“História não se apaga com decretos ou declarações”, diz Doria sobre Bolsonaro
Governador de São Paulo defendeu uma aproximação com o país asiático em vez do alinhamento total com os Estados Unidos
Em sua quarta viagem internacional para "vender" o projeto de desestatização de São Paulo, o governador João Doria foi à China e marcou uma posição diferente do presidente Jair Bolsonaro ao defender uma aproximação com o país asiático em vez do alinhamento total com os Estados Unidos.
Nessa entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Doria é cauteloso ao falar sobre Bolsonaro, mas delimita a relação e faz críticas ao aliado da campanha de 2018. João Doria foi enfático ao dizer que respeita as vítimas da ditadura e afirmou que não "podia se calar" diante das recentes declarações do presidente, que teve um embate público com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, após ter dito que teria informações sobre como o pai do advogado teria desaparecido durante a ditadura.
Sobre a transferência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da Polícia Federal em Curitiba para Tremembé, em São Paulo, respondeu que decisões devem ser cumpridas. "Se vier, terá a condição de trabalhar, diferente da Polícia Federal, onde fica encarcerado 24 horas por dia. Para cada três dias de trabalho, pode ter um de remissão de pena e ainda leva uma poupança", afirmou.
O sr. disse recentemente que nunca teve alinhamento com o presidente Jair Bolsonaro, o que gerou repercussão no Brasil. Como é essa relação?
Nunca tivemos (alinhamento). Desde o início, eu disse que o PSDB não tinha alinhamento, mas discernimento para apoiar medidas boas para os brasileiros, como a reforma da Previdência. Esse 'não alinhamento' não significa oposição. Não vamos fazer oposição ao governo Bolsonaro.
O sr. se considera no mesmo campo político que o presidente?
Prefiro me colocar no mesmo campo de defesa do Brasil. Bolsonaro é um patriota, mas o PSDB não tem e não terá alinhamento com o Bolsonaro. Nem alinhamento nem coalizão.
Sobre a declaração do presidente Jair Bolsonaro em relação ao pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Como avaliou?
Tenho respeito por todos aqueles que foram vítimas da ditadura e pelos filhos das vítimas. Sou filho de uma vítima da ditadura e não posso me calar. A história não se apaga com decretos ou declarações. O Brasil teve uma ditadura e um golpe em 1964, mas isso não significa que vamos fazer tribunais condenatórios eternamente.
O sr. apoiou a mudança dos nomes da Comissão de Mortos e desaparecidos?
O ideal é que não tivesse ocorrido ao sabor desse debate. O governo federal poderia indicar nomes, mas vincular a esse momento reativo não foi o mais adequado.
Bolsonaro antecipou o debate eleitoral ao se apresentar como candidato à reeleição. Acredita que a centro-direita vai buscar outro nome ou fechar com ele?
É cedo para tratar esse tema. Tratar da questão eleitoral agora não vai contribuir em nada. Pelo contrário: vai prejudicar a obrigação dos governadores e do presidente, que é governar.
Bolsonaro errou então ao antecipar o debate?
A antecipação do debate eleitoral não é boa para o Brasil. O debate eleitoral deve ser feito no momento adequado.
O Supremo Tribunal Federal reverteu a decisão de trazer o ex presidente Lula para São Paulo. O sr. lamentou a decisão?
Decisão da Justiça tem que ser cumprida. Ela seria cumprida se ele viesse para São Paulo. Aqui, Lula não teria nenhum privilégio ou vantagem. Seria tratado como qualquer prisioneiro. Em São Paulo, não há prisioneiro de primeira ou segunda classe. Se ele vier para cá, será tratado de forma respeitosa, assim como os 250 mil presidiários do sistema.
Aqui Lula será como Luiz Inácio e qualquer outro preso. Se vier, terá a condição de trabalhar, diferente da Polícia Federal, onde fica encarcerado 24 horas por dia. Para cada 3 dias de trabalho, pode ter um de remissão de pena e ainda leva uma poupança.
O presidente Jair Bolsonaro disse que os governadores do Nordeste querem dividir o Brasil e condicionou o repasse de verbas ao apoio a ele. Como recebeu essa declaração?
O Brasil precisa de paz e entendimento. No entendimento podemos ter resultados melhores que no afastamento e na divisão. Mesmo com Estados com visão ideológica e partidária diferente do governo Bolsonaro, é possível produzir melhores resultados. Não é hora de eleição ainda.
Quando chegar o período eleitoral será natural que surjam posições mais antagônicas. Mas antes disso não considero bom. Estamos há um ano e meio das eleições municipais. Agora é hora de governar, não de brigar.
Bolsonaro defende um alinhamento com os Estados Unidos e faz um discurso pouco amistoso sobre a China. Isso pode trazer implicações comerciais, inclusive para São Paulo, que busca investimentos aqui?
É preciso ter cuidado com a relação com a China e estimular em vez de enfraquecer a aproximação. A China está em busca de novos parceiros comerciais para diminuir o efeito das medidas de retaliação do governo Trump. Essa é a melhor hora para o Brasil vir à China.
Um torcedor do Corinthians foi detido após supostamente ter xingado Bolsonaro durante o jogo. A Polícia Militar exagerou?
Não acompanhei de perto esse episódio, mas não creio que o xingamento foi a razão da prisão. A gente não deve xingar ninguém em estádio, nem o adversário, nem jogador, autoridade ou a PM. Mas isso não justifica a prisão de quem quer que seja. Isso deve ser repreendido. Estádio é para quem gosta de futebol, não para fazer protesto
O sr. sancionou um projeto de Lei que cria o dia de orar pelas autoridades. O sr ora pelas autoridades?
Não vi nenhum mal nisso. O projeto veio da Assembleia e não vi motivo para não sancionar. Não há custo para o erário. Se o Brasil precisa de algo hoje, é de oração. Orar faz bem, sobretudo agora.
O Brasil precisa de oração para autoridades?
Para todos. Se as autoridades receberem orações, o governo será melhor para os brasileiros. Mal não faz.
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