente, não é desmerecer Greenwald. Apenas chamo a atenção para a dificuldade de modelagem de casos com perfil de crescimento exponencial. Até alguém do gabarito dele comete erros graves nesse campo.
Nos últimos anos, confesso, o mercado tem entendido um pouco melhor essa dinâmica. As referências passam a ser mais os VCs do Vale do Silício para alguns casos do que as métricas tradicionais de alguns múltiplos já existentes de balanço e resultado. Deixamos um pouco de lado EV/Ebitda e Preço/Lucro para trabalharmos com relação sobre o GMV e a dinâmica de LTV/CAC, por exemplo.
Meu ponto é que, cada vez mais, precisaremos seguir três caminhos:
i. Conhecer qualitativamente o business e dar menos peso a múltiplos de curto prazo, que não somente podem ser inócuos, como também representar um mapa errado. Você olha uma relação de Preço/Lucro muito alta e conclui que aquilo se trata de um caso a se evitar ou, na pior das hipóteses, uma oportunidade de short. Era, na verdade, apenas um caso de lucros momentaneamente subestimados e sob crescimento exponencial futuro. Estou particularmente preocupado com esse ponto. Há vários influenciadores digitais com milhões de seguidores ensinando sua audiência a comprar ou vender ações com base em quatro ou cinco indicadores. Isso é um completo desserviço à indústria.
ii. A partir do conhecimento qualitativo do business e da proximidade do management, sermos guiados pela modelagem daquele negócio, identificando as principais linhas de receita e dando-lhes um crescimento conservador, sem colocar na conta possíveis opcionalidades. Se, com isso, ainda houver atratividade no valuation, pode merecer a compra. Se o valuation já incorpora em boa medida as opcionalidades, melhor deixar passar. Pra mim, a margem de segurança clássica, tão defendida por Seth Klarman, deixa de ser o desconto sobre os ativos ou os resultados já existentes e passa a ser: “O quanto as opcionalidades não estão no preço”.
iii. Desenhamos vários cenários para o modelo de fluxo de caixa descontado e, a partir desses múltiplos contextos projetados, verificamos qual a probabilidade de a companhia realmente entregar um crescimento lá na frente que justifique o atual valuation.
O mercado não é bobo e muita gente, na fronteira do conhecimento, já trabalha desta forma há certo tempo. É por isso que você observa nomes caríssimos sob métricas tradicionais subindo com vigor na Bolsa. Para citar nomes recentes, Méliuz e Enjoei são casos negociando a 30/35 vezes suas receitas e seguem atraindo o interesse de alguns investidores institucionais.
Se você entende que esses negócios estão apenas começando e podem se multiplicar por algumas vezes em pouco tempo, o aparentemente caro pula para barato em questão de 18 meses. Méliuz, por exemplo, dobrou sua base de solicitações de cartões co-branded com o Banco Pan, guiou o valuation dos bancos sem nenhuma opcionalidade nos resultados futuros e, à medida que começa a entregar além do prometido, cria uma relação de confiança com o mercado.
Enjoei vai por caminho semelhante, com características adicionais de ter uma fundadora cativante e que impressionou muito o mercado. A empresa conta com a possibilidade de ser alvo de aquisição (para ser justo, acho que Méliuz também, seguindo os passos da Honey lá fora) e abre espaço para um trade tático. Explico. Verde, SPX, Absoluto e Opportunity têm posição na ação. Duas coisas decorrem daí: a) tem defesa; e b) se essa turma voltar a captar com força (acho provável que ocorram aberturas dos fundos ao longo do primeiro semestre), teríamos um fluxo comprador importante, para um nome de baixa liquidez (C&A poderia ir pelo mesmo caminho, mas essa é outra história).
A depender da narrativa que se empregue, podemos ver algo parecido com Aeris — eu, pessoalmente, acho que um nome de industrials não deveria ser negociado a mais de 15 vezes Ebitda (ninguém no mundo negocia assim); mas se colar a história de fazer comparação com WEG, pode continuar subindo.
Até aí, a verdade é que não temos grande novidade (se você pensa na fronteira do conhecimento). O que talvez esteja escapando, considerando o comportamento recente dos mercados, é que uma curva exponencial, a depender da posição em que você se encontra nela, vale para a direita e para a esquerda. Se você estiver bem avançado no eixo X, qualquer ganho adicional representa uma enormidade no eixo Y. Mas já se você retrocede e caminha para a esquerda, o impacto no eixo Y também é gigante.
