Depois de passar pela prova da CCJ, a reforma da Previdência começou a dar seu segundo passo rumo a aprovação no Congresso nesta semana.
A instalação da Comissão Especial, que deve debater de fato as mudanças, trouxe à tona dois novos protagonistas para essa novela: o deputado Marcelo Ramos (PP-AM), que será presidente, e o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que será o relator do colegiado.
Para muita gente que vê a política de fora, parece difícil entender a lógica por trás desses cargos. O papel de presidente e relator de uma comissão é na verdade tão crucial para uma nova lei quanto a articulação do presidente da Casa para conseguir os votos de aprovação.
Mas a pergunta que fica é: quem são essas duas figuras políticas que, pelas próximas semanas, carregam nos braços não só as aposentadorias dos brasileiros, mas também o futuro da economia do País?
Fui procurar a história pública desses deputados e a atuação deles dentro do legislativo para mostrar para você o que esperar do futuro da reforma na Comissão Especial.
A primeira informação crucial é o fato de que tanto o presidente como o relator da comissão integram dois dos 13 partidos que manifestaram intenção de alterar o texto da reforma na Comissão Especial.
Juntos, PR, DEM, MDB, PRB, PSD, PTB, PP, PSDB, Pros, Solidariedade, Cidadania, Patriota e Podemos, que somam hoje 293 deputados, apresentaram no mês passado um documento em que se posicionavam logo de cara contra mudanças em dois pontos: no Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC) e da aposentadoria rural.
Um novato não tão novo
O presidente eleito da Comissão Especial é um daqueles deputados da cota de renovação da Câmara em 2018. Mas, apesar de estar em seu primeiro mandato no legislativo federal, Marcelo Ramos já carrega um histórico considerável na política nacional.
Hoje filiado ao Partido da República, Ramos iniciou sua carreira política no PCdoB, lá no início dos anos 2000. Um dos pupilos dos então ministro do Esporte no primeiro mandato do ex-presidente Lula, Orlando Silva, o deputado chegou a ocupar a chefia de gabinete do Departamento de Relações Internacionais do ministério.
Ele também foi vereador da cidade de Manaus e deputado estadual do Amazonas, tendo exercido esse último cargo já filiado ao PSB, partido pelo qual concorreu ao governo do Estado em 2014. Já no PR, Ramos tentou mais uma vez, sem êxito, o cargo de governador nas eleições de 2016.
Projetado nacionalmente desde a sua atuação na pasta dos Esportes, Ramos parece trazer um ônus quando o assunto é reforma da Previdência: ter pouco trânsito entre as pautas econômicas. Sem propor nenhum projeto desde que tomou posse no início do ano, os únicos grandes vínculos dele com a questão econômica brasileira são suas votações a favor da PEC do Orçamento Impositivo, que engessou ainda mais os gastos federais e foi aprovada na Câmara em março deste ano.
Joga a favor dele, no entanto, o fato de que o desafio de presidir a comissão que vai tratar das mudanças nas aposentadorias será mais político do que necessariamente técnico. Ramos terá que lidar muito mais com as burocracias da comissão do que com o mérito do projeto em si, assunto que interessa mais para o relator do caso.
E por falar em relator…
Esse sim é um cargo que merece a sua atenção, investidor. Na prática, enquanto o presidente da Comissão Especial vai cuidar da papelada e dos infinitos requerimentos, o relator será o responsável por acatar ou não as efetivas alterações no texto da reforma. É na caneta dele que estará o poder de confirmar (ou reduzir) o famoso “trilhão de Paulo Guedes”.
E para essa função o governo escolheu um perfil mais técnico. Veterano de segundo mandato na Câmara, Samuel Moreira ficou conhecido pelo vínculo com ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, exercendo a função de braço direito do tucano na gestão estadual. Como chefe da Casa Civil paulista, ele foi o principal articulador político do governo na Assembleia Legislativa.
Essa habilidade, por sinal, é vista como uma carta na manga do governo, já que é na Comissão Especial que a desidratação da reforma promete rolar solta e somente um nome forte é visto pela equipe econômica como capaz de “conter a sangria”.
E o discurso conciliador de Moreira evidencia essa tendência. Em sua fala de estreia na Comissão, logo após ser eleito, ele afirmou que “a reforma demanda uma convergência entre a responsabilidade social e a responsabilidade fiscal”, num claro aceno às demandas do chamado “Centrão” e às preocupações fiscais da equipe de Paulo Guedes.
Dizendo que entende a Previdência como uma prevenção para a terceira idade, o deputado deixou em aberto a possibilidade de fazer algumas alterações ao texto que chamou de “necessárias”.
Entre tantos, o escolhido
Vale lembrar também que Moreira fez parte de uma disputa acirrada para a relatoria da reforma na Comissão - algo que, diga-se de passagem, não aconteceu com o projeto enviado em 2017 pelo governo Michel Temer.
Mesmo antes da tramitação na CCJ, o cargo no colegiado já era sondado para vários parlamentares, entre eles Eduardo Cury (PSDB-SP), que desistiu da empreitada no meio do caminho, e o líder da maioria na Casa, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), preferido de Rodrigo Maia, mas que recusou a missão.
O nome de Moreira vigorou também pela proximidade e amizade que ele sustenta com o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, tucano de carteirinha.
O próprio secretário afirmou, quando questionado sobre o deputado assumir a função de relator, que a escolha visou para estabelecer um perfil e um nome com afinidade com o tema da reforma da Previdência.
“É um extraordinário deputado, que vai fazer um bom trabalho e estamos juntos para dar os instrumentos que achar necessário”, disse Marinho nesta quinta-feira, 25, ao apresentar os dados detalhados da reforma à imprensa.