Onde investir em 2021: Renda fixa dá susto, mas deve recompensar quem tiver sangue frio
A renda fixa vai seguir mais viva do que nunca em 2021, o que abre oportunidades de retorno que podem ir muito além dos 2% ao ano da Selic

Se o desempenho da renda fixa e do Tesouro Direto em 2020 virasse um filme, o título bem que poderia ser “Um morto muito louco” — em homenagem ao clássico da sessão da tarde. Afinal, com a queda da taxa básica de juros (Selic) para a inacreditável marca de 2% ao ano, não foram poucos os que se apressaram a declarar a “morte” da renda fixa.
O que assistimos, contudo, foi a um dos anos mais imprevisíveis para aquele investimento que na cabeça dos brasileiros é visto como conservador. Das peças que renda fixa pregou, houve até rendimento negativo no Tesouro Selic, o investimento em tese mais seguro do mercado.
Em 2021, a renda fixa vai seguir mais viva do que nunca, em um mundo que vai dos títulos públicos de diferentes prazos e características aos papéis emitidos por bancos e empresas, como CDBs e debêntures.
Esse leque de opções abre oportunidades de retorno que podem ir muito além dos 2% da Selic — desde que você tenha sangue frio e esteja disposto a correr mais riscos.
“A renda fixa não só não morreu como permanece como o maior mercado de praticamente todos os países, mesmo com os juros negativos em várias economias”, me disse Bruno Carvalho, sócio e gestor de renda fixa da Asset 1.
Este texto faz parte de uma série especial do Seu Dinheiro sobre onde investir em 2021. Eis a lista completa:
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- Bolsa
- Dólar e ouro
- Renda fixa (você está aqui)
- Imóveis
- Fundos imobiliários
- Criptomoedas (disponível em 8/1)
Por falar em juros, tanto as oportunidades como as cascas de banana na renda fixa neste ano devem vir justamente da trajetória da Selic. Na última reunião de 2020, o Banco Central manteve a controversa sinalização de que manterá a taxa na mínima histórica de 2% ao ano por um longo período.
Só que o mercado financeiro nunca levou muito a sério esse compromisso — conhecido pelo termo em inglês “forward guidance”. A projeção dos analistas medida pelo boletim Focus do próprio BC aponta uma Selic em 3% no fim deste ano.
O próprio BC já admitiu que pode remover a sinalização na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), mas que isso não necessariamente seria um sinal de alta iminente dos juros.
O que vai definir se a Selic vai de fato subir em 2021 — e o quanto — será o comportamento da inflação e dos gastos do governo. Foram ambos, aliás, os responsáveis pelos solavancos da renda fixa ao longo do ano passado.
Apesar de toda a incerteza — e um pouco em função dela — os especialistas com quem eu conversei para esta reportagem foram unânimes ao apontar que a relação entre risco e retorno está favorável para o investidor de renda fixa. Confira a seguir as melhores opções de onde investir em 2021.
Em primeiro lugar, a reserva de emergência
Antes de começar, uma pergunta: você já possui uma reserva de emergência, aquele dinheiro que você pode precisar a qualquer momento?
A recomendação dos especialistas é que você tenha o equivalente à despesa de pelo menos seis meses disponível em aplicações com resgate imediato e que não estejam sujeitas a oscilações bruscas de curto prazo.
Nesse contexto, o Tesouro Selic, título do Tesouro Direto que segue a taxa básica de juros (Selic), permanece como a opção mais indicada para a sua reserva de emergência.
Você pode fazer isso diretamente, comprando os papéis no Tesouro Direto por meio de uma corretora ou pelo seu banco, ou investindo em um fundo DI Simples com taxa zero, que basicamente pega o seu dinheiro e aplica no Tesouro Selic. Você pode encontrá-los nas plataformas do BTG Pactual, Órama, Pi, Rico, Vitreo e XP.
Com os juros nas mínimas históricas, a palavra de ordem é evitar deixar qualquer dinheiro na mesa. Nesse sentido, os fundos contam com uma vantagem importante justamente pela isenção de tarifas, enquanto que o investimento direto no Tesouro Selic está sujeito à taxa de custódia de 0,25% ao ano da B3 para valores acima de R$ 10 mil.
E o retorno negativo?
É verdade que a reputação dos títulos públicos corrigidos pela Selic como investimento seguro e, portanto, ideal para a reserva de emergência, foi abalada a partir de setembro do ano passado, quando os papéis registraram rendimento negativo, o que não ocorria desde 2002.
O fenômeno foi atribuído à combinação dos juros muito baixos com a necessidade do Tesouro de rolar a dívida pública em um contexto de incerteza sobre os rumos da política fiscal, depois do aumento dos gastos durante a pandemia do coronavírus.
Em outras palavras, na dúvida sobre a capacidade do governo de honrar os compromissos, os investidores passaram a exigir taxas maiores para comprar os títulos públicos.
Isso incluiu o Tesouro Selic, cujo prêmio sobre a taxa básica de juros disparou de 0,02% para até 0,37% nas máximas em outubro. A alta nas taxas tem como contrapartida a queda nos preços dos títulos, e foi isso o que provocou o rendimento negativo.
Aos poucos, porém, a situação vem se normalizando. No fim do ano, o prêmio do título com vencimento em 2025 disponível no Tesouro Direto estava em 0,1459%.
