O mercado financeiro brasileiro confia em Paulo Guedes. Bastaram algumas palavras do ministro da Economia em entrevista na TV - após o governo brasileiro cancelar um pronunciamento oficial durante o evento em Davos - para os investidores esticarem um pouco mais o rali dos ativos locais.
Ao final da sessão de ontem, o principal índice acionário da Bolsa brasileira (Ibovespa) renovou o recorde histórico pela décima vez em 2019, ficando cada vez mais próximo da marca simbólica dos 100 mil pontos, enquanto o dólar caiu abaixo da faixa de R$ 3,80, ambos influenciados pela fala de Guedes. As declarações, porém, não trouxeram novidades, mas foram suficientes para reafirmar o compromisso do governo Bolsonaro com a agenda liberal-reformista.
A estimativa de Guedes, de que a reforma da Previdência pode gerar uma economia de até R$ 1,3 trilhão em 10 anos, pode dar um impulso extra nos negócios domésticos nesta quinta-feira. Mas a véspera do feriado pelo aniversário da cidade de São Paulo, que fecha apenas os mercados por aqui na sexta-feira, pode elevar a postura defensiva dos investidores.
Afinal, a reação dos ativos ontem mostra que os investidores seguem em clima de “torcida”, confiantes de que o governo irá avançar com as reformas econômicas e otimistas com a aprovação dessas medidas no Congresso. Mas ainda é preciso esperar que tudo isso, efetivamente, aconteça, pois é mais difícil tentar adivinhar como se dará a articulação política para que as propostas do governo avancem, sem alterações.
Por isso, será importante entender, nos próximos dias, se a dinâmica melhor dos ativos brasileiros continua a ser fluxo - única e exclusivamente - de alocações de investidores locais. O ideal é de que já se identifique um maior interesse por parte dos estrangeiros. A presença dos “gringos” é crucial para a continuidade do bom desempenho do mercado por aqui.
O otimismo é local
Os dados do fluxo cambial na primeira quinzena de janeiro realçam essa falta de apetite do investidor estrangeiro pelos ativos locais, mesmo após a chegada do novo governo. Embora pareça exorbitante a quantia de US$ 1,5 bilhão que entrou no Brasil via conta financeira até o dia 18, o volume está bem abaixo dos aportes no país durante o mês.
Tradicionalmente, janeiro é um mês marcado pela realocação de recursos, com os “gringos” iniciando um novo portfólio de investimentos, ávidos por rendimentos mais elevados, especialmente em países emergentes. Mas o ingresso neste ano está, por exemplo, US$ 4 bilhões abaixo do saldo líquido na mesma conta em igual período de 2018.
Esses números apenas reforçam que é o investidor local que tem sustentado o rali do mercado financeiro brasileiro neste início de ano, içando a Bolsa para máximas históricas e segurando o dólar abaixo de R$ 3,80. Os investidores institucionais e pessoa física estão na torcida de que o governo irá consiga emplacar o ajuste fiscal e as reformas econômicas.
Já os “gringos” estão de fora dessa festa. Por ora, os estrangeiros se mostram menos otimistas - e mais cautelosos - que os “locais” quanto ao andamento da agenda liberal-reformista do governo Bolsonaro. A expectativa é de que o capital externo defina a trajetória em relação ao Brasil apenas após o fim do recesso legislativo, em fevereiro.
Só aí, será possível medir o apoio do Congresso à agenda de reformas e o apetite dos estrangeiros pelos ativos locais. Se houver, algum avanço concreto para melhorar as contas públicas, a Bolsa pode, enfim, superar os 100 mil pontos e o dólar cair abaixo de R$ 3,70. Em caso de frustração, os “gringos” podem “dar saída” à posição otimista dos locais.
Há quem diga que o investidor estrangeiro deve aguardar um pouco mais, adiando os planos de aportar recursos no país, até que o governo Bolsonaro complete os primeiros cem dias, em meados abril, para tomar a decisão de “comprar o Brasil” (ou não). A conferir.
