Lá no fim de abril, escrevi uma nota dizendo que o Banco Central (BC) enxergava a alta do dólar como um fenômeno estrutural, relacionado à redução de fluxo de capital estrangeiro para o país. Quem trouxe essa explicação foi o diretor de Política Monetária, Bruno Serra Fernandes, e ontem tive a oportunidade de perguntar se ele poderia explicar um pouco melhor essa avaliação.
A explicação passa pela redução no ritmo de crescimento de gasto público, imposta pelo teto de gastos do governo Temer, e conversa, também, com a queda da Selic e com a saída do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do mercado de crédito subsidiado, com a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP).
Sendo bem didático, pois o assunto é áspero, um governo que gasta muito precisa captar mais dinheiro aqui e lá fora para se financiar. Assim, a taxa de câmbio (e de juros) que equilibra essa necessidade acaba sendo estruturalmente mais valorizada.
Com a emenda do teto, o crescimento do gasto público está agora limitado à inflação, exigindo um câmbio real (que considera a inflação) menos valorizado.
Segundo o diretor, isso é algo positivo para o crescimento de longo prazo da economia brasileira.
Junto disso, temos observado um crescimento do mercado de capitais impulsionado por dois vetores. Selic baixa e estável (juro está em 6,5% desde março do ano passado) e a saída do BNDES como fonte de financiamento direcionado com juro muito abaixo da Selic. (Na época dos campeões nacionais e setores eleitos, chegamos a ver empréstimos com juro real negativo, ou seja, o BNDES praticamente pagava o tomador para ele se endividar.)
De acordo com Serra, em função dessas mudanças, o mercado de capitais passou a alocar a poupança nacional de forma mais eficiente que no passado. “O que temos visto é um mercado de capitais com oferta muito grande de recursos por aqui”, explicou.
O diretor lembrou que temos visto emissões de debêntures com prazos de sete a oito anos e teve até uma colocação com 25 anos de prazo. Algo inimaginável pouco tempo atrás.
Ao mesmo tempo, diz Serra, algumas empresas que tinham financiamento no exterior estão vendo a opção de captar no mercado local de forma mais barata. Inclusive já estamos vendo empresas captando dinheiro por aqui para fazer o pré-pagamento de compromissos no mercado internacional.
“Isso é extremamente positivo porque reduz o risco cambial da economia brasileira a longo prazo”, explicou.
Segundo o diretor, todo esse movimento é “muito positivo” e só essa alocação de poupança de forma mais eficiente para o setor privado tende a gerar mais produtividade para a economia brasileira no médio e longo prazos.
“É isso que está acontecendo. Isso, momentaneamente, reduz a liquidez do mercado de câmbio. Durante esse processo, deixamos de captar lá fora e, em alguns casos, temos pré-pago dívida no exterior”, explica.
Ainda de acordo com o diretor, o BC tem bastante capacidade e os instrumentos necessários para lidar com essa transição, provendo liquidez ao mercado quando necessário. Exemplo disso, são os leilões de linha com compromisso de recompra.
Como estamos falando de câmbio é sempre bom fazer um hedge e aqui vai o meu: Falamos aqui de alguns vetores que influem a taxa do dólar, como diferencial de juros interno/externo e fluxo de capitais. Mas a formação de preço também considera, cenário externo, balança comercial, outras moedas emergentes e as expectativas sobre a agenda de reformas, que a depender do resultado, podem promover um influxo de capital no país (facilitando a viagem ao exterior).
Menos Estado, mais mercado
O diretor deu essa explicação durante a coletiva de lançamento da Agenda BC#, que reúne inciativas para melhorar a inclusão, competitividade, transparência e educação financeira.
“Temos sempre a premissa de diminuir o setor público e aumentar o privado”, disse o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ao apresentar a agenda.
Essa avaliação macroeconômica do diretor parece demonstrar os primeiros efeitos práticos de algo que o BC e a nova equipe econômica estão falando tem tempo: "O mercado precisa se libertar da necessidade de financiar o governo e se voltar para o financiamento ao empreendedorismo."
A tese que parece começar a se comprovar é que o Estado grande e perdulário promove o chamado “crowding out” do setor privado não só no crédito, mas em outros segmentos da economia. Com o Estado reduzindo sua necessidade de financiamento e com o BNDES racionalizando sua atuação, passaríamos a ver uma maior oferta de recursos para financiar o setor privado, que faria o chamado "crowding in".