Isso significa que quem aproveitou o momento de estresse para investir nas taxas mais altas acabou ganhando dinheiro e quem não mexeu na aplicação recuperou parte das perdas. Mas esse movimento está perto do limite, na visão de André Caetano, superintendente da Bradesco Asset Management (Bram).
Com um volume grande de rolagem de dívida programado para ocorrer neste ano, a expectativa é que os investidores continuem exigindo um prêmio maior do governo para comprar os títulos. “As taxas não devem voltar aos níveis de antes de setembro tão cedo”, disse Caetano.
Quem não estiver preparado para as eventuais oscilações que podem acontecer no Tesouro Selic ao longo do ano pode considerar o CDB de um grande banco para compor a reserva de emergência. Estou falando aqui especificamente de Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa e Santander, desde que a remuneração oferecida seja de pelo menos 100% do CDI e com liquidez diária.
A hora do Tesouro IPCA e Prefixado
Manter uma reserva de emergência é fundamental, mas em tempos de juros baixos é melhor não ter muita expectativa com relação à rentabilidade desses recursos que você pode precisar a qualquer momento.
Para quem está disposto a correr mais riscos em busca de uma rentabilidade maior, os especialistas com quem eu conversei apontaram como alternativas o Tesouro IPCA e o Tesouro Prefixado de prazo médio e longo — com vencimento a partir de 2023.
“Olhando à frente, ambos os papéis oferecem retorno espetacular”, disse Bruno Carvalho, sócio da Asset 1. O gestor vê um potencial maior de ganho nos prefixados, mas eles também são mais arriscados que os corrigidos pela inflação.
No último dia do ano, o título prefixado com vencimento em 2026 no Tesouro Direto oferecia uma taxa de 6,25% ao ano, mais que o triplo da Selic atual. Já os papéis corrigidos pelo IPCA de mesmo prazo pagavam uma taxa de 2,32% ao ano.
Mas é sempre importante lembrar que essa rentabilidade só é garantida no vencimento. Caso você precise resgatar o dinheiro antes, receberá a taxa negociada no momento da venda. É aí que mora o risco, mas também a oportunidade no investimento em renda fixa.
Isso porque a expectativa tanto das taxas dos títulos prefixados como dos corrigidos pela inflação é de queda, o que na prática representa um ganho de capital para quem investir nas taxas atuais, segundo os gestores com quem eu conversei.
O teto vai rachar?
O cenário favorável para o investimento no Tesouro IPCA e no Tesouro Prefixado vai depender, e muito, da trajetória fiscal do país. O que os investidores basicamente querem saber é se o governo vai ou não manter o compromisso com o chamado teto de gastos.
A mera sinalização de que a manutenção do crescimento das despesas em linha com a inflação seria derrubada provocou estrago no mercado de títulos públicos no segundo semestre do ano passado.
Mas a visão predominante agora é a de que o teto será mantido, ainda que essa questão não esteja totalmente pacificada. A dúvida é se o aumento recente de casos de coronavírus ou a popularidade do presidente Jair Bolsonaro levarão o governo a retomar programas como o auxílio emergencial, interrompido no fim do ano passado.
“Deve haver algum ruído, é possível que alguma telha se quebre, mas o governo deverá ser responsável e manter o teto” — André Caetano, Bradesco Asset Management
Os títulos públicos de prazo mais longo são aqueles que mais tendem a sofrer no caso de uma ameaça ao equilíbrio fiscal, segundo Gustavo Pessoa, sócio e gestor da Legacy Capital. É por isso que eles são os mais arriscados, mas que também oferecem o melhor retorno potencial.
Inflação e Selic
Outro fantasma — ou melhor, dragão — que assustou o investidor de renda fixa no segundo semestre foi o da inflação. Com a alta nos preços dos alimentos e da energia, o IPCA deverá encerrar 2020 acima do centro da meta de 4%.
Mas assim como no caso do teto de gastos, a expectativa do mercado é que o pico de pressão sobre os preços tenha ficado para trás. “A alta da inflação foi muito calcada em itens temporários, que devem ficar circunscritos a 2020”, disse o gestor da Legacy.
Ainda que a inflação não preocupe, o Banco Central deve voltar a subir os juros no segundo semestre, segundo Pessoa, que projeta a Selic em 4,5% ao ano no fim de 2021.
Apesar da alta esperada dos juros, o gestor vê oportunidade de ganho nos títulos públicos, com preferência para o Tesouro IPCA, que conta com uma proteção maior que os prefixados para o caso de a inflação surpreender novamente.
Na contramão do mercado, Bruno Carvalho, da Asset 1, avalia que a Selic pode ficar estável ao longo de todo o ano de 2021 diante da menor pressão sobre a inflação e de um desempenho mais fraco da economia.
Manja debêntures? E CDBs?
O mundo da renda fixa, contudo, não se resume aos papéis emitidos pelo governo. Alguns instrumentos privados contam com o apelo da isenção de imposto de renda sobre os rendimentos, como as debêntures de infraestrutura e certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA). Por outro lado, aqui existe o risco de calote do emissor dos papéis.
“Para maximizar resultado, buscamos ativos com altíssima qualidade de crédito e prêmio relevante sobre título público”, disse Luiz Nazareth, diretor da Azimut Brasil Wealth Management.
Outra opção para o investidor em busca de retornos acima do CDI são os CDBs de bancos de menor porte, que contam com cobertura do fundo garantidor de créditos (FGC) até R$ 250 mil. Apesar da garantia, o ideal é não investir "de olhos fechados" e buscar instituições com bom risco de crédito.
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