STF volta a barrar prisão após a 2ª instância, e Lula poderá ser solto
Corte entendeu que um condenado tem o direito de aguardar em liberdade a decisão definitiva da Justiça até o fim de todos os recursos, derrubando assim um dos pilares da Lava Jato

Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (7) derrubar a possibilidade de prisão em segunda instância, medida considerada um dos pilares da Operação Lava Jato. A decisão abre caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso desde abril do ano passado.
Em um julgamento que se estendeu por quatro dias e cinco sessões plenárias, a Corte entendeu que um condenado tem o direito de aguardar em liberdade a decisão definitiva da Justiça até o fim de todos os recursos.
O voto de desempate do julgamento foi dado pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, após mais de sete horas de debate. "Não é a prisão após segunda instância que resolve esses problemas (de criminalidade), que é panaceia para resolver a impunidade, evitar prática de crimes ou impedir o cumprimento da lei penal", disse.
Lula
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam que 4.895 presos podem ser beneficiados pela decisão da Corte. O mais ilustre deles é Lula, que foi condenado no âmbito da Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do "triplex do Guarujá".
A defesa do ex-presidente diz que vai apresentar pedido de imediata soltura. "Após conversa com Lula nesta sexta-feira levaremos ao juízo da execução um pedido para que haja sua imediata soltura com base no resultado desse julgamento do STF, além de reiterarmos o pedido para que a Suprema Corte julgue os habeas corpus que objetivam a declaração da nulidade de todo o processo que o levou à prisão em virtude da suspeição do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato, dentre inúmeras outras ilegalidades", afirma, em nota, os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Martins, defensores do petista.
A defesa ressalta que o novo entendimento da Corte "reforça que o ex-presidente Lula está preso há 579 dias injustamente e de forma incompatível com a lei". "Lula não praticou qualquer ato ilícito e é vítima de 'lawfare', que, no caso do ex-presidente, consiste no uso estratégico do Direito para fins de perseguição política", conclui a defesa.
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O Supremo concluiu o julgamento do mérito de três ações, movidas pelo Conselho Federal da OAB, PCdoB e Patriota, que tratam sobre a execução antecipada de pena. As ações pediam que fosse confirmada a validade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê o trânsito em julgado -- quando todos os recursos jurídicos são esgotados -- como necessário para estabelecer as condições da prisão. Esse dispositivo foi incluído pelo Congresso Nacional em 2011.
"Se a vontade da Câmara dos Deputados e do Senado foi externada nesse dispositivo, essa foi a vontade do Parlamento", ressaltou Toffoli.
Além do presidente do Supremo, votaram para derrubar a prisão após condenação em segunda instância os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e o relator das ações, Marco Aurélio Mello. Para a corrente majoritária do Supremo, a execução antecipada de pena fere o princípio constitucional da presunção de inocência previsto no artigo 5º da Constituição.
Na outra ponta, os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia se manifestaram a favor de manter a prisão após segunda instância.
Divisão
A discussão do tema rachou o plenário do Supremo, opondo de um lado ministros legalistas - que defendem uma resposta rigorosa da Justiça no combate à corrupção - e, de outro, os garantistas, aqueles que destacam o princípio constitucional da presunção de inocência e os direitos fundamentais dos presos.
"Até mesmo o debate sobre o papel do STF precisa ser verificado. Discutimos muito essa questão da segunda instância tendo como pano de fundo o caso Lula. O caso Lula, de alguma forma, contaminou todo esse debate, tendo em vista essa politização. E isto acabou não sendo bom para um debate racional. Eu, inclusive, sou chamado nas redes sociais de um corifeu (pessoa de maior destaque ou influência em um grupo) do petismo", disse Gilmar.
Gilmar já havia votado a favor da prisão em segunda instância e de uma "solução intermediária" (a tese de se aguardar uma definição do Superior Tribunal de Justiça) e dedicou parte de seu voto a explicar por que a sua posição "evoluiu" mais uma vez.
"O fator fundamental a definir essa minha mudança de orientação foi o próprio desvirtuamento que as instâncias ordinárias passaram a perpetrar em relação à decisão do STF em 2016. O que o STF decidiu em 2016 era que a execução da pena após condenação em segunda instância seria possível, mas não imperativa", explicou.
Penúltimo a votar, Celso de Mello frisou que, independentemente da posição de cada colega sobre o tema, todos se opõem à corrupção. "Nenhum juiz do Supremo Tribunal Federal, independentemente de ser favorável ou não à tese do trânsito em julgado, é contrário à necessidade imperiosa de combater e reprimir as modalidades de crime praticadas por agentes públicos ou por delinquentes empresariais", afirmou o decano.
