Meu caminho cruzou algumas vezes com o de Luiz Inácio Lula da Silva nestas duas décadas (e pouco) como jornalista. A última aconteceu no dia 24 de setembro de 2010, quando ambos estivemos na sede da BM&FBovespa — a atual B3 — para a cerimônia de lançamento das ações da Petrobras.
Era uma ocasião pra lá de especial. Afinal, a estatal acabara de realizar um dos maiores feitos de sua história: uma capitalização de R$ 120 bilhões, a maior realizada no mercado de capitais global.
Uma parte dessa montanha de dinheiro ajudaria a financiar a campanha de exploração do recém-descoberto petróleo do pré-sal. O governo usou como moeda os futuros barris de petróleo para entrar junto com os investidores na oferta, mas pouca gente deu bola para esse detalhe.
Naquele momento, o Lula que subiu no púlpito reservado normalmente aos empresários e banqueiros que promovem as aberturas de capital na bolsa era uma o próprio retrato do Brasil.
Chamado de “O Cara” pelo colega norte-americano Barack Obama e com uma popularidade recorde, o presidente elegeria no mês seguinte a sucessora e ainda entregaria o governo com a “máquina” aparentemente tinindo. Só para lembrar: 2010 foi o saudoso ano em que o país registrou um PIB “chinês” de 7,5%.
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Um momento especial
Eu me lembro bem deste último “encontro” com Lula porque ocorreu em um momento bem especial para mim. Foi exatamente uma semana depois do nascimento da minha filha mais nova.
A Petrobras “deu à luz” a oferta bilionária de ações no dia em que voltei da licença-paternidade. Então foi com o coração apertado que deixei a Helena em casa em direção à sede da B3 para acompanhar a fala do presidente. Mas não me arrependi.
Aquela foi uma das ocasiões em que Lula provou porque é considerado o “Pelé” dos palanques. Até mesmo quem não gosta do petista reconhece a incrível habilidade que ele tem de adaptar o discurso de acordo com a plateia.
A fala de Lula teve um pouco de tudo: de críticas às privatizações à exaltação de uma oferta de ações como “nunca antes na história” do capitalismo mundial. E que foi realizada justamente no governo dele, que já teve a fama de ser “comedor de capitalista”.
Petrobras: expectativa e realidade
É mais ou menos dessa época a famosa capa da revista The Economist com o Cristo Redentor decolando do Corcovado.
De fato, naquele ano de 2010 em que a Helena nasceu, o Brasil parecia ter descoberto uma fórmula mágica que combinava desenvolvimento econômico com redução da desigualdade social.
Tudo isso combinado com a bênção da descoberta de uma nova fronteira petrolífera que seria o passaporte para as próximas gerações, incluindo a minha filha.
Como sabemos agora, esse infelizmente foi o começo de um sonho que deu muito errado.
Se eu pudesse resumir por que o Brasil de 2023 ficou tão distante daquele que todos esperavam em 2010, diria que foi excesso de ambição — em vários aspectos.
Primeiro, com os planos mirabolantes do governo que envolviam criar uma cadeia nacional do petróleo que ia dos estaleiros às refinarias, passando por produtores de sondas.
Tudo isso sob a liderança da Petrobras, em um projeto que atraiu desde grandes empreiteiras a bancos.
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Faltou dinheiro para tanta demanda
A estatal acabou precisando de muito mais dinheiro do que aquele que obteve na oferta de 2010 para dar conta de todas as demandas relacionadas ao Brasil do pré-sal.
A Petrobras então tomou bilhões de dólares em crédito no mercado, a ponto de se tornar a empresa do setor mais endividada do planeta.
Como se não fosse o bastante, o governo da então presidente Dilma Rousseff ainda decidiu usar a empresa para segurar artificialmente o preço dos combustíveis e a inflação quando a maré começou a virar.
Na bolsa, chegou-se a ter a situação esdrúxula na qual as ações da estatal subiam quando as cotações internacionais do petróleo recuavam, e vice-versa.
