O que será da inflação daqui em diante?
Se houver alta inflação (mais de 3%) em perspectiva crescente, há necessidade de compra de ativos reais, como metais e imóveis
Ao iniciar o terceiro ato de sua peça, Shakespeare colocou um de seus mais famosos personagens, Hamlet, para proclamar um monólogo. Durante a intervenção, foi ouvida pela primeira vez a frase: “ser ou não ser, eis a questão”. Existir ou não existir, viver ou morrer. Um pensamento aparentemente simples, mas que guarda uma profundidade inexplicável.
Confesso ter certa curiosidade por perguntas que nos fazem refletir com profundidade epistemológica.
Foi com tal questionamento em mente que comecei a refletir sobre o tema do texto de hoje.
Afinal, o que será da inflação daqui em diante?
Depois de muito tempo com a inflação global ensaiando uma suposta morte, aos moldes japoneses (inflação por lá não se encontra com força há muito tempo), voltamos a flertar com a possibilidade de seu retorno.
Mas então, estaria ela vida ou de fato morta?
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Vamos antes nos ater aos fatores que provocaram um racional de que a inflação ficaria muito baixa de modo estrutural.
Podemos separá-los em três:
- tecnologia;
- demográfica; e
- globalização.
A primeira é o que chamamos de tecnologia deflacionária (Deflationary Tech), na qual os processos produtivos se desenvolvem de tal modo que possibilitam produtos mais baratos para o consumidor final. Se produz mais a um preço mais barato e com um uma logística muito mais avançada.
O segundo argumento deriva do fato das pessoas estarem vivendo cada vez mais. Se todos ficam mais velhos, acabam gradualmente poupando mais e mais, postergando o consumo que ocorreria no presente. Com isso, a pressão nos preços correntes é aliviada.
Por fim, mas não menos importante, temos a globalização. Este tópico é um pouco polêmico, uma vez que há economistas que entendem algumas facetas da globalização como sendo inflacionárias. No meu entendimento, contudo, podemos estabelecer genericamente que ao longo dos anos a quebra de barreiras comerciais entre países e uma elevação no nível de comércio global proporcionou uma redução geral dos preços – facilidade do intercâmbio de mercadorias (você tem mais acesso ao produto e mais acesso a bens substitutos, sem falar em viabilidade do barateamento da produção.
Assim, caminhávamos gradualmente para um horizonte de cada vez menos inflação, em contraposição às décadas de 70 e 80, quando houve um crescimento acentuado em paralelo à inflação galopante. Mais recentemente, porém, como podemos ver abaixo, o mundo desenvolvido entrou em um processo de menos crescimento e menos inflação.
Foi apenas nos últimos anos, principalmente depois da crise de 2008, que começamos a voltar a ter forças que porventura acarretariam inflação. Falo aqui da expansão monetária acentuada dos Bancos Centrais. Um aumento da oferta monetária leva à inflação. Então de um lado você teria os fatores deflacionários estruturais e, do outro, tópicos inflacionários para o mundo.
Ascensão de políticos populistas, contrários à globalização, expansão de liquidez e encarecimento da mão-de-obra (políticas trabalhistas) acarretam um repique da inflação. Eram dois caminhos possíveis:
- o mundo se japonesa, com baixo crescimento e baixa inflação; ou
- os efeitos deflacionários sofrem um revés e o mundo passa a ter inflação novamente.
Entretanto, até 2019 o vencedor deste cabo de guerra era a deflação. Então, houve a pandemia de 2020 e o jogo mudou de verdade. Em primeiro lugar porque o expansionismo monetário e fiscal ganhou contornos ainda mais radicais, flertando com patamares nunca antes navegados. Em segundo lugar, a quebra da cadeia de suprimentos foi bastante severa, de modo que um reaquecimento muito rápido do planeta, já em 2021, acarretaria inflação.
Hoje, parecemos ter passado do pico do problema. A propagação do vírus está desacelerando em quase todos os países, o que pode indicar que já ultrapassamos a pior parte da propagação do vírus nesta onda.
