Está atrasado com as compras de Natal e ainda não tem um presente para o seu amigo secreto? Bem, você pode comprar um lote de ações: há muitas companhias cujos ativos têm um preço bem baixo — o que nem sempre é sinônimo de bom negócio. Veja o caso da Saraiva (SLED4): ela bem que tentou dar uma lembrancinha de fim de ano para os seus acionistas, mas o tiro saiu pela culatra. E, como resultado, seus papéis despencam na B3.
E 'despencam' não é modo de dizer: as ações PN da rede de livrarias (SLED4) operam em baixa de 23% nesta quinta (23), a R$ 7,76; os papéis ON (SLED3), menos líquidos, caem 26%, a R$ 15,36. São os piores desempenhos de toda a bolsa brasileira nesta antevéspera de Natal — o mercado ficará fechado na sexta e só retorna no dia 27.
Essa desvalorização intensa ocorre justamente no primeiro pregão após o enorme grupamento de ações promovido pela Saraiva, na proporção de 35 para 1; antes, os papéis da companhia eram negociados na casa dos centavos. E, ao que tudo indica, os acionistas detestaram essa concentração de valor.
Mas, para explicar melhor o racional por trás desse movimento, é preciso dar alguns passos para trás e contextualizar o atual momento da Saraiva.
Saraiva com a corda no pescoço
Antes uma gigante do mercado de livrarias, a Saraiva afundou-se em dívidas e em problemas operacionais das mais diversas naturezas. Suas megalojas mostraram-se custosas demais, exigindo um número elevado de funcionários e estoques bastante volumosos.
A situação ficou insustentável em 2019, quando a empresa entrou com um pedido de recuperação judicial. O plano de reestruturação das dívidas só foi aprovado no começo desse ano, mas, até agora, o grupo tem tido pouco sucesso: o programa de venda de ativos não tem atraído interessados, e a paciência dos credores só diminui.
Nesse contexto, as ações da Saraiva despencaram para abaixo da linha de R$ 1,00, o que acendeu um alerta na Comissão de Valores Mobiliários (CVM): pelo regulamento do órgão, as empresas de capital aberto devem manter suas ações acima desse patamar de preço.
E por que a CVM não admite que as ações custem menos de R$ 1,00? Bem, é uma medida para afastar movimentos de especulação da bolsa. Pense num ativo que custa, digamos, R$ 0,10: um aumento de apenas um centavo em sua cotação implica numa alta de 10%; portanto, quanto mais barato o papel, maiores são as oscilações em termos percentuais — uma questão matemática.
No fechamento de ontem, a Saraiva contava com 39,9 milhões de papéis PN (SLED4) cotados a R$ 0,29 cada, e 23,5 milhões de ações ON (SLED3) valendo R$ 0,60 a unidade. Portanto, levando em consideração o grupamento na proporção de 35 para 1, chegamos ao pregão de hoje com a seguinte configuração:
- 1,14 milhão de ações PN (SLED4), a R$ 10,15; e
- 671,8 mil ações ON (SLED3), a R$ 21,00.
Um belo presente de Natal, não é mesmo? Bem...
SLED4 e SLED3: por que a reação negativa?
A priori, grupamentos e desdobramentos de ações não deveriam influenciar na cotação dos papéis. Ambas as operações apenas ajustam a base acionária, sem qualquer tipo de mudança nos fundamentos da empresa.
Dito isso, por que essa reação tão negativa vista nos papéis da Saraiva?
Em primeiro lugar, há a magnitude do grupamento: 35 para 1 é uma proporção muito elevada e bastante incomum — o que pode ser interpretado como uma medida extrema adotada pela administração da empresa para manter o preço dos papéis acima da linha de R$ 1,00, dadas as perspectivas nada animadoras para o futuro.
Em segundo, há o fator liquidez: os papéis SLED4 e SLED3 já não tinham um volume de negociação muito intenso antes do grupamento; agora, com o número de ações em circulação sendo reduzido de maneira tão drástica, fica ainda mais difícil fechar uma operação com esses ativos.
Ter pouca liquidez não necessariamente é um problema. Veja o caso da Berkshire Hathaway, o conglomerado de investimentos de Warren Buffett: uma ação do tipo A da companhia custa mais de US$ 400 mil; há muito poucos papéis em circulação, justamente para que eles não fiquem passando de mão em mão — uma escolha deliberada por parte da administração da companhia.
Mas, veja só, a Saraiva não é exatamente a Berkshire Hathaway. Então, coloque-se na posição de um acionista da rede de livrarias: caso a situação da empresa piore ainda mais, será 35 vezes mais difícil para conseguir vender os papéis. E, como não há nada que indique que as coisas vão melhorar... Muitos estão se desfazendo de suas posições agora.
Com a forte queda de hoje, as ações PN da Saraiva (SLED4) acumulam perdas de 64% desde o começo do ano — a série histórica já foi ajustada para refletir o grupamento. A situação não é muito melhor para os papéis ON (SLED3), com queda de quase 60% em 2021.
