Quem olhou apenas para o fechamento das bolsas americanas na última quarta-feira (15) pode ter tido a impressão de que tudo estava bem no mundo: S&P 500, Dow Jones e Nasdaq com ganhos firmes, animados após a decisão de juros do Fed. Pois, em menos de 24 horas, esse cenário parece ter virado de ponta cabeça.
Afinal, o S&P 500 fechou o pregão de hoje em forte queda de 3,14%; no Nasdaq, o tombo foi ainda mais feio, com baixa de 4,08%. O Dow Jones teve um desempenho menos negativo, recuando 2,42%, mas atingiu uma marca preocupante: ficou abaixo dos 30 mil pontos pela primeira vez desde janeiro de 2021.
E o que mudou entre ontem e hoje? Basicamente, nada — e, basicamente, tudo.
Nada, porque não houve um grande dado econômico sendo divulgado nesta quinta que afetasse drasticamente a confiança dos investidores. Não houve novos desdobramentos na guerra entre Ucrânia e Rússia, e o mercado de commodities não teve oscilações dignas de nota. A quinta-feira foi um dia pouco agitado, em termos de notícia.
Tudo, porque a avaliação otimista da decisão de política monetária do Fed que era dominante nas mesas de operação deu lugar a um pessimismo com os rumos da economia global no curto prazo. É como se a âncora da realidade tivesse caído sobre a cabeça do mercado — juros em alta, inflação galopante e PIB encolhendo não é bom, afinal.
Na Europa e na Ásia, o clima não foi muito diferente: as principais bolsas do velho continente fecharam em queda de mais de 3%, também digerindo o Fed e a postura mais firme dos BCs da Inglaterra e da Suíça; nos mercados asiáticos, o tom negativo também imperou, embora com menos intensidade.
Ressaca pós-Fed
É difícil explicar a esquizofrenia do mercado: por que a reação de hoje foi tão diferente da de ontem, considerando que não houve qualquer mudança concreta de cenário?
Bem, há inúmeras pequenas causas — e convém relembrar como o mercado recebeu os passos do Fed. Num primeiro momento, quando a alta de 0,75 ponto nos juros americanos foi anunciada, houve uma deterioração imediata dos ativos: bolsas em queda e fuga do risco, numa espécie de reflexo automático.
O aumento de 0,75 ponto nos juros era o cenário-base da maior parte dos investidores. Mas, mesmo assim, ver a concretização desse quadro — uma alta dessa magnitude não era vista desde 1994 — trouxe um certo frio à espinha do mercado: tempos duros estão por vir.
Mas, minutos depois, o presidente do BC americano, Jerome Powell, tratou de colocar panos quentes na situação. Em coletiva de imprensa, ele sinalizou que o próximo movimento do Fed será uma alta entre 0,50 e 0,75 ponto. Portanto, a autoridade monetária não vai pisar no acelerador — pelo contrário, ