Há cerca de um mês, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou que a autoridade não mudaria o 'plano de voo' a cada novo dado da economia brasileira. Mas, veja só, a realidade obrigou a instituição a recalcular a rota: há pouco, o Copom elevou a Selic em 1,50 ponto percentual, ao patamar de 7,75% ao ano; o colegiado vinha subindo a taxa básica de juros em 1 ponto por reunião.
Esse é o maior nível para a Selic desde setembro de 2017. A decisão foi unânime e marca a sexta alta consecutiva na taxa, que estava em 2% ao ano em janeiro — ainda há uma última reunião do Copom prevista para 2021, no dia 8 de dezembro, e o BC deixou explícito em seu comunicado que mais uma alta de 1,50 ponto vem aí, o que levaria os juros a 9,25%.

Por um lado, é preciso dar crédito a Campos Neto: de fato, o plano de voo não foi alterado por alguma decepção com os indicadores macroeconômicos — muito embora o próprio BC admita que elas existam. O que aconteceu foi que o cenário fiscal do país piorou muito nos últimos dias, dada a perspectiva do rompimento do teto de gastos pelo governo federal.
Com a potencial mudança na metodologia de cálculo do limite de gastos públicos a partir da PEC dos Precatórios — uma espécie de manobra que abala a credibilidade fiscal do país —, grande parte dos agentes do mercado financeiro passou a rever suas projeções para a economia nacional, colocando na conta um risco inflacionário maior e uma possível desaceleração econômica.
Nesse contexto, as curvas de juros futuros passaram por um movimento de forte abertura e o dólar ultrapassou os R$ 5,60 nos últimos dias; e é nesse contexto que o BC se viu obrigado a atuar de maneira mais intensa, de modo a ancorar as expectativas do mercado em relação à inflação para 2022.
Essa aceleração no ritmo de alta da Selic, vale ressaltar, era esperada por boa parte do mercado; nos últimos dias, grandes bancos e casas de análise passaram a apostar numa elevação de 1,50 ponto na reunião desta quarta, refletindo a deterioração nas expectativas fiscais do país — o cumprimento das projeções, assim, deve ser bem recebido pelo mercado na sessão desta quinta (28).
Copom e a pressão na Selic
O comunicado emitido pelo Copom nesta quarta-feira traz algumas mudanças bastante significativas em relação ao texto da última decisão, de 22 de setembro. A começar pelas sinalizações para o futuro: o BC diz que o cenário básico e o balanço de riscos indicam ser apropriado que o ciclo de aperto monetário avance ainda mais no terreno contracionista.
Ou seja: o ciclo de alta na taxa básica de juros tende a terminar num nível mais alto do que se previa anteriormente — tanto é que, para a próxima reunião, em dezembro, a autoridade monetária já prevê mais um aumento de 1,50 ponto na Selic, ao patamar de 9,25% ao ano.
"O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar o cumprimento da meta de inflação e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária", diz o BC, no comunicado.
Balanço de riscos e alerta do BC para Brasília
Em linhas gerais, a piora no balanço de riscos foi generalizada: tanto no cenário externo quanto no doméstico, os desdobramentos foram mais negativos que o esperado pelo BC.
No exterior, o Copom avalia que o cenário tem se tornado "menos favorável", fazendo menção à postura mais firme que vem sendo adotada pelos demais bancos centrais do mundo — um contexto que tende a criar um cenário mais desafiador para os emergentes, dado o consequente fluxo de recursos rumo às economias desenvolvidas.
No Brasil, as preocupações surgem de dois fronts: a inflação ao consumidor ainda elevada e a potencial piora na trajetória fiscal — um item que gerou, inclusive, um alerta explícito do BC ao governo e ao Congresso:
O comitê avalia que recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação, aumentando a assimetria altista no balanço de riscos
Trecho do comunicado da decisão de juros do Copom (27/10)
"O Copom sinalizou o que o mercado esperava"
Para Rafaela Vitoria, economista-chefe do Banco Inter, a elevação da Selic ao patamar de 7,75% ao ano foi acertada; ela destaca que as incertezas fiscais ganharam importância no balanço de riscos, mas ressalta que a persistência da inflação em níveis elevados também contribuiu para a decisão do Copom.
Quanto aos próximos passos da autoridade monetária, ela destaca que tudo depende dos próximos desdobramentos do imbróglio no teto de gastos. Sendo assim, ela traça dois possíveis cenários:
- No positivo, em que as discussões entre governo e Congresso terminem com um Orçamento para 2022 que cumpra o teto de gastos — ou que, ao menos, deixe pouca coisa fora dele —, o Copom poderia parar o ciclo de alta na Selic já na próxima reunião;
- No negativo, em que de fato abre-se espaço extra no Orçamento para alocar gastos extraordinários — e, na prática, rompe-se o teto —, a tendência é a de que o ciclo de elevações nos juros continue nas primeiras reuniões de 2022, o que pode culminar numa Selic acima dos dois dígitos.
Dito isso, Vitoria acredita que os mercados devam ter uma reação mais moderada à decisão desta quarta-feira: ajustes nas curvas de juros mais curtas são esperados, uma vez que uma parte dos agentes apostava em altas mais modestas na Selic, de 1 ponto ou 1,25 ponto.
"É preciso aguardar a ata, com mais detalhes", diz a economista-chefe do Inter — a ata da reunião do Copom será publicada na próxima quarta-feira (3), às 7h. "Mas o Copom sinalizou o que o mercado esperava".