A decisão do presidente Jair Bolsonaro de mudar o comando da Petrobras em meio a ameaças de intervenção na política de preços da estatal abalou o “casamento” com o mercado financeiro. Os próximos dias serão decisivos para saber se haverá ou não divórcio, segundo os profissionais com quem eu conversei.
A relação já vem estremecida desde o ano passado, com a debandada de vários membros da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e as ameaças de rompimento do teto de gastos.
Mas a indicação do general Joaquim Silva e Luna para assumir a presidência da estatal no lugar de Roberto Castello Branco pode ser o prenúncio de uma ruptura definitva.
“Como investidor, me senti traído”, disse um experiente gestor de fundos e um dos primeiros a assumir o apoio a Bolsonaro no mercado, mas que desta vez pediu para não ser identificado.
A desilusão dos investidores se refletiu em parte na queda de quase 7% das ações da Petrobras (PETR4) na sexta-feira na B3. Em parte porque os rumores de troca iminente na estatal só foram confirmados depois do fechamento da bolsa. Em Nova York, onde ainda havia negócios com os recibos de ações (ADRs) da estatal, a queda se aprofundou para quase 10%.
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“Pazuello da Petrobras”
Indicado por Bolsonaro para assumir o comando da Petrobras, o general Silva e Luna é diretor-geral brasileiro de Itaipu Binacional e foi ministro da Defesa.
Ele concedeu entrevista ontem na qual afirmou que o presidente não fez nenhum pedido sobre preços de combustíveis. Mas disse que a Petrobras também precisa atender o interesse do país e do brasileiro, “que precisa se locomover e abastecer seu veículo”.
Na visão do sócio de uma gestora de fundos de ações com quem eu conversei, a declaração sinaliza que Silva e Luna pode se tornar uma espécie “Pazuello da Petrobras”. Trata-se de uma referência ao ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello — considerado submisso às vontades de Bolsonaro.
O presidente ajudou a colocar mais gasolina na fogueira ao afirmar no sábado que novas mudanças vão acontecer nesta semana. Mas voltou a negar que o objetivo com a troca no comando na Petrobras tenha sido interferir na estatal.
História de um casamento
O tal mercado — que podemos classificar aqui como os profissionais que trabalham em bancos, corretoras e fundos de investimento — nunca morreu de amores por Jair Bolsonaro.
Em mais de duas décadas como deputado, ele sempre se posicionou contra temas defendidos pelos investidores, como reformas e privatizações. A aproximação veio apenas na reta final das eleições de 2018.
Pode-se dizer que o casamento ocorreu mais por conveniência, mas parte do mercado se apaixonou de verdade. Criou-se uma grande expectativa de uma guinada liberal na economia com a chegada ao poder de Bolsonaro e Paulo Guedes — o "cupido" da relação.
O longo caminho até a aprovação da reforma da Previdência deu um choque de realidade nos mais entusiasmados, e a pandemia da covid-19 a agenda acabou paralisando de vez a agenda.
Ao longo de 2020, a equipe econômica perdeu vários nomes importantes, como os secretários Mansueto Almeida, Paulo Uebel e Salim Mattar, o que jogou mais um balde de água fria em quem apostava na pauta liberal. Uebel e Mattar, aliás, se manifestaram no Twitter contra a mudança na Petrobras.
Fé em Guedes
É praticamente certo que os mercados vão abrir sob forte pressão na segunda-feira, principalmente as ações da Petrobras. Em momentos assim, é preciso ter sangue frio para não vender os papéis no pior momento, segundo outro gestor de fundos com quem eu conversei.
Ele não espera mudanças radicais na Petrobras no curto prazo. “O que importa é a ingerência na política de preços da empresa. Se não houver isso, o mercado pode voltar a se animar.”
Para o gestor, o que vai definir se a crise no relacionamento entre Bolsonaro e o mercado será ou não superada é a orientação da política econômica. E a resposta para essa dúvida responde pelo nome de Paulo Guedes. “Enquanto o ministro permanecer, essa orientação deve ser mantida.”
Embora seja consenso entre os profissionais com quem eu conversei que a mudança na Petrobras é muito negativa, o governo pode retomar ao menos parte da confiança e salvar o casamento com o mercado se conseguir levar adiante a agenda de reformas e o cenário externo se mantiver favorável.