Eram 21h30 e chega a mensagem: Viu a votação? Deu ruim...
Respondo: Ruim demais, esmagaram o Paulo Guedes, mas engraçado que o mercado não deu bola para essa votação ao longo do pregão.
Interlocutor: Não viram essa notícia! Eu mesmo só vi depois do pregão. Qual foi o placar final?
Eu: No segundo turno, 453 a seis, no primeiro foi 448 a três.
Interlocutor: Meu Deus, que surra. Estrago de alguns bilhões. Tempos difíceis, vamos ver a reação amanhã (hoje). Quem não sabe brincar, não desce no play...
A conversa acima tem como mote a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que faz o exato oposto do que vinha sendo advogado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, podendo tornar o Orçamento da União ainda mais “engessado”, impositivo, reduzindo o poder da equipe econômica em redefinir alguns gastos.
Depois que Guedes cancelou sua participação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, alegando que seria mais produtivo esperar a designação do relator, ocorreu a reunião de líderes, onde desenterraram essa PEC de 2015, que obriga o governo a executar todos os investimentos do Orçamento e fixa em 1% da receita corrente líquida os dispêndios com as emendas obrigatórias dos deputados.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, negou que a inclusão na pauta de votação fosse uma retaliação ao Palácio do Planalto, depois das rusgas trocadas com o presidente Jair Bolsonaro, sobre o que seria a nova e a velha política e o papel de cada um na articulação da reforma da Previdência.
Segundo Maia, a pauta poderia ser encarada como “o poder legislativo reafirmando suas atribuições”.
No entanto, nada em política acontece por acaso e é sintomático que uma PEC de 2015 saia da gaveta e seja votada em dois turnos, em pouco mais de uma hora, com os congressistas votando até mesmo a chamada quebra de interstício, intervalo regimental de cinco sessões entre a votação em primeiro e segundo turnos.
Na contramão do ministro
Paulo Guedes vinha defendendo uma total desvinculação e desindexação do Orçamento, com consequente aumento no repasse de receita para Estados e municípios. Segundo Guedes, essa revisão do Pacto Federativo devolveria o “protagonismo” à classe política em arbitrar orçamento.
A votação de ontem à noite foi uma demostração de força, mostra quem tem o “protagonismo” e ilustra que o jogo é bruto no Congresso, que sempre foi muito forte como instituição, como “corpo”, mesmo que os partidos ali dentro sejam fracos e impopulares.
Como até o PSL e o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, votaram pela PEC, uma versão aventada é de que o projeto poderia ser parte de um “acordão”, dando mais recursos aos deputados via emendas em troca de apoio posterior.
Outros deputados também comemoraram, e deputado feliz com matéria orçamentária não é bom sinal para o bolso de ninguém. O governo também pode ter fingido que nada aconteceu depois de ver que seria tratorado pelos congressistas.
Uma terceira vertente de interpretação possível é que se essa votação foi um “troco”, um “sacode”, pode ser algo positivo para o governo se preparar para negociar com a Casa do Povo.
O texto ainda tem de passar pelo Senado, onde já conta com a simpatia do presidente Davi Alcolumbre. Aliás, Guedes deve ir à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) às 14 horas falar sobre endividamento dos Estados e planos da área econômica.