Além do furo no teto: como a PEC dos precatórios afeta os credores, mas abre uma grande oportunidade de investimento
Com a regra fiscal ameaçada, o motivo inicial para a criação da emenda acabou sendo relegado a segundo plano, mas seus desdobramentos podem beneficiar os investimentos alternativos
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios monopolizou o noticiário político durante meses até o fim do ano passado. Conhecida popularmente como a “PEC do calote” ou ainda “fura teto”, a proposta provocou uma reação amarga do mercado financeiro ao modificar o cálculo do teto de gastos, um dos pilares da saúde fiscal do país.
Com a regra fiscal ameaçada, a debandada de assessores descontentes no Ministério da Economia e a insatisfação geral no centro das discussões, o motivo inicial para a criação da emenda, as mudanças no pagamento dos precatórios, acabou sendo relegado a segundo plano.
Além dos credores desses ativos — que são o reconhecimento judicial de uma dívida entre um ente público e o autor da ação —, o tema interessa também aos investidores.
Isso porque os precatórios fazem parte do rol de aplicações alternativas que, antes da proposta, ofereciam rentabilidades atrativas — na casa dos 20% ao ano ou mais.
Agora, baixada a poeira das discussões políticas e promulgadas as alterações na Constituição, investidores e credores se perguntam: qual é o impacto da PEC nos pagamentos e investimentos em precatórios?
O antes
Para responder a esta pergunta, primeiro é preciso relembrar rapidamente como funcionava o pagamento de precatórios até a chegada da polêmica emenda.
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Segundo explica Tatiana Chiaradia, sócia do escritório Cândido Martins Advogados, os precatórios nascem sempre que as fazendas públicas, seja da esfera federal, estadual ou municipal, perdem uma discussão em juízo e precisam efetuar pagamentos aos autores da ação.
Depois que a ação é transitada em julgado — ou seja, não restam mais recursos para alterar o desfecho —, a ordem de pagamento é emitida. Até 2021, todos os precatórios expedidos antes de 1º de julho de cada ano eram necessariamente incluídos no orçamento do ano seguinte.
Especialmente no caso do governo federal, que estava sempre em dia com suas dívidas judiciais, a fila de pagamentos fluía sem interrupções. No caso de Estados e municípios, que costumam enfrentar problemas de caixa e orçamento, as datas já não eram respeitadas com tanta pontualidade.
O agora
Após a aprovação da PEC, promulgada em duas etapas no Congresso em dezembro do ano passado, a obrigatoriedade de realizar os pagamentos no ano subsequente à emissão dos precatórios segue válida apenas em casos prioritários que discutiremos a seguir.
Para as demais dívidas, passa a valer um teto financeiro que representa, na prática, de acordo com a advogada, uma rolagem de dívida com potencial para criar “uma bola de neve” nas contas públicas dos próximos anos.
O limite foi estabelecido com base no valor despendido com precatórios em 2016, ano de criação do teto de gastos. Pela nova regra, corrigindo os R$ 30,3 bilhões gastos naquele ano pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) acumulado no período, chegamos ao teto.
O valor é estimado em R$ 40,38 bilhões para 2022. E é aí que está a bola de neve mencionada por Chiaradia, pois há um abismo entre o limite para pagamentos e a soma real devida pelo governo. A conta de precatórios devidos pela União chega a R$ 89 bilhões neste ano.
Dentro desse teto, as dívidas judiciais seguirão a seguinte ordem de pagamento prioritário:
- requisições de pequeno valor (RPV), ou seja, precatórios até 60 salários mínimos;
- precatórios alimentícios (salários, indenizações ou benefícios previdenciários) de até três vezes a RPV cujos titulares ou herdeiros tenham 60 anos de idade ou mais, ou sejam portadores de doença grave ou pessoas com deficiência;
- outros precatórios alimentícios com valores até o triplo da RPV;
- outros precatórios alimentícios com valores maiores do o triplo da RPV;
- demais precatórios.
A exceção são os precatórios ligados ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Nesse caso, as dívidas relativas ficarão fora do limite de pagamento anual e seguirão regras específicas de parcelamento.
E o depois?
Para credores que estão no fim da fila de prioridades, a PEC, cujos efeitos de parcelamento de precatórios serão válidos até 2026, dificultou a previsão de quando verão suas dívidas pagas.
Mas, como diz aquela velha máxima, enquanto uns choram, outros vendem lenços. Para os investidores, a perspectiva é que o mercado secundário de negociação dos ativos seja fomentado pelas mudanças.
“Quem tem um precatório e sabe com certeza que receberá o valor cheio no ano seguinte não se interessa em comercializar. Já quem tem na mão um precatório incerto, sem saber quando verá a cor do dinheiro, acaba vendendo o título”, afirma a advogada.
