Paulo Guedes quer acabar com os “amigos do rei”
Proposta liberal do ministro da Economia pode resultar em transformação histórica na economia brasileira

Já tinha assistido a uma das palestras do agora ministro da Economia, Paulo Guedes, no período de campanha e sua fala na cerimônia de transmissão de cargo não se distanciou do que ele pregava quando ainda era aspirante ao cargo.
Só que agora o peso de suas palavras é outro e ele tem o poder necessário para realizar uma transformação em estruturas históricas da economia e da sociedade brasileira.
Para o nosso bolso, essas mudanças podem resultar em uma nova onda de valorização na bolsa de valores, impulsionar o mercado de imóveis e de Fundos Imobiliários, e promover uma redução mais consistente e duradoura dos juros reais de longo prazo, com impacto nos títulos que conhecemos do Tesouro Direto.
Além de estimular o mercado de crédito privado e debêntures. Podemos estar diante de um momento singular para investimentos, formação de patrimônio e para especular.
Enquanto Guedes falava sobre os "piratas privados, burocratas corruptos, criaturas do pântano político" e da pirâmide invertida que é sociedade brasileira, lembrei das aulas de um professor visitante sobre América Espanhola que tive no breve período no qual frequentei o curso de História na USP.
O ponto em discussão era a grande diferença das sociedades formadas na América Espanhola e Brasil Colônia com os Estados Unidos e outras sociedades europeias. A divisão se dava entre as sociedades do pacto e as sociedades do contrato.
Nós estamos no primeiro grupo, do pacto, onde a proximidade de relações pessoais, do tal “jeitinho” e “malandragem” se sobrepõem ao contrato, representado pelas leis e pelas normas.
A expressão que melhor traduz é que somos o país “dos amigos do rei” e o termo não é por acaso. Ele remete à ideia de “corpo” que vem da época feudal, na qual a cabeça mística do rei era sustentada por um "pacto" com o corpo então composto pelos nobres, religiosos e o resto. Quanto maior a sua proximidade da “cabeça”, maior o seu privilégio.
Cortando a cabeça mística do rei
Nas sociedades onde a cabeça mística do monarca foi cortada (em muitos casos literalmente pelas guilhotinas da Revolução Francesa), a sociedade se estruturou em torno do “contrato”, que passou a determinar direitos e deveres, e não em condições de nascimento ou pertencimento de classe. Não é por acaso que Guedes faz, com frequência, uma analogia entre Brasília e Versalhes.
Brasília é a terra dos amigos do rei, dos campeões nacionais, do crédito subsidiado, dos regimes tributários diferenciados e de algumas castas do funcionalismo que são imunes ao ciclo econômico. Quase nada se estabelece por competência, mas sim por quem você conhece, quão próximo você é do rei.
Esse modelo se repete nas demais unidades da federação e em todos os seus órgãos que representam o Estado. Quer um exemplo? Detrans e seus despachantes. Agências reguladoras e suas consultorias. Prefeituras e seus régios fiscais. Empresas e seus vistosos agentes de lobby. Incentivos importam e todos eles sempre estiveram no sentido de manter essa estrutura do pacto.
“É hora de otimizar o crescimento, tornar o Estados eficiente e fraterno. Hoje, ele é ineficiente e transfere renda para privilégios”, disse Guedes.
Sobre o sistema previdenciário ele foi ainda mais assertivo, dizendo que: “A Previdência é uma fábrica de desigualdade. Quem legisla e julga têm as maiores aposentadorias. O povo, as menores”.
A proposta liberal na economia, de acabar com privilégios, ou de buscar “quem está com o boi na sombra”, como disse Guedes, pode ser vista como uma tentativa de finalmente romper com essa estrutura social histórica e enraizada no pacto, nos amigos do rei.
Esse DNA sobreviveu a todas as mudanças que tivemos desde nossa época colonial. Já falei isso antes, mas toda a lógica do Estado brasileiro sempre esteve centrada em arrecadar o máximo possível para pagar “direitos adquiridos” da fidalguia pública e privada. Algo contado magistralmente por Jorge Caldeira no livro “A História da Riqueza no Brasil”.
O choque liberal proposto por Guedes pode ser visto como a tentativa de estabelecer, finalmente, uma sociedade do contrato, na qual regras definem diretos e deveres, onde a estrutura de incentivos premia a excelência e a meritocracia, que esteve no discurso de posse de Jair Bolsonaro.
O desafio liberal é criar, também, condições de igualdade no ponto de partida na disputa de todos contra todos dentro dos distintos mercados que regem a sociedade. Por isso mesmo da ênfase dada ao investimento em educação de zero a nove anos, período no qual, segundo Guedes, o indivíduo “se forma ou se perde”. Por isso da visão que o investimento em capital humano é libertador. É daqui, também, que parte da ideia de maior justiça social, com menos assistencialismo.
O corpo reage
O “corpo” vai reagir a essa tentativa de mudança, a esse choque liberal e contratual, de forma voluntária e involuntária. O próprio Guedes lembrou das gritarias de setores do empresariado que tentaram impedir a fusão de Ministérios.
Guedes também falou das “meias dúzias” que regem os mercados no país, lembrando que são meia dúzia de bancos, meia dúzia de empreiteiras, “tudo é meia dúzia”. O remédio é aumentar “brutalmente a competição”.
Outro ponto citado por Guedes é que os problemas do BNDES, Mensalão e Petrolão aconteceram em empresas públicas e na sequencia ele mesmo se questionou: “onde estávamos enquanto o Brasil era saqueado? Onde estávamos? Somos bons”.
Ele mesmo respondeu, dizendo que o poder absoluto corrompe, quanto mais fechada a economia, maior a venda de favores, quanto maior o poder do Estado, maior a corrupção.
Vou ser repetitivo, pois já citei isso outra vezes, mas cabe bem, pois Guedes falou tanto no Guilherme Afif Domingos, que estava na plateia, quanto no ex-ministro Roberto Campos, que se disse traído por seu amor ao Brasil.
Campos cita em seu livro de memórias, “Lanterna na Popa”, um diagnóstico de Guilherme Afif Domingos sobre corrupção que claramente foi e é abraçada por Guedes.
“A corrupção é sobretudo o excesso de governo e a concentração de poder no triângulo de ferro – a tecnocracia, as empresas cartoriais e os políticos clientelescos. A corrupção é o salário suplementar do funcionário que tem poder demais e acha que tem salário de menos.
Desregulamentação e privatizações são por isso a melhor receita de moralidade. Que o digam os regimes comunistas, onde a concentração de poder burocrático institucionalizou a corrupção”, escreveu Campos, sobre a definição dada por Afif.
Guedes tem noção desse desafio liberal e falou em fazer mudanças de forma gradual e de estar determinado a ser compreendido. Tomara saia vitorioso desse embate com os "amigos do rei" e o Estado brasileiro deixe de ser uma máquina de desigualdade com autorização Constitucional e chancela do STF para funcionar, como comentamos quando da recriação do auxílio-moradia.
Também torço para que não se prove verdadeira, novamente, uma piada atribuída ao ex-presidente francês Georges Pompidou e contada por Campos: Há três caminhos para se cair na desgraça. O mais rápido é o jogo, o mais agradável são as mulheres e o mais seguro é consultar um economista.
Em todo caso, é hora de paramos de admirar o que não deu certo e abandonar os "ismos fatais" que tornam o país um "laboratório para análises de patologia econômica": populismo, estruturalismo, protecionismo, estatismo e nacionalismo.
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