O que o TikTok, Instagram e Facebook têm a ver com as guerras em Gaza e na Ucrânia
Começo o texto desta semana com uma história que envolve o TikTok, Vladimir Putin e um jovem sub-astro da rede, filho de dois viciados em droga que perderam a guarda dele antes mesmo de seu primeiro aniversário.
O contexto que une esses personagens é a guerra na Ucrânia. O jovem em questão é Denys Kostev, rosto que protagoniza uma propaganda pró-Rússia na qual branda: “a vitória será nossa”.
Mas um detalhe chama a atenção: ele é ucraniano.
Não só ucraniano, mas um micro influenciador que no início do conflito chegou a gravar vídeos virais para o TikTok em que literalmente xinga o presidente da Rússia e enaltece a coragem ucraniana.
O resumo é que ele foi forçado a passar um tempo entre os russos e, quando retornou ao país natal, chegou a dizer que “o exército de Putin não é tão ruim assim” e que tinha nojo da bandeira da Ucrânia.
A história, que você pode conferir completa neste podcast do The Wall Street Journal, é simbólica do assunto que trago para discussão hoje: o papel das redes sociais na construção de narrativas no ano das guerras.
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Eu não vou entrar no mérito da legitimidade em nenhuma das duas guerras em questão, até porque nem sou qualificada para falar sobre o assunto.
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A irmã gêmea de toda guerra e o papel do TikTok e Instagram nelas hoje
Toda guerra cria uma irmã gêmea que vive para outro tipo de conquista: a da mente. Seu campo de batalha é a mídia.
Não seria diferente agora, quando o mundo inteiro assiste ao conflito na faixa de Gaza e na Ucrânia, que possivelmente são as primeiras guerras de grande escala na era das redes sociais.
Desde o início da invasão russa, Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, mostrou que sabia bem jogar o jogo para conquistar a opinião pública nas redes sociais.
Todos os dias ele faz pelo menos três publicações em seu Instagram e não precisa ser nenhum gênio em semiótica para entender a mensagem que as fotos querem passar para o mundo: a de um político herói que luta contra o mal russo.
O ovo pode até ter vindo antes, mas a galinha é bem mais poderosa
Não é fácil justificar uma guerra, é preciso trabalhar para criar um inimigo factível que compense as perdas humanas e capitais que um conflito requer.
É preciso promover crenças, pintar ideias, criar realidades e, principalmente, deturpar o inimigo. “Para conseguir matar, você precisa primeiro colocar uma coisa num lugar que antes não existia, onde antes tinha uma vida”, diz a personagem principal de The Handmaid 's Tale.
Para isso, as nações precisam de propaganda ideológica, tópico sobre o qual tive a honra de estudar por seis meses com o professor da USP, Leandro Leonardo Batista, especialista no assunto.
“O estudo da ideologia é, entre outras coisas, um exame das formas pelas quais as pessoas podem chegar a investir em sua própria infelicidade”, explica Terry Eagleton, intelectual inglês.
Esse tipo de comunicação é uma forma distorcida de espalhar a realidade, combinando acontecimentos reais com mentiras. Ou seja, disfarçar a comunicação ideológica em algo do tipo: “deixe que os fatos falem por si mesmos”.
Os Estados Unidos são um exemplo de como fazer isso com maestria.
Durante a Segunda Guerra Mundial, eles usavam o cinema para produção de filmes com ideias favoráveis ao país dissolvidas em uma comunicação simplista e objetiva, com citação de fatos escolhidos a dedo — a exemplo do filme “Why we fight”.
Claramente eles não foram os únicos: Alemanha, União Soviética e até mesmo o Brasil ficaram conhecidos por iniciativas do tipo.
Meu ponto é: não é nenhuma novidade o que está sendo feito, a questão agora é a escala. E é aí que entram as redes sociais.
Antes era preciso contar com uma cobertura jornalística potencialmente enviesada e um grande investimento em publicidade estatal para conseguir a legitimidade. Hoje, as mídias estão cheias de pseudoespecialistas e verdades mastigadas que disputam o controle da narrativa e tiram o domínio de discurso das nações.
