O dólar. Esse foi o tema de maior discussão nos grupos de “Whatsapp” que participo ao longo da quarta-feira. Também pudera, depois de uma longa arrancada, lambendo os R$ 4,20, a moeda teve a maior queda diária desde 2 de janeiro, ao cair 1,76% e fechar a R$ 4,1053. As apostas, agora, são de dólar abaixo da mítica linha dos R$ 4,0 ainda na semana.
No dia 20 de agosto, tinha juntado elementos para dizer que deveríamos nos acostumar com dólar mais caro. Entre eles a troca de dívida externa por interna, o menor diferencial de juros entre Brasil e o resto do mundo, um ambiente global de maior aversão ao risco e economia americana comparativamente melhor que os pares desenvolvidos.
Esses vetores todos seguem atuantes, mas o mercado sempre “exagera” para um lado ou para o outro. Não existe meio termo entre o paraíso e o desespero. E o câmbio é o mercado que melhor e mais rapidamente espelha isso.
Antes de seguir adiante, repito aqui o conselho prático já dado entre outras conversas. Seja qual for o comportamento futuro do câmbio, é prudente você sempre manter uma exposição em dólar na sua carteira. Nós inclusive já escrevemos uma reportagem para ajudar você nessa tarefa.
Veja bem...
O que começou a acontecer na terça-feira à noite e tomou forma na quarta-feira é como se fosse um movimento de “despertar”. Um famoso “espera aí”, “veja bem”. Tudo bem que há vetores que asseguram uma cotação mais elevada, mas isso não pode estar já um pouco exagerado?
O que acontece nesses momentos é que o comprado, que ganha com a alta do dólar, capitula e embolsa lucro. E o vendido, que ganha com a perda (mas já tinha sido estopado), volta a vender e acha as boas razões para dizer que "estava certo, mas no momento errado”. O que é estar errado, mas tem muita gente que precisa se justificar para si mesmo, acionistas e patrões. É natural.
Olhando no lado dos fundamentos, nada mudou entre o dólar sair de R$ 3,80 no fim de julho, para R$ 4,19 no começo da semana. As contas externas seguem sem problemas, temos reservas internacionais monumentais, mesmo com o BC fazendo a troca de swaps por dólar de verdade, a inflação segue baixa e o mercado mantém as apostas de Selic em queda.
O que teria impulsionado a cotação são eventos que têm de estar no preço, como aumento nas tensões comerciais, dúvidas com Brexit, a crise Argentina, entre outros. Mas, como sempre, eles parecem ter sido exacerbados e agora cabe alguma correção.
Com isso, abrimos a temporada de palpites: até que preço cai o dólar? O palpite que mais ouvi foi para algo entre R$ 3,80 a R$ 3,85, muito influenciado pelos comentários de um tesoureiro de banco estrangeiro. Outro número bastante repetido foi o R$ 3,90.
De volta aos fundamentos
Para nos ajudar a medir o que seria esse contumaz exagero do mercado, vou lançar mão de um relatório elaborado pela empresa de pesquisas independentes Alpine Macro, sediada no Canadá.
Os analistas da casa montaram um indicador para avaliar a depreciação cambial de algumas moedas emergentes versus seus fundamentos.
Eles pegaram a queda na cotação em comparação com o pico registrado no ano em um eixo e jogaram no outro eixo um score de vulnerabilidade, que leva em consideração a conta corrente, reservas sobre dívida externa de curto prazo e inflação doméstica. Quanto maior o score, pior a nota nesses quesitos. Veja o gráfico
Resultado: nosso real é a moeda que mais apanhou, com uma desvalorização não consistente com sua posição no ranking de vulnerabilidades. Outra moeda na mesma situação foi o won sul-coreano.
Moedas do Chile e de outros países asiáticos oscilaram em linha com o índice de vulnerabilidades. Destoando na ponta oposta a do real, ficou a moeda da Indonésia, que não sofreu quase nada apesar do ter uma posição ruim em termos de vulnerabilidade. Algo que deve durar pouco.
Para Alpine Macro, que vinha tendo uma posição negativa com relação ao real nos últimos meses, a queda da moeda brasileira foi exagerada e a casa fez uma avaliação mais apurada sobre o Brasil.
Conclusão: a Alpine recomenda a seus clientes que voltem a comprar dívida brasileira denominada em reais. Com relação à bolsa, eles mantêm uma posição “um pouco abaixo da média”, por considerar o preço dos ativos ainda elevado em comparação com os pares emergentes acompanhados.
A casa lembra que recomendou realizar lucro em dívida brasileira no começo de agosto. Desde então, o real caiu mais de 5% e os títulos tiveram aumento nas suas taxas. “Os investidores devem considerar recomprá-los”, diz o relatório.
Vamos às razões da Alpine: o Brasil não tem risco de uma crise no balanço de pagamentos, graças ao elevado nível de reservas. Além disso, a inflação tem sido “incrivelmente baixa e estável”, apesar da volatilidade cambial. Também há elevada ociosidade na economia, o que garante preços controlados mesmo que o crescimento ganhe força.
Outro ponto destacado pela consultoria é a uma rara combinação em terras brasileiras. Juros e moeda caindo. Historicamente, o BC sempre teve de subir a taxa de juros de forma agressiva para proteger a moeda de uma forte desvalorização.
Mas, desta vez, a inflação baixa permite ao BC manter o viés de corte de juro mesmo com o real perdendo força. “Isso afrouxou significativamente as condições monetárias do país e é um bom presságio para o crescimento futuro”, diz a Alpine.
Estudo do Goldman Sachs também captou essa forte desvalorização do real em comparação com o que seria "normal". Para o banco, a moeda brasileira pode se recuperar se o apetite por risco melhorar. A ressalva do banco é que o real e o Brasil como um todo ainda podem sofrer contágio de novas pioras na Argentina.