Os dados do Banco Central (BC) sobre o fluxo cambial mostram que cerca de US$ 21,5 bilhões deixaram o país entre janeiro e outubro. E esses mesmos dados nos mostram que a tendência é de aumento nessa saída nos dois meses que faltam para fechar o ano.
Historicamente, os meses de novembro e dezembro são marcados por saída de dólares, com empresas fechando balanço e remetendo dividendos e investidores fazendo zeragem de posições em renda fixa e ações. Assim, 2019 tem tudo para marcar a maior fuga de capital desde 1982, início da série histórica do BC. Para dar um parâmetro, todos os meses de dezembro desde 2010 têm fluxo negativo. No ano passado, apenas o último mês do ano teve saída de US$ 12,7 bilhões.
Nesta quarta-feira, foi frustrada a expectativa de algum fluxo positivo de capitais em função da baixa participação de companhias estrangeiras no megaleilão da cessão onerosa das áreas do pré-sal. Assim, não chega a surpreender a forte puxada de alta na cotação do dólar, que sobe 2%, uma das maiores altas diárias do ano, para R$ 4,07 (veja nossa cobertura de mercados).
O que os dados do BC e o leilão desta quarta-feira nos contam é que no lado do fluxo não há suporte para acentuados movimentos de queda na cotação da moeda americana. No entanto, o fluxo sozinho não faz preço. Há também a questão das expectativas dos agentes (parte delas frustradas hoje) e essas vão variar de acordo com o humor internacional, novos leilões de infraestrutura e outros vetores.
Antes de seguir adiante, repito aqui o conselho prático, já dado por aqui outras vezes: "Seja qual for o comportamento futuro do câmbio, é prudente você sempre manter uma exposição em dólar na sua carteira. Nós inclusive já escrevemos uma reportagem para ajudar você nessa tarefa."
No fim de outubro, o dólar tinha marcado forte queda semanal de 2,7%, e comentamos que a linha dos R$ 4, que era respeitada desde 16 agosto, poderia cair. De fato, o dólar bateu R$ 3,98 no dia 30, mas logo voltou a tomar fôlego.
Na época, a queda vinha sendo atribuída à aprovação final da reforma da Previdência e às expectativas com o leilão do pré-sal. Do lado externo, segue a expectativa de dólar mais fraco em função da queda de juros e outras ações do Federal Reserve (Fed), banco central americano, mas parece que esse vetor tem sido menos determinante na formação de preço por aqui.
Pior desde 1999
De volta aos dados do fluxo cambial, olhando os dados em 12 meses, as cifras são ainda mais chamativas. O fluxo cambial é negativo em US$ 41,554 bilhões, maior cifra desde que abandonamos o regime de bandas cambiais em 1999.
As saídas estão concentradas na conta financeira, que acumula US$ 62,566 bilhões negativos nos 12 meses até outubro. Na conta comercial temos um modesto ingresso de US$ 21,787 bilhões.
Já escrevemos que o leitor não deveria ficar surpreso com tal movimentação do mercado, mas vale lembrar que desde abril, o próprio BC vem alertando para uma mudança estrutural no mercado de câmbio brasileiro.
Em resumo, a queda das taxas de juros no mercado doméstico estimulou um forte movimento de troca de dívidas externas por dívidas locais.
Assim, companhias, notadamente a Petrobras, compraram dólares, pagaram as dívidas externas, e tomaram dívida por aqui. O próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto, já explicou em esse fenômeno (veja aqui).
Junto disso, temos que o Brasil deixou de ser o paraíso das operações de arbitragem de taxa de juros (carry-trade). Leia-se, pegar dólar no mercado externo a custo quase zero e virar ganhar Selic de 14% ou mais.
Grosso modo, somando as duas coisas, não temos o dólar de curto prazo vindo arbitrar juros e, além disso, temos maior demanda pela moeda para pagamentos externos.
Quem dá a liquidez em dólares então? Primeiro os bancos, com suas posições vendidas, que estão ao redor dos US$ 23,6 bilhões. Mas como há limites regulatórios, é o BC que vem atuando no mercado à vista, como disse que faria, fazendo a troca de derivativos (swaps) por moeda à vista.
O quadro preocupa? Podemos dizer que não. Como disse o próprio Campos Neto, temos um movimento inédito de alta do dólar com queda da inflação, do risco país e dos juros futuros. A desvalorização não está associada a uma crise de balanço de pagamentos e o mercado também não está pedindo mais juros para financiar a dívida brasileira.