Compulsão à repetição do investidor: além do princípio do prazer
Ana Clara teve um pai machista e opressor. Ressentia-se daquilo. A perda da liberdade na adolescência até o início da fase adulta a forçou a sair de casa cedo. Sentia-se angustiada, cuja etimologia vem de constrição, falta de ar, sufoco. Sonhava com a possibilidade de formar uma família mais arejada, liberal e afetuosa.
Era bonita e inteligente. Não teve dificuldades para encontrar namorados legais, divertidos e igualmente bonitos e inteligentes. Terminou com todos. Acabou casando com um bronco, depois de sucessivas depressões catalisadas pelos rompimentos e por incursões em aventuras homossexuais malsucedidas. A verdade é que ela, sem perceber, não tolerava a liberdade. Seu inconsciente a empurrava para a mesma situação da infância. Reproduzia o fenômeno da infância, como se pretendesse preencher, de maneira não deliberada, alguma lacuna dos primeiros anos de vida.
José nasceu em berço de ouro. Seu pai era um grande empresário, muito bem relacionado e com uma intuição apurada. A firma da família acabara se envolvendo num grave escândalo de corrupção. Parte dos diretores da companhia acabou presa. Por lealdade de Severo, o patriarca foi preservado do cárcere, embora tenha terminado enjaulado no próprio labirinto mental. Jamais se perdoaria pela destruição financeira e, simultaneamente, afetiva do seio familiar.
Como primogênito, José foi quem mais vivenciou as mazelas decorrentes da falta de dinheiro. Percebia a deterioração patrimonial a partir da qualidade do guardanapo que repousava sobre a mesa ao lado dos talheres — o novo tipo de papel se desfazia no encontro com a boca.
Prometeu a si mesmo que reconstruiria o patrimônio familiar. Se o pai viera do zero e ficara rico, ele também poderia fazê-lo, sem, no entanto, incorrer no mesmo erro. Se conseguisse subir na vida, jamais se envolveria com empresas estatais e teria educação financeira suficiente para desviar de possíveis surpresas inerentes aos ciclos econômicos. Conseguiu a primeira parte da promessa autoproclamada. Perdeu seus R$ 10 milhões quando a crise da Covid obrigou o fechamento de sua rede de restaurantes self-service. É difícil vacinar-se contra si mesmo.
“What you fear the most could meet you half way”, nos lembra Eddie Vedder. Aquilo que mais tememos pode nos encontrar bem no meio da estrada. Mais do que isso, sem querer, nós mesmos acabamos caminhando em direção aos fantasmas do passado.
Leia Também
A compulsão à repetição é originalmente postulada por Freud em 1914, em “Recordar, repetir e elaborar”, para depois ser mais bem desenvolvida em “Além do princípio de prazer”, de 1920.
Ela aparece muito frequentemente quando se fala da toxicomania. O vício em drogas é, de fato, um problema grave. Mas a compulsão está presente em outros elementos do dia a dia, como se estivéssemos condenados a perseguir e repetir um desejo não realizado indefinidamente, num outro tipo de Dia da Marmota.
Estudos com essas plataformas de trading, tipo Nelogica, Tryd e outras parecidas, mostram que uma parte de traders mais ativos passa, em média, quatro horas por dia, depois de o mercado já ter fechado, simulando operações em backtesting. É absolutamente doentio.
Outros checam seus home brokers várias e várias vezes ao dia, mesmo autodenominando-se investidores de longo prazo e seguidores da disciplina de Warren Buffett — eu me pergunto o quanto uma empresa pode ter mudado da manhã para a tarde.
Esses são os casos mais clichês e estereotipados. Há nuances na tendência à repetição, em que mesmo investidores muito sofisticados acabam incorrendo.