E veja que até aqui falamos apenas de erros políticos e estratégicos. Ao final, a tal cadeia do petróleo que o governo petista sonhou em criar virou cadeia no sentido literal a partir da revelação dos casos de corrupção pela Operação Lava-Jato.
A destruição de valor na Petrobras foi tamanha que ficou famoso um relatório de um banco estrangeiro em que os analistas atribuíram preço-alvo de zero para as ações da estatal.
Petrobras de volta às raízes
O trabalho de reerguer a Petrobras teve início ainda na gestão Dilma, depois que a Lava-Jato estourou. Mas tomou forma definitiva quando Pedro Parente assumiu o comando da estatal, já no governo Temer.
Foi um processo longo e penoso, mas com uma receita relativamente simples: fazer o básico. Que no caso da estatal — perfurar e extrair petróleo a uma profundidade de mais de 7 mil metros — não é nada simples, por sinal.
Ao mesmo tempo, a empresa se propôs a vender ativos que não eram ligados ao negócio principal, incluindo poços em terra, gasodutos e algumas refinarias.
Enquanto isso, no dia a dia, fez o que qualquer outra companhia precisa fazer para se manter de pé: vender seus produtos com base no custo das matérias-primas — ou seja, as cotações internacionais do petróleo.
É bom lembrar que a Petrobras nunca esteve totalmente blindada de ataques. No meio do caminho, a autonomia da empresa esbarrou em episódios como a greve dos caminhoneiros e as constantes mudanças no comando.
Foram quatro CEOs diferentes apenas no governo de Jair Bolsonaro. Nenhum deles mudou o curso da companhia, mas tudo indica que não foi por falta de vontade.
Por tudo isso, a virada da situação financeira da Petrobras deveria ser caso de estudo em qualquer escola de finanças. A empresa saiu de uma situação de quase insolvência para se tornar uma das maiores pagadoras de dividendos do planeta.
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O dilema de Lula: pagar dividendos ou investir?
Por falar em dividendos, chegamos à polêmica mais recente envolvendo a Petrobras. A mesma empresa que Lula exaltou em 2010 agora virou alvo de críticas do presidente basicamente por fazer o que toda empresa deveria fazer: dar lucro.
Na cabeça de Lula, a Petrobras deveria usar o dinheiro dos dividendos — ou uma parte dele — para fazer mais investimentos. Ou talvez para segurar o preço dos combustíveis.
Não há como negar as boas intenções, mas Lula parece disposto a cometer o mesmo erro que quase quebrou a estatal.
O dilema de investir ou distribuir os lucros só existe hoje justamente porque a Petrobras abandonou a política adotada no governo petista.
Quem ouve apenas o presidente pode achar que a empresa está sendo depenada para servir apenas aos “rentistas” dos dividendos — ainda que a União seja a maior acionista da empresa.
Ao contrário: a Petrobras anunciou no fim do ano passado que pretende investir 15% a mais ao longo dos próximos cinco anos. Estamos falando da bagatela de US$ 78 bilhões — ou R$ 405 bilhões, no câmbio atual.
E esse valor inclui não só a exploração pré-sal como projetos de transição energética para garantir o futuro da companhia.
A Petrobras de Lula e Helena
É claro que o tempo da política não é o mesmo da economia. Lula tem pressa porque sabe que não é mais “O Cara” de 2010 e chegará ao fim do mandato com 81 anos.
O Brasil que ele encontrou em 2022 também é muito diferente daquele de 2010. Que o diga a Helena. Aos 12 anos, minha filha ainda não soube o que é viver no país promissor daquela manhã em que Lula esteve na sede da bolsa.
A tentação de usar a Petrobras para investir em projetos com retorno duvidoso ou segurar artificialmente os preços dos combustíveis é grande porque traz resultados no curto prazo.
Mas as consequências de um novo erro estratégico com a Petrobras hoje podem ser ainda piores. No futuro, a promessa de um Brasil grande com o pré-sal pode ser lembrada apenas com um discurso de Lula para banqueiro aplaudir.