Isso anda de mãos dadas com a pesquisa da Universidade de Michigan, que descobriu que o vírus Corona é altamente sazonal, com um pico normal no final de janeiro ou início de fevereiro. Agora, há luz no fim do túnel, tanto de uma perspectiva vacinal quanto sazonal. As restrições serão, portanto, seguramente suspensas nas próximas 4 a 8 semanas. Boas notícias!
Consequentemente, as expectativas de inflação começam a aumentar. Vários bancos de renome, como o próprio Goldman Sachs, começam a projetar maiores oportunidades de retornos diferenciados dentro dos setores à medida que as diferenças entre vencedores e perdedores relativos entre os setores se tornam mais proeminentes em um ambiente inflacionário.
Os temas de tal contexto são os seguintes:
- a tecnologia tende a ser deflacionária (substituição da mão-de-obra pela tecnologia). Os negócios de capital leve superaram significativamente o desempenho de empresas de CAPEX pesado, que geralmente estão em setores maduros.
- a próxima revolução de descarbonização (verde). Estima-se que as infraestruturas verdes possuem algo entre 1,5 vezes e 3,0 vezes mais capital e empregos intensivos do que as infraestruturas de energia tradicionais por unidade de energia produzida. Essa mudança no CAPEX pode contribuir para a escassez e aumentos de preços em partes da economia que apresentaram desempenho inferior na última década.
- os preços das commodities caíram, mas os mercados agora estão em déficit. A tendência contrária é provável, encarecendo as matérias-primas.
- os salários têm tendência para baixo, mas podem ter feito fundo;
- as taxas de poupança aumentaram de forma muito acentuada nas maiores economias, acarretando uma demanda empoçada considerável a ser solta assim que a economia reaquecer.
- à medida que o dinheiro enfraquece (expansão de liquidez) e as cadeias de abastecimento se estreitam, existe o risco de que essa tendência diminua ou mesmo se reverta, em um processo inverso de globalização verificado até aqui.
Abaixo, um comparativo de diferentes ativos e combinação de ativos para diferentes cenários de inflação. Estamos em um contexto de inflação em linha ou de alta inflação, ainda não se sabe bem. O que se sabe, porém, é que se houver alta inflação (mais de 3%) em perspectiva crescente, há necessidade de compra de ativos reais (metais, imóveis e etc). Para os demais, a Bolsa segue sendo um cavalo importante – um blend 60/40 no exterior pode voltar a fazer sentido.
Tudo isso, claro, feito sob o devido dimensionamento das posições, conforme seu perfil de risco, e a devida diversificação de carteira, com as respectivas proteções associadas.
Vivemos uma realidade complicada. Economistas de renome, como Summers e Blanchard, começaram a alertar sobre o risco de superaquecimento da economia dos EUA, caso o plano de Biden de US$1,9 trilhão seja implementado. Seria mais dinheiro na economia, aumentando a chance de inflação.
O Fed (Banco Central dos EUA) poderia ficar com o mesmo medo se o núcleo da inflação começar a ficar acima de 2% no segundo trimestre?
Hoje se sabe, no entanto, que a curva de Phillips é muito mais plana do que antes. Ou seja, o baixo desemprego leva a uma inflação mais alta, mas mesmo uma economia muito aquecida só leva a um modesto superaquecimento inflacionário.
Estamos na fronteira de novos conhecimentos econômicos. Há muito o que refletir. Bem provavelmente, como já começamos a ver no Brasil, o mundo realmente volte a flertar com patamares mais acentuados de inflação, ao menos no curto prazo. Quais os efeitos disso à diante, contudo, será preciso mais tempo para que as ideias possam maturar.
Em um ambiente tão complicado, é necessário ter junto com você as melhores ideias para investir seu dinheiro. Afinal, a última coisa que você quer é perder para inflação em algum ano. Felipe Miranda, Estrategista-Chefe da Empiricus, a maior casa de análise independente da América Latina, se dedica periodicamente para fornecer aos seus leitores as melhores ideias de investimento.
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