Alguns erros frequentemente repetidos e tipificados podem ser evitados — já que estamos no escopo da psicanálise, tento apelar para imagens do cotidiano e mitos, como forma de elaborarmos melhor a coisa e tentarmos fixá-las em nosso subconsciente:
- A corrida atrás do rabo: com o mercado muito temático, um dia sobe tech, no outro só sobe banco e commodity. Se o investidor tentar adivinhar qual vai ser o tema de amanhã, pode acabar andando em círculo e chegando para o Carnaval na Quarta-feira de Cinzas. Foque em uma estratégia diversificada e admita que haverá dias ruins e algumas ações perdedoras na sua carteira. Importa sempre o consolidado a longo prazo. Aprender a perder e a ter paciência.
- O gato por lebre: com muitas ações de commodities negociando a múltiplos bem depreciados, vem à minha cabeça situação semelhante à que vivemos cerca de dez anos atrás. O que parecia muito barato era, na verdade, um final de ciclo. As commodities subjacentes caíram de preços de maneira substancial e aqueles múltiplos baixos viraram altos rapidinho. Aqueles que não representavam o menor custo de produção e estavam razoavelmente alavancados tiveram sérios problemas.
- O voo de Ícaro: cuidado para não sair voando se a janela ao seu lado se abrir. Não é porque você está ganhando dinheiro que isso permite abaixar a guarda, perder a disciplina, se achar um herói, concentrar muito e se alavancar. Pode ser apenas um bull market, e mesmo os melhores gestores do mundo cometem erros. Você é tão bom quanto seu último trade.
- O fígado de Prometeu: se você vai dormir todos os dias sentindo uma bicada de um pássaro na sua região abdominal por conta do comportamento dos mercados, provavelmente está com posições maiores do que deveria em ativos de risco. Durma bem.
- Sísifo moderno: se você percebe a construção patrimonial como uma tarefa repetitiva e enfadonha, em que você empurra uma pedra até o alto da montanha, para ela cair de novo e você ser obrigado a repetir o ciclo, ótimo, você está no caminho certo.
- Árvores não crescem até o céu: não tome o anúncio de recorde histórico do Ibovespa como um prognóstico de que isso continuará subindo. Provavelmente, aliás, muita coisa já ficou cara e você deveria ser mais seletivo.
- Para encerrar, não poderia ser diferente: O complexo de Édipo. Não há espaço para gente mimada, egocêntrica e complexada na B3. Deixe a paixão pela mamãe em casa e haja como um adulto ao investir.
Crônica de uma tragédia anunciada: a recuperação judicial da Ambipar, a briga dos bancos pelo seu dinheiro e o que mexe com o mercado hoje
Empresa de gestão ambiental finalmente entra com pedido de reestruturação. Na reportagem especial de hoje, a estratégia dos bancões para atrair os clientes de alta renda
Entre o populismo e o colapso fiscal: Brasília segue improvisando com o dinheiro que não tem
O governo avança na implementação de programas com apelo eleitoral, reforçando a percepção de que o foco da política econômica começa a se deslocar para o calendário de 2026
Felipe Miranda: Um portfólio para qualquer clima ideológico
Em tempos de guerra, os generais não apenas são os últimos a morrer, mas saem condecorados e com mais estrelas estampadas no peito. A boa notícia é que a correção de outubro nos permite comprar alguns deles a preços bastante convidativos.
