O fim de semana prolongado para o mercado financeiro brasileiro foi marcado por notícias relevantes, no Brasil e no exterior, capazes de agitar o pregão doméstico nesta segunda-feira. A começar pela tragédia na cidade de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, que deve pressionar as ações da Vale hoje, distanciando o Ibovespa da marca psicológica dos 100 mil pontos - já que o peso do papel no índice é de quase 11%.
Na última sexta-feira, quando os negócios locais estavam fechados por causa do aniversário de São Paulo, os recebidos de depósito de ações (ADRs) da mineradora negociados em Nova York chegaram a cair 13%. Ao final da sessão, a queda foi um pouco menor, de -8%, em meio à debandada de investidores estrangeiros do papel. Só aí, as ações da Vale têm esse ajuste a fazer.
Só que o movimento em Nova York foi apenas uma reação inicial às primeiras notícias sobre o rompimento de uma barragem de rejeitos da Vale na cidade mineira, que fez lembrar o acidente ocorrido três anos antes, em Mariana, também em Minas Gerais. Naquela época, as ações da Vale, que era sócia da Samarco, caíram quase 8% no Ibovespa, um dia após o ocorrido.
Mar de Lama
Mas as consequências à Vale após este novo desastre ainda estão por vir...O novo evento envolvendo a mesma empresa e o comportamento dos ADRs logo após os relatos iniciais é apenas um prenúncio de dias negativos que virão à mineradora. Afinal, a Vale passa a ser questionada em relação à questão ambiental para exercer suas operações e os padrões de segurança para concessão de licenças podem aumentar após a nova tragédia.
De olho nisso, a agência de classificação de risco, Standard & Poor’s (S&P) colocou a nota de risco de crédito (rating) da Vale em observação, para possível rebaixamento. Segundo a S&P, a decisão reflete os riscos que a empresa enfrentará após a nova tragédia. “Os passivos ambientais e sociais podem ser substanciais, especialmente considerando que tal incidente aconteceu antes”, diz.
A Justiça brasileira já determinou o bloqueio de R$ 11 bilhões da Vale, de modo a cobrir as despesas ambientais e os prejuízos sociais causados pelo rompimento da barragem e transbordamento de outras duas. O Ibama, por sua vez, multou a empresa em R$ 250 milhões e o governo de Minas, em R$ 99 milhões. Mais medidas cautelares podem ser adotadas para amparo às vítimas e redução das consequências.
Entre elas, o Estado solicitou o bloqueio das ações da Vale no valor de R$ 20 bilhões, negociadas nas bolsas de São Paulo (Bovespa), Madri, Nova York e Paris. Mas este pedido só será julgado hoje, durante o expediente do Tribunal de Justiça. Segundo o governador de Minas, Romeu Zema, os envolvidos na tragédia serão punidos “exemplarmente”.
Cerca de 300 pessoas ainda estão desaparecidas, mesmo após um intenso serviço de busca por sobreviventes ao longo de todo o fim de semana. Quase 60 mortes foram confirmadas. Os trabalhos de resgates em uma “mar de lama” que se espalhou pela região atingida, destruindo casas, devem durar semanas. Até então, quase 200 pessoas foram resgatadas com vida.
Aberto por tempo limitado
Nos Estados Unidos, bastou o noticiário de que a paralisação do governo norte-americano estava provocando atrasos na malha aérea do país e interrompendo as atividades do aeroporto de La Guardia, em Nova York, para que o shutdown chegasse ao fim. Após 35 dias, o presidente Donald Trump assinou um acordo para reabrir a administração pública.
Mas essa reabertura é apenas temporária. O governo dos EUA ficará aberto por apenas três semanas, até 15 de fevereiro. Durante esse período, os congressistas irão tentar chegar a uma solução sobre a verba de US$ 5,7 bilhões para a construção de um muro (de aço) na fronteira com o México.
Caso não haja um acordo entre Câmara e Senado sobre a segurança na fronteira e imigração ilegal, o governo pode voltar a ficar paralisado. Se isso acontecer, Trump promete declarar emergência nacional, deslocando recursos de outros projetos já aprovados, sem precisar da aprovação do Congresso.
Nos mercados, a reação à reabertura do governo norte-americano ocorreu na sexta-feira, garantindo ganhos em Wall Street. Nesta manhã, porém, os índices futuros amanheceram no vermelho, após uma sessão mista na Ásia. Os investidores estão ansiosos pelo encontro crucial sobre a questão comercial entre EUA e China, o que inibiu o fôlego nos negócios.
