A expressão que dá título a essa nossa conversa de domingo ocorreu-me em função dos desentendimentos entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em torno da reforma da Previdência.
O filho no caso é a própria reforma e como parece haver uma “briga” pela paternidade, “filho feio” não é. Quando alguma medida não gera bons dividendos políticos ou econômicos é difícil achar o “pai”.
Depois de criticar o relatório de Samuel Moreira (PSDB-SP), Guedes parece ter aberto mão da paternidade, mas o “filho” já vinha sendo bem embalado por Rodrigo Maia.
Maia assumiu o rebento e o apresentou ao público e um gesto forte, porém pouco compreendido, na quarta-feira, dia 12, quando chamou a imprensa, o relator e os partidos de centro, que podem ser vistos como padrinhos da “criança”.
O que o presidente da Câmara sinalizou naquele momento, antes mesmo da leitura oficial do relatório, que aconteceu na quinta-feira, é que ele já dispunha dos votos para aprovar a reforma. Na comissão, são necessários 25 e em plenário ao menos 308.
Se alguém duvidava disso, Maia repetiu, ao longo dos últimos dias, que vai fazer as duas votações antes do recesso parlamentar de meados de julho. As dúvidas que existiam e ainda existem, mesmo que em parte, são de ordem prática, como quórum e discussões em plenário e comissão. Mas ele não tomaria tamanho risco se não tivesse com os votos.
Goste ou não da política e de seus representantes é assim que a política é. O presidente da Câmara parece ter chegado ao melhor consenso possível e vai ser o “pai” da reforma. Embora ele enfatize que o texto é da Câmara e dos líderes.
Quem fica aliviado com essa briga de paternidade é o presidente Jair Bolsonaro, que, convenhamos, nunca quis ser o "pai" da criança, apesar de ter carregado a reforma no colo. Isso fica evidente toda vez que ele fala que "a reforma é de todos os brasileiros" e que se pudesse, não faria reforma alguma, mas que é obrigado pelas circunstâncias.
Enfim, Maia tem uma vantagem sobre os demais “pais”, um “hedge” ou proteção, para usar linguagem do mercado, que os demais não dispõem. Se as coisas derem errado ele pode “devolver a criança” e falar que faltou empenho do governo pela aprovação. A posição dele é bastante confortável.
O presidente da Câmara, de fato, parece se candidatar a “pai” de outros rebentos que devem começar a caminhar pelo Congresso ao longo do segundo semestre, como a reforma tributária, autonomia do Banco Central (BC) e outras medidas microeconômicas eclipsadas pela reforma da Previdência e pela "usina de crises" do Executivo. A conferir.
A revolta de Guedes
Ao ouvir o áudio de Guedes, que criticou o relatório em breve conversa com colegas jornalistas no Rio de Janeiro, fica claro um certo desgosto e alguma revolta em ver o “filho” desfigurado.
A grande batalha do ministro em todas as audiências que compareceu dentro e fora do Congresso foi de tentar explicar a importância de termos um regime de capitalização, uma Nova Previdência.
O ministro usou inúmeras figuras, com o avião caindo, para tentar ser didático e dizer que apenas reformar o modelo atual não basta. Estamos fadados a ter recorrentes “crises” previdenciárias em função da mudança na demografia.
Quando o Congresso disse não, ele se mostrou inconformado com a falta de lógica econômica da coisa. O modelo de capitalização ainda seria discutido com o Congresso, mas a premissa básica, de fazer com que os juros compostos trabalhem em prol do trabalhador, foi solenemente ignorada.
Guedes tem razão, mas a lógica da política é diferente da lógica no “mundo normal” e na atual conjuntura, capitalização virou um palavrão.
Tomara que o tema não morra e uma nova emenda sobre capitalização seja apresentada e sem os vícios de discussão que envolvem o modelo chileno e aquele discurso fácil de que “estão entregando as aposentadorias para os bancos malvados”.
Que a decepção de Guedes também não seja motivo para o ministro abandonar o barco ou melhor, abandonar outros filhos que estava pensando em “parir”, como a carteira de trabalho verde e amarela, que embute uma reformulação dos encargos trabalhistas, e um novo modelo tributário menos regressivo.
O "risco" aqui é o tal do capitalismo dar certo, enterrando o discurso da oposição, das "esquerdas" ou dos ditos "progressistas", que ainda estão presos à insanidade de fazer sempre a mesma coisa esperando resultados diferentes.