A temporada de balanços já começa quente: confira o calendário completo e tudo que mexe com os mercados hoje
Liberamos o cronograma completo dos balanços do terceiro trimestre, que começam a ser divulgados nesta semana
CNH sem autoescola, CDBs do Banco Master e loteria +Milionária: confira as mais lidas do Seu Dinheiro na semana
Matérias sobre o fechamento de capital da Gol e a opinião do ex-BC Arminio Fraga sobre os investimentos isentos de IR também integram a lista das mais lidas
Como nasceu a ideia de R$ 60 milhões que mudou a história do Seu Dinheiro — e quais as próximas apostas
Em 2016, quando o Seu Dinheiro ainda nem existia, vi um gráfico em uma palestra que mudou minha carreira e a história do SD
A Eletrobras se livrou de uma… os benefícios da venda da Eletronuclear, os temores de crise de crédito nos EUA e mais
O colunista Ruy Hungria está otimista com Eletrobras; mercados internacionais operam no vermelho após fraudes reveladas por bancos regionais dos EUA. Veja o que mexe com seu bolso hoje
Venda da Eletronuclear é motivo de alegria — e mais dividendos — para os acionistas da Eletrobras (ELET6)
Em um único movimento a companhia liberou bilhões para investir em outros segmentos que têm se mostrado bem mais rentáveis e menos problemáticos, além de melhorar o potencial de pagamento de dividendos neste e nos próximos anos
Projeto aprovado na Câmara permite divórcio após a morte de um dos cônjuges, com mudança na divisão da herança
Processos iniciados antes do falecimento poderão ter prosseguimento a pedido dos herdeiros, deixando cônjuge sobrevivente de fora da herança
A solidez de um tiozão de Olympikus: a estratégia vencedora da Vulcabras (VULC3) e o que mexe com os mercados hoje
Conversamos com o CFO da Vulcabras, dona das marcas Olympikus e Mizuno, que se tornou uma queridinha entre analistas e gestores e paga dividendos mensais
Rodolfo Amstalden: O que o Nobel nos ensina sobre decisões de capex?
Bebendo do alicerce teórico de Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt se destacaram por estudar o papel das inovações tecnológicas nas economias modernas
A fome de aquisições de um FII que superou a crise da Americanas e tudo que mexe com o seu bolso nesta quarta (15)
A história e a estratégia de expansão do GGRC11, prestes a se tornar um dos cinco maiores FIIs da bolsa, são os destaques do dia; nos mercados, atenção para a guerra comercial, o Livro Bege e balanços nos EUA
Um atalho para a bolsa: os riscos dos IPOs reversos, da imprevisibilidade de Trump e do que mexe com o seu bolso hoje
Reportagem especial explora o caminho encontrado por algumas empresas para chegarem à bolsa com a janela de IPOs fechada; colunista Matheus Spiess explora o que está em jogo com a nova tarifa à China anunciada por Trump
100% de tarifa, 0% de previsibilidade: Trump reacende risco global com novo round da guerra comercial com a China
O republicano voltou a impor tarifas de 100% aos produtos chineses. A decisão foi uma resposta direta ao endurecimento da postura de Pequim
Felipe Miranda: Perdidos no espaço-tempo
Toda a Ordem Mundial dos últimos anos dá lugar a uma nova orientação, ao menos, por enquanto, marcada pela Desordem
Abuse, use e invista: C&A queridinha dos analistas e Trump de volta ao morde-assopra com a China; o que mexe com o mercado hoje?
Reportagem especial do Seu Dinheiro aborda disparada da varejista na bolsa. Confira ainda a agenda da semana e a mais nova guerra tarifária do presidente norte-americano
ThIAgo e eu: uma conversa sobre IA, autenticidade e o futuro do trabalho
Uma colab entre mim e a inteligência artificial para refletir sobre três temas quentes de carreira — coffee badging, micro-shifting e as demissões por falta de produtividade no home office
A pequena notável que nos conecta, e o que mexe com os mercados nesta sexta-feira (10)
No Brasil, investidores avaliam embate após a queda da MP 1.303 e anúncio de novos recursos para a construção civil; nos EUA, todos de olho nos índices de inflação
Esta ação subiu mais de 50% em menos de um mês – e tem espaço para ir bem mais longe
Por que a aquisição da Desktop (DESK3) pela Claro faz sentido para a compradora e até onde pode ir a Microcap
Menos leão no IR e mais peru no Natal, e o que mexe com os mercados nesta quinta-feira (9)
No cenário local, investidores aguardam inflação de setembro e repercutem derrota do governo no Congresso; nos EUA, foco no discurso de Powell