Se você é quem vai promover a disrupção, pode se multiplicar por ene vezes. Mas se for o disruptado, o espaço para encolhimento da operação é brutal. O risco é grande se você for o alvo.
E qual o alvo fatídico da vez? Certamente, os bancões. Se modelos como aqueles de Square, com wallets em todos os celulares e sem precisar passar pelas grandes instituições, realmente vingarem, o impacto pode ser brutal. Não é algo para hoje ou amanhã, mas segue sendo o principal risco estrutural de médio prazo. Por isso, prefiro estar levinho em bancos e lotado de Square.
Pergunta final: se essa será mesmo a grande disrupção do mercado de capitais, quem é o candidato a ser a Square brasileira?
P.S.: Uma questão pessoal vem sendo colocada para mim. Não sou de me furtar a posicionamentos e, portanto, exponho aqui minha opinião. Tenho sido perguntado se vou ou não tomar a vacina assim que ela estiver disponível. Olha, eu acredito que, apesar de seus defeitos, a ciência ainda é o melhor caminho a ser seguido. Há apenas dois tipos de vacinas: aquelas que merecem ser tomadas, ou seja, que guardam boa probabilidade de ajudar na melhora da imunização; e aquelas que não merecem ser tomadas. Todas aquelas aprovadas pela Anvisa me parecem pertencer ao primeiro grupo. Não acho que tenha vacina do Doria, nem que a aprovação tenha vindo do Bolsonaro. A vacina é dos cidadãos, para imunizar o povo brasileiro; e a Anvisa é um organismo de Estado (não de governo). Sim, eu vou tomar a vacina, quando puder e quantas vezes puder — respeitando a minha vez na fila.
P.S. 2: Noutro dia, fiz uma comparação no Instagram, dizendo que a Mitre poderia ser a nova EzTec. Obviamente, uma turma já se apressou para as críticas, dizendo que EzTec é muito maior e tem mais execução (como se alguém não soubesse disso). O ponto é que Mitre, hoje, pode ser o que fora EzTec há algum tempo, passando por um processo transformacional de escala, rentabilidade e execution, cujo resultado seria uma multiplicação de suas ações em Bolsa. Tem risco? Claro que sim, mas à medida que ele for mitigado, os papéis podem ser um grande destaque. A recente prévia de EzTec parece corroborar essa visão: vendas líquidas foram de R$ 282 milhões, em linha com Mitre, mas EzTec tem muito mais unidades que a Mitre. Isso fez com que a VSO de EzTec fosse 14%, frente aos já fracos 17% no 3Q20. Enquanto isso, Mitre fez dois trimestres seguidos de aproximadamente 40% de VSO. Mitre hoje negocia a 1,6 vez book e Eztec a 2,3 vezes, quase 50% de desconto... Mitre vale 1/6 da Eztec, poderia valer 1/3, 1/4? Mole nessa evolução de números… Então, a analogia de que Mitre pode ser a nova EzTec, embora claramente alegórica, me parece bastante pertinente.
[the_ad_placement id="disclameir-2"]
O segredo do Copom, o reinado do Itaú e o que mais movimenta o seu bolso hoje
O mercado acredita que o Banco Central irá manter a taxa Selic em 15% ao ano, mas estará atento à comunicação do banco sobre o início do ciclo de cortes; o Itaú irá divulgar seus resultados depois do fechamento e é uma das ações campeãs para o mês de novembro
Política monetária não cede, e fiscal não ajuda: o que resta ao Copom é a comunicação
Mesmo com a inflação em desaceleração, o mercado segue conservador em relação aos juros. Essa preferência traz um recado claro: o problema deriva da falta de credibilidade fiscal
Tony Volpon: Inteligência artificial — Party like it’s 1998
Estamos vivendo uma bolha tecnológica. Muitos investimentos serão mais direcionados, mas isso acontece em qualquer revolução tecnológica.