"O fato inquestionável é que a corrupção deforma o sentido republicano da prática política, afeta a integridade dos valores que informam e dão significado à própria ideia de República, frustra a consolidação das instituições, compromete a execução de políticas públicas em áreas sensíveis, além de vulnerar o princípio democrático, como sustentam, sem exceção, todos os ministros desta Suprema Corte."
Para Celso de Mello, o dever de proteção das liberdades fundamentais de qualquer réu representa uma responsabilidade de que o Poder Judiciário, em particular o STF, "não pode demitir-se". "Mesmo que o clamor popular manifeste-se contrariamente, sob pena de frustração de conquistas históricas."
Posição
O julgamento desta quinta-feira marcou a segunda vez que Toffoli mudou de posição sobre o tema. Em fevereiro de 2016, ele admitiu a prisão após condenação em segunda instância. Depois, passou a defender uma solução intermediária - de se aguardar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) -, uma tese que vinha contando com a simpatia de ministros alinhados à Lava Jato, que viam no meio-termo uma forma de "reduzir danos" diante da derrota dada como certa. Agora, o presidente do STF votou pelo trânsito em julgado.
A decisão do Supremo não impede que juízes, em caráter excepcional, determinem prisões preventivas, em casos de réus que representem um perigo para a sociedade (como estupradores e homicidas) ou para o aprofundamento das investigações.
OAB
O presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, afirmou que a decisão do STF representa uma defesa da Constituição e que o "direito de defesa e a presunção de inocência saem fortalecidos".
O novo entendimento da Corte segue o texto da Carta Magna, prevendo a prisão de condenados somente após análise de todos os recursos, o chamado trânsito em julgado. “A decisão do STF reafirma que não pode haver Justiça, não pode haver democracia, se forem relativizados ou desrespeitados os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição”, afirma Santa Cruz. “O direito de defesa e a presunção de inocência de cada cidadã e cidadão saem fortalecidos desse julgamento”.
Segundo Santa Cruz, ao propor a ação ao Supremo, a OAB "cumpriu seu papel legal, de defender a Constituição, a ordem jurídica e o Estado democrático de direito". "Nosso sistema de Justiça hoje honrou as palavras de dr. Ulysses na promulgação da nossa Constituição: ‘Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca'", diz Santa Cruz.
Força-tarefa da Lava Jato
Integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba divulgaram nota em que afirmam que respeitam a decisão do STF de acabar com a execução da pena em segunda instância, mas que a medida é dissonante ao sentimento de "repúdio à impunidade e com o combate à corrupção".
"A decisão do Supremo deve ser respeitada, mas como todo ato judicial pode ser objeto de debate e discussão. Para além dos sólidos argumentos expostos pelos cinco ministros vencidos na tese, a decisão de reversão da possibilidade de prisão em segunda instância está em dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade e com o combate à corrupção, prioridades do País", informa a força-tarefa, em nota distribuída via assessoria de imprensa.
"A existência de quatro instâncias de julgamento, peculiar ao Brasil, associada ao número excessivo de recursos que chegam a superar uma centena em alguns casos criminais, resulta em demora e prescrição, acarretando impunidade."
Segundo a nota, eles reconhecem que a decisão do STF "impactará os resultados" do trabalho da força-tarefa - que consegui abrir mais de 100 processos penais em seis anos de Lava Jato - e afirmam que seguirão o trabalho. "A força-tarefa expressa seu compromisso de seguir buscando justiça nos casos em que atua."
Governo
Um ministro palaciano afirmou que a nova interpretação do Supremo já era esperada desde que se soube que o voto de minerva seria do presidente da Corte, ministro Dias Tofolli, que chegou ao Tribunal por indicação de Lula. No entanto, ainda não há sinais concretos de como se comportarão as militâncias dos dois lados a partir de agora. Um dos temores é que apoiadores de Bolsonaro e outros antipetistas contrários à liberdade de Lula possam se articular e tomar as ruas, reforçado o tom das críticas com a nova postura da Justiça em relação a condenados de colarinho branco.
Um outro auxiliar do Planalto é mais otimista em relação aos desdobramentos da aguardada decisão do STF. Para essa fonte, apesar das ameaças de petistas de que o País iria parar com a eventual prisão de Lula, não houve nenhuma “convulsão social” quando o petista parou atrás das grades em abril do ano passado. Para esse interlocutor do presidente Jair Bolsonaro, esse cenário deve se repetir agora, com a provável soltura de Lula.
Os dois integrantes do governo foram unânimes, entretanto, em dizer que, se Lula for libertado, o “barulho” que petistas e apoiadores farão pelo País irá dificultar a governabilidade. Também há dentro do governo um temor pelo futuro da Lava Jato.
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