Me chamem de Ishmael. A frase aparentemente simples que dá início ao clássico "Moby Dick" já foi escolhida como a melhor de todos os tempos da literatura.
Mas quando foi lançado, em 1851, o romance de Herman Melville foi um fracasso de público. A ponto de colocar o escritor no ostracismo pelo resto da vida. Ele só foi redescoberto meio século depois de morto.
Na política, Michel Temer sofre da “síndrome de Moby Dick”. O presidente mais impopular da nossa história - que ataca de poeta nas horas vagas - vai terminar o mandato com apenas 9% de aprovação, segundo a última pesquisa CNI/Ibope.
É fácil não gostar de Temer. Ele chegou ao poder trabalhando abertamente pelo impeachment de Dilma Rousseff, e de cara ganhou a antipatia da esquerda, além de uma parcela grande da população que o via como parte do problema, não da solução.
O círculo de amigos (e ex-amigos), que inclui os notórios Eduardo Cunha e Joesley Batista, também não ajudou em nada na imagem do presidente.
É possível que, tão logo deixe o poder, Temer receba uma visita indesejada. E desta vez não do dono da JBS, mas da Polícia Federal. Se isso acontecer, duvido muito que surja algum movimento “Temer livre”.
Público x Crítica
Eu não tiro as suas razões para não aprovar o governo. Mas a verdade é que Temer vai terminar com o reconhecimento (meio envergonhado) da crítica. Pelo menos da crítica econômica. Aqui, os números são quase todos favoráveis.
Quando Michel Temer assumiu, a taxa básica de juros (Selic) estava em estratosféricos 14,25% ao ano. A inflação beirava os 10% no acumulado de 12 meses e o PIB vinha de um tombo de 3,8% em 2015.
No próximo dia 1º de janeiro, Jair Bolsonaro receberá o país com os juros na mínima histórica de 6,5% ao ano e a inflação em comportados 4%. O problema fiscal foi em parte equacionado com a aprovação do teto dos gastos. Ainda falta a reforma da Previdência, que ele deixou na cara do gol para o capitão completar.
Mas a verdade é que a população em geral não viu a melhora dos indicadores da economia se refletir na qualidade de vida. O grande termômetro do descontentamento com o presidente é a taxa de desemprego.
O percentual da população sem trabalho estava em 11,7% em outubro e deve, na melhor das hipóteses, encerrar o ano em níveis similares aos 11,2% do início da gestão do presidente.
Isso sem falar no próprio PIB, que vai desapontar mais uma vez e, se crescer 1,5% neste ano, será motivo de comemoração.
Então não é por acaso que muita gente poderá, enfim, ter os gritos de “fora, Temer” atendidos a partir do ano que vem.
Mercado aplaude
Ainda que a chamada economia real não tenha sentido os efeitos da melhora nos indicadores, o mercado financeiro é conhecido por se antecipar a esse movimentos. E quem acreditou no atual governo desde o início não tem do que reclamar.
Um investidor que comprou ações no dia 12 de maio de 2018 e as manteve durante todo esse período - incluindo o Joesley Day e toda a turbulência eleitoral - teve um ganho de quase 65%.
Quem investiu no Tesouro Direto também se deu bem. A rentabilidade média dos títulos públicos foi da ordem de 34% durante a gestão Michel Temer. E o investidor mais arrojado que aplicou em papéis de longo prazo ganhou ainda mais.
Tanto o Ibovespa como o IMA, índice de títulos públicos da Anbima, renderam mais que os 27% do CDI acumulado no mesmo período, de acordo com dados da Economatica. Ou seja, o governo Temer premiou quem assumiu mais riscos.
Já quem apostou contra se deu mal. Basta ver o que aconteceu com o dólar, que teve uma valorização de apenas 11% de maio de 2016 até agora - menos da metade do CDI.
Se as conquistas dos últimos anos se refletirão em algum algum tipo de aprovação tardia a Temer, como aconteceu com o autor de Moby Dick, eu não sei dizer. Até porque, se o Brasil continuar na trilha certa, o mais provável é que todos os louros caiam no colo de Bolsonaro.
Seja como for, uma coisa é certa: as chances de Michel Temer ser reconhecido como presidente são bem maiores do que como poeta.