Existem algumas alternativas para mitigar esse efeito. Quem não quiser esperar, pode receber o valor com 40% de desconto no ano seguinte à expedição. Ou então utilizar o precatório como moeda para o pagamento de certas dívidas com União e royalties de petróleo e para a participação em privatizações, outorgas e concessões.
Porém, nesse segundo cenário, as ofertas de compra de fundos de investimentos e investidores mais capitalizados, que podem manter o ativo nas carteiras a longo prazo enquanto aguardam o pagamento, também tiveram seu apelo potencializado para os credores.
Guilherme Ferreira, da Jive Investimentos, indica que, entre as possibilidades para quem busca rentabilidades superiores, os precatórios apresentam uma característica interessante para o portfólio.
“Como é um ativo descorrelacionado, se a bolsa cair ou dólar subir, por exemplo, não acontece nada com o precatório. Ele terá retorno por seu próprio mérito e isso garante mais estabilidade à carteira do investidor”, explica o sócio da gestora de ativos alternativos.
Apesar de criticar a mensagem que a emenda constitucional, que ele considera um calote institucionalizado, envia para o mercado em geral sobre a trajetória fiscal do país, Ferreira acredita que o efeito será positivo para os investimentos alternativos.
“Fico naturalmente desapontado que a escolha do nosso governo tenha sido a de criar um déficit fiscal, mas - considerando os atrasos de pagamentos que a PEC trará - para quem está bem capitalizado e entende desse mercado, essa é uma chance muito boa de comprar ativos interessantes a preços descontados.”
Guilherme Ferreira, Jive Investimentos
Como investir em precatórios
Se você pretende surfar nesse cenário, mas ainda não sabe por onde começar quando se trata de investir nas dívidas da União, não fique preocupado. Nós, que cantamos a bola da oportunidade, também contamos como lucrar com os precatórios.
Do ponto de vista regulatório, há alguns empecilhos que dificultam o acesso das pessoas físicas a esse tipo de ativo, mas também servem para proteger os investidores de varejo dos riscos elevados (dos quais falaremos abaixo).
Os fundos que investem em precatórios, por exemplo, estão restritos a investidores profissionais — ou seja, com mais de R$ 10 milhões em investimentos no mercado financeiro —, de acordo com as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Existem, contudo, outros mecanismos disponíveis para driblar a restrição aos pequenos investidores. Fundos de crédito com um percentual de até 10% alocado em Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC) são permitidos ao varejo.
“Alguns gestores incluem os precatórios como uma espécie de ‘pimentinha’ dentro de um fundo de crédito mais tradicional para tentar gerar um retorno adicional ao cotista”, conta o sócio da Jive.
A própria empresa de Ferreira ampliou neste ano sua gama de produtos ao oferecer seu primeiro fundo aberto cuja carteira inclui precatórios federais. O Jive BossaNova High Yield FIC FIM, porém, está disponível para investidores qualificados, aqueles com mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras.
A união faz o precatório
Mas não desanime: ainda não acabaram as opções para o varejo. Também é possível investir diretamente no ativo por meio de plataformas autorizadas de cessão de crédito, como Hurst Capital, Precatórios Já e Bloxs, entre outras.
Com essa alternativa, há até mesmo a possibilidade de fracionar a dívida em cotas a serem adquiridas por vários investidores em crowdfundings e investimentos participativos.
Nesses casos, a alocação funciona com uma lógica similar à de fundos de investimento imobiliário: os precatórios ficam registrados no CNPJ da plataforma e, após o pagamento, o valor é rateado entre os investidores.
E, apesar da divisão, o investimento não perde a atratividade financeira. A Hurst, por exemplo, ofereceu rentabilidade de até 22% ao ano em captações recentes, enquanto a Blox prometeu ganhos de mais de 14%.
Além disso, para quem não quer intermediadores, há ainda a possibilidade da negociação direta dos precatórios com os credores. Mas, vale destacar que essa alternativa não é recomendada pelos especialistas.
Não se esqueça do risco
Isso porque, além dos riscos inerentes aos investimentos mais arrojados, os precatórios contam ainda com ameaças ligadas aos credores, à situação fiscal do país (a PEC dos Precatórios está aí para comprovar), Estados e municípios e ao próprio sistema judiciário.
Segundo o sócio da Jive, há quatro preocupações principais:
- Risco de crédito ligado à situação orçamentária e exemplificado pela PEC dos precatórios;
- Risco cedente relacionado ao dono do precatório. As dívidas bancárias, trabalhistas e fiscais do credor podem contaminar o ativo;
- Risco de tempo ligado à dinâmica do poder judiciário brasileiro, onde nascem os precatórios;
- Risco jurídico advindo de possíveis elementos do processo, que podem levar a recursos, contestações ou até à nulidade da sentença que originou a ordem de pagamento.
“Se você não é expert, não tem experiência com direito e finanças, procure alguém que tem. Se associe ou invista com um bom gestor, porque as chances de passar algo despercebido em uma análise descuidada são muito grandes”, aconselha ele.
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