Manter o carro na pista: a lição do rebalanceamento de carteira, mesmo para os fundos imobiliários
Assim como um carro precisa de alinhamento, sua carteira também precisa de ajustes para seguir firme na estrada dos investimentos
Petrobras (PETR4) pode surpreender com até R$ 10 bilhões em dividendos, Vale divulgou resultados, e o que mais mexe com seu bolso hoje
A petroleira divulgou bons números de produção do 3° trimestre, e há espaço para dividendos bilionários; a Vale também divulgou lucro acima do projetado, e mercado ainda digere encontro de Trump e Xi
Dividendos na casa de R$ 10 bilhões? Mesmo depois de uma ótima prévia, a Petrobras (PETR4) pode surpreender o mercado
A visão positiva não vem apenas da prévia do terceiro trimestre — na verdade, o mercado pode estar subestimando o potencial de produção da companhia nos próximos anos, e olha que eu nem estou considerando a Margem Equatorial
Vale puxa ferro, Trump se reúne com Xi, e bolsa bateu recordes: veja o que esperar do mercado hoje
A mineradora divulga seus resultados hoje depois do fechamento do mercado; analistas também digerem encontro entre os presidentes dos EUA e da China, fala do presidente do Fed sobre juros e recordes na bolsa brasileira
Rodolfo Amstalden: O silêncio entre as notas
Vácuos acumulados funcionaram de maneira exemplar para apaziguar o ambiente doméstico, reforçando o contexto para um ciclo confiável de queda de juros a partir de 2026
A corrida para investir em ouro, o resultado surpreendente do Santander, e o que mais mexe com os mercados hoje
Especialistas avaliam os investimentos em ouro depois do apetite dos bancos centrais por aumentar suas reservas no metal, e resultado do Santander Brasil veio acima das expectativas; veja o que mais vai afetar a bolsa hoje
O que a motosserra de Milei significa para a América Latina, e o que mais mexe com seu bolso hoje
A Argentina surpreendeu nesta semana ao dar vitória ao partido do presidente Milei nas eleições legislativas; resultado pode ser sinal de uma mudança política em rumo na América Latina, mais liberal e pró-mercado
A maré liberal avança: Milei consolida poder e reacende o espírito pró-mercado na América do Sul
Mais do que um evento isolado, o avanço de Milei se insere em um movimento mais amplo de realinhamento político na região
Os balanços dos bancos vêm aí, e mercado quer saber se BB pode cair mais; veja o que mais mexe com a bolsa hoje
Santander e Bradesco divulgam resultados nesta semana, e mercado aguarda números do BB para saber se há um alçapão no fundo do poço
Só um susto: as ações desta small cap foram do céu ao inferno e voltaram em 3 dias, mas este analista vê motivos para otimismo
Entenda o que aconteceu com os papéis da Desktop (DESK3) e por que eles ainda podem subir mais; veja ainda o que mexe com os mercados hoje
Por que o tombo de Desktop (DESK3) foi exagerado — e ainda vejo boas chances de o negócio com a Claro sair do papel
Nesta semana os acionistas tomaram um baita susto: as ações DESK3 desabaram 26% após a divulgação de um estudo da Anatel, sugerindo que a compra da Desktop pela Claro levaria a concentração de mercado para níveis “moderadamente elevados”. Eu discordo dessa interpretação, e mostro o motivo.
Títulos de Ambipar, Braskem e Raízen “foram de Americanas”? Como crises abalam mercado de crédito, e o que mais movimenta a bolsa hoje
Com crises das companhias, investir em títulos de dívidas de empresas ficou mais complexo; veja o que pode acontecer com quem mantém o título até o vencimento
Rodolfo Amstalden: As ações da Ambipar (AMBP3) e as ambivalências de uma participação cruzada
A ambição não funciona bem quando o assunto é ação, e o caso da Ambipar ensina muito sobre o momento de comprar e o de vender um ativo na bolsa
Caça ao Tesouro amaldiçoado? Saiba se Tesouro IPCA+ com taxa de 8% vale a pena e o que mais mexe com seu bolso hoje
Entenda os riscos de investir no título público cuja remuneração está nas máximas históricas e saiba quando rendem R$ 10 mil aplicados nesses papéis e levados ao vencimento
Crônica de uma tragédia anunciada: a recuperação judicial da Ambipar, a briga dos bancos pelo seu dinheiro e o que mexe com o mercado hoje
Empresa de gestão ambiental finalmente entra com pedido de reestruturação. Na reportagem especial de hoje, a estratégia dos bancões para atrair os clientes de alta renda
Entre o populismo e o colapso fiscal: Brasília segue improvisando com o dinheiro que não tem
O governo avança na implementação de programas com apelo eleitoral, reforçando a percepção de que o foco da política econômica começa a se deslocar para o calendário de 2026
Felipe Miranda: Um portfólio para qualquer clima ideológico
Em tempos de guerra, os generais não apenas são os últimos a morrer, mas saem condecorados e com mais estrelas estampadas no peito. A boa notícia é que a correção de outubro nos permite comprar alguns deles a preços bastante convidativos.