As bolsas de Xangai e de Hong Kong registraram perdas moderadas, enquanto Tóquio caiu 0,6%. Na Oceania, a Bolsa de Sydney permaneceu fechada, devido a um feriado na Austrália. Já no Ocidente, as principais bolsas europeias também caminham para uma abertura negativa.
Nos demais mercados, o petróleo cai, em meio à turbulência política na Venezuela. Nas moedas, o dólar perde terreno para os rivais, com destaque para a libra, que é cotada a US$ 1,32, diante da expectativa de que haverá algum acordo para o Brexit. Também merece atenção o salto do yuan chinês (renminbi) para o maior nível desde julho, após o Banco Central do país (PBoC) injetar US$ 37 bilhões em recursos aos bancos.
Agenda dos EUA em destaque
O calendário de indicadores e eventos econômicos nos Estados Unidos merece atenção. Na quarta-feira, o Federal Reserve reúne-se pela primeira vez neste ano para decidir sobre a taxa de juros norte-americana. A expectativa é de que a autoridade monetária altere a previsão de mais dois apertos em 2019, interrompendo também a redução do seu balanço. O presidente do Fed, Jerome Powell, deve fazer essas revisões na entrevista coletiva.
No mesmo dia, tem início as reuniões entre EUA e China sobre o comércio. A pouco mais de um mês para o fim da trégua tarifária, representantes do alto escalão do governo dos dois países reúnem-se entre quarta e quinta-feira em uma tentativa de encerrar a guerra comercial e elaborar “mudanças estruturais”. Caso não haja nenhum avanço, Trump promete elevar de 10% para 25% a tarifa sobre US$ 200 bilhões em importações chinesas.
No geral, um tom mais suave (“dovish”) por parte do Fed e um progresso nas negociações comerciais serão essenciais para sustentar o sentimento positivo no mercado financeiro, alimentando a busca por risco. Ainda assim, é improvável que haja um impulso significativo dos ativos, diante da ausência de novos gatilhos.
De volta à agenda econômica norte-americana, na sexta-feira, é a vez da divulgação do relatório oficial sobre o emprego nos EUA (payroll). Um dia antes, saem os dados sobre gastos com consumo e renda pessoal. Juntos, esses indicadores podem ajudar a aferir a pressão sobre os preços vinda dos salários. Já a divulgação dos dados preliminares do Produto Interno Bruto (PIB) do país deve ser adiada, por causa do shutdown.
Hoje, a agenda econômica está esvaziada e amanhã tem o índice de confiança do consumidor. Na safra de balanços, saem os resultados trimestrais de empresas de peso, como Facebook, Amazon e Apple. No total, 13 das 30 companhias listadas no índice Dow Jones e 122 que fazem parte do S&P 500 devem publicar seus desempenhos contábeis entre hoje e sexta-feira.
No eixo Europa-Ásia, destaque para os dados de atividade nos setores industrial e de serviços na China, na virada de quarta para quinta-feira. Um dia antes, o Reino Unido decide sobre os próximos passos para um novo acordo sobre a saída da União Europeia e, um dia depois, sai o desempenho da economia (PIB) da zona do euro no trimestre passado.
Política em foco
No Brasil, a temporada de resultados começa hoje, com os números da Cielo, após o fechamento do pregão local. Na quarta-feira, é a vez do Santander, antes da abertura. Entre os indicadores econômicos, destaque para o desempenho da indústria em dezembro, na sexta-feira. Um dia antes, saem os dados do desemprego no país ao final de 2018.
Hoje, é a vez da sondagem do setor da construção civil neste mês (8h), além da pesquisa Focus (8h25) e da balança comercial semanal (15h). Amanhã, sai o índice de confiança do setor industrial e, na quarta-feira, do setor de serviços. No mesmo dia, será conhecido o IGP-M de janeiro e, no dia seguinte, será divulgado o índice de preços ao produtor (IPP).
Já no front político, o presidente Jair Bolsonaro passa hoje pela manhã por cirurgia no Hospital Albert Einstein, para retirar a bolsa de colostomia, usada desde o ataque à faca sofrido por ele durante a campanha presidencial. Bolsonaro deve seguir internado por cerca de 10 dias, com o vice-presidente, Hamilton Mourão, assumindo o Palácio do Planalto.
O procedimento deixará o presidente distante da disputa no Congresso, que volta às atividades na sexta-feira. Neste dia, deputados e senadores elegem os presidentes da Câmara e do Senado. O governo sabe que o pior cenário seria a escolha de nomes que se opõem à agenda de reformas, prejudicando a votação de medidas importantes.