Enquanto isso, lá fora…
Os mercados internacionais voltam a exibir oscilações estreitas, sem uma direção definida para o dia, com os investidores à espera do desfecho dos principais impasses políticos no exterior. A situação do Reino Unido (Brexit) pode tanto caminhar para uma possível saída da União Europeia (UE) sem acordo ou para uma extensão do prazo, enquanto a paralisação do governo norte-americano (shutdown) deve adiar o discurso do presidente Donald Trump sobre o Estado da União.
Isso sem falar da situação na Venezuela, com 11 países - entre eles o Brasil - declarando apoio ao líder da oposição e presidente da Assembleia Nacional do país, Juan Guaidó, ao passo que cinco nações - entre elas Rússia e Cuba - manifestaram apoio ao presidente Nicolás Maduro. A China ainda não se pronunciou sobre o caso, que segue no radar.
A diferença é que lá fora, ninguém arrisca o que pode acontecer. Por isso, os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram de lado, orbitando entre leves altas e baixas, com os investidores preocupados com o impacto que a pausa de mais de 30 dias nas atividades federais pode causar à economia norte-americana. A previsão é de que o crescimento econômico no primeiro trimestre deste ano caia à metade.
O Senado dos Estados Unidos deve votar hoje duas propostas, que têm potencial de encerrar a paralisação mais longa da história do governo norte-americano. O líder do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell, convocou votação para a proposta feita por Trump, que destina US$ 5,7 bilhões para a construção do muro e modifica o sistema de imigração.
Outro proposta, trazida pelos democratas é mais paliativa e tem como objetivo liberar o Orçamento federal temporariamente, aliviando a situação dos 800 mil funcionários públicos afetados pelo impasse. Para qualquer um dos textos passar, serão necessários 60 votos, mas ainda não está claro se quaisquer dessas medidas serão aprovadas.
Em contrapartida, os investidores alimentam esperança de que EUA e China irão formatar acordo na área comercial e sobre a propriedade intelectual até março, quando se encerra a trégua tarifária. Mas a nova tentativa de Washington em tentar extraditar a executiva chinesa da Huawei, Wanzhou Meng, detida no Canadá desde dezembro pode azedar as negociações.
Na Ásia, as bolsas de Xangai (+0,4%) e de Hong Kong (+0,2%) registraram leves altas, ao passo que Tóquio oscilou em baixa (-0,1%), com os investidores aguardando novos desenvolvimentos nas negociações comerciais e sinais sobre quão profunda é (será) a desaceleração econômica global. As principais bolsas europeias também apontam para um início de pregão sem brilho.
Entre as moedas, o dólar alterna altas e baixas em relação aos rivais de países desenvolvidos e emergentes, em meio aos sinais mistos sobre a economia e a política. Entre os destaques, o dólar australiano oscila entre ganhos e perdas, enquanto a libra esterlina testa a faixa de US$ 1,30. Nas commodities, o petróleo é cotado abaixo de US$ 53 o barril tipo WTI.
Decisão do BCE em destaque
A agenda econômica desta quinta-feira está mais forte no exterior. O destaque lá fora fica com a decisão de juros do Banco Central Europeu (BCE), às 10h45. A previsão é de que a autoridade monetária mantenha a taxa de juros na zona do euro nos níveis atuais, o que desloca o foco para a entrevista coletiva do presidente do BCE, Mario Dragi, às 11h30.
Os investidores irão buscar pistas sobre a possibilidade de uma nova rodada de estímulos à região da moeda única, em meio ao temor quanto à desaceleração econômica global. O mercado estará atento à disposição do BCE em adotar novas operações de injeção de liquidez, diante dos dados mais fracos de atividade na zona do euro.
Aliás, o calendário externo traz também dados preliminares sobre a atividade no setores industrial e de serviços em janeiro na zona do euro e também nos EUA. A agenda econômica norte-americana reserva também os pedidos semanais de auxílio-desemprego feitos no país (11h30) e os estoques semanais de petróleo bruto e derivados (14h).