Ou seja, a propaganda ideológica até existia bem antes de Mark Zuckerberg dar escala global ao Facebook, mas ficou muito mais complexa (e poderosa) agora.
Os seus monstros agora têm Instagram e TikTok — sejam eles quem forem
Há alguns meses, autoridades norte-americanas acusaram o TikTok de estar promovendo conteúdos pró-Palestina na plataforma. Segundo eles, o número de vídeos com a hashtag #freepalestine é dramaticamente maior do que aqueles com #standwithisrael.
A acusação é a de que a “rede social estaria sendo usada pela China como uma máquina de propaganda para influenciar os americanos”. Eu já falei sobre como as redes sociais são centrais na batalha silenciosa entre EUA e China neste texto.
A resposta do TikTok foi, em linhas gerais: “não é o algoritmo, grande parte dos jovens simplesmente são pró-Palestina”.
E os dados corroboram, pois tanto no Instagram, quanto no Facebook, as hashtags favoráveis à Palestina também são mais citadas do que o contrário, de acordo com dados do The Washington Post.
Esse episódio ajuda a mostrar como as redes sociais mexem com as dinâmicas de poder quando o assunto é a comunicação ideológica.
Basicamente, qualquer pessoa pode ter escala o suficiente para propagar uma mensagem contra seus inimigos, buscando criar legitimidade para sua própria causa — e nem é mais preciso atear fogo em si mesmo para conseguir a atenção global, como na Primavera Árabe.
Agora todos têm uma máquina de comunicação em massa na mão.
Isso tem seu lado bom, mas pode também ser um território bem delicado — até perigoso…
Há alguns meses, os Houthis têm causado grandes turbulências no Oriente Médio com ataques ao Mar Vermelho que mexem com a cadeia global de petróleo. Você pode entender mais sobre isso aqui e aqui.
Acontece que o grupo terrorista está usando as redes sociais para espalhar sua mensagem para o mundo, no que o New York Times chama de “incrivelmente robusto aparato de propaganda de guerra”.
Eu não diria robusto, são ‘apenas’ redes sociais. Eles produzem vídeos musicais, músicas, poemas e etc. Em resumo, são bem ativos nas redes — especialmente no X e TikTok.
Isso tem se tornado uma ferramenta bem importante. “O que os Houthis capturam nesses vídeos são formas de pressionar Israel e os aliados a pôr fim na guerra”, diz Michael Barbado, apresentador do podcast The Daily, do NY Times.
Eles já fizeram até enquetes perguntando se as pessoas estariam do lado “do genocídio norte-americano” ou dos corajosos que estão lutando contra isso.
É a velha história do mocinho contra o vilão
Não dá para esquecer que o deus das redes sociais é o engajamento, não a informação correta e aprofundada.
Ou seja, é muito mais fácil publicar coisas com grande apelo emocional, que claramente define quem são os bonzinhos e os malvados, do que realmente se propor a qualquer aprofundamento em questões tão complexas como a guerra.
Vídeo de explosões, ataques, frases hiper simplificadas sobre a guerra em Gaza é o que mais vejo hoje nas minhas redes. O que pode ser um problema.
É uma tarefa impossível pegar algo tão cheio de nuances e tão complicado e transformá-lo em algo simples o suficiente para ser digerido rapidamente.
“Em um mundo de mídia social, o impulso é chegar a uma conclusão com base em suas emoções e compartilhá-la com o mundo da maneira mais rápida e feroz possível”, diz o professor Ken Paulson ao Business Insider.
São períodos sombrios…
Enquanto isso, o Seu Dinheiro segue nas redes sociais
Ao que parece, a resposta para esse ‘problema de amplificação’ que as redes sociais trouxeram é acompanhar conteúdos isentos e de qualidade.
Por isso, o Seu Dinheiro está em todas as redes sociais todos os dias, publicando conteúdo que realmente importa para o seu bolso. Tudo feito pela nossa equipe especial de jornalistas.
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