Os brasileiros com mais de 40 anos têm fácil memória das estratégias das famílias para mitigar os efeitos da hiperinflação sobre a renda nos anos 1980 e 1990: tinham de ir atrás de promoções, que nem sempre eram suficientes, entre outras coisas.
O cenário mudou a partir da implantação da nova moeda, o real, que entrou em circulação em 1º de julho de 1994 - 25 anos atrás. Não era mais uma tentativa fadada ao fracasso para estabilizar a economia, como ocorreu em seis planos emergenciais anteriores.
Dona de um restaurante self-service há quase 30 anos na zona central de Brasília, Rute Maria de Souza, lembra como era a rotina antes do Real: visitava mais de uma vez ao dia os supermercados e via as remarcações de preço. "Quando chegava, lá estava a maquininha trabalhando”, conta.
A base (também) é a comunicação
Pessoas como a pequena empresária Rute tiveram ser convencidas que a nova moeda era eficiente. Para isso, a comunicação foi um ponto chave “Sem muita explicação, verbo, liderança e apoio da mídia não se consegue o principal, que é convencer [...], diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O jornalista Thomas Traumann, autor do livro O Pior Emprego do Mundo, que narra a trajetória de 14 ministros da Fazenda desde 1967, também aponta para o cuidado com a disseminação das medidas econômicas no lançamento do real.
Segundo Traumann, o Plano Real contou com “apoio didático preponderante da mídia”. “Os telejornais foram favoráveis ao plano desde o seu dia zero”, destaca. A informação sem sustos evitou comportamentos que em outros planos criam corrida a bancos, supermercados e postos de combustível. “Não houve surpresa. Isso foi fundamental”, acrescenta.
A transparência é elogiada até pelo ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, crítico de alguns resultados da medida. “O Plano Real foi uma pequena joia que fará a glória dos competentes economistas que o conceberam. Mostrou que mesmo projetos complexos, quando expostos na sua integridade (começo, meio e fim), podem ser compreendidos e contar com suporte da sociedade”, disse
Estabilidade, mas não crescimento sustentável
Segundo especialistas, o legado do plano não se estendeu ao crescimento sustentável. Desde a entrada em vigor das medidas, em 1994, o país alterna momentos de expansão com recessões profundas.
Alexandre de Freitas Barbosa, professor do Instituto de Estudos Brasileiros (USP) fez sua tese de livre docência sobre o período de economia desenvolvimentista no Brasil, diz que ainda estamos procurando uma estratégia de desenvolvimento.
Para o economista, o Plano Real "carrega uma frustração". Ele diz que governo FHC e, também os governos posteriores, não conseguiram trazer uma estratégia que pudesse ser sustentável.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o ano de maior crescimento do Produto Interno Bruto entre 1996 e 2016 foi em 2010 (taxa de 7,5%). Cinco anos depois, a economia do país entrou em recessão, com queda de 3,5% do PIB.
Segundo Barbosa, o momento de maior crescimento é voltado para o mercado interno e com ativação de políticas de Estado, bancos públicos, atuação de empresas estatais, políticas sociais redistributivas. O especialista lembra que essas medidas são diferentes do que se anunciava ao implementar o real.
“Se dizia que estavam inaugurando um novo modelo para o crescimento econômico. Que havia esgotado o modelo desenvolvimentista, com atuação discricionária do Estado, que é inflacionária”, recorda.
Para o Barbosa, o Plano Real “acabou” no início do segundo mandato de FHC (1999), quando o governo abandonou a âncora cambial e passou a adotar o “tripé macroeconômico” – metas de inflação, metas fiscais para controle das contas públicas e câmbio flutuante – para manter a estabilidade da moeda.
O economista José Ronaldo Souza Júnior, do Ipea, discorda. "A introdução do tripé foi determinante para a longevidade do Plano Real”, diz.
Traumann avalia que “o tripé foi uma forma de recuperar credibilidade. Mas o país não estava mais sob a lógica inicial do Plano Real”. Em sua avaliação, o maior legado do plano “é que a inflação tornou-se inaceitável”.
O real é a segunda moeda mais duradoura desde o tempo da colonização do Brasil e a que mais tempo se manteve em circulação desde a década de 1940, quando se adotou o extinto cruzeiro. Nos quinze anos que antecederam ao plano, a taxa de inflação acumulada soma de mais de 20 trilhões percentuais (20.759.903.275.651%).
Segundo o Banco Central, em 1994 a inflação foi de 916%. Em 1995, ano da implementação do real, a taxa atingiu 22%. Em junho de 1994, antes da moeda, o percentual mensal foi de 46,58%. Em julho seguinte, já com o real em circulação, a inflação foi apenas 6,08%.
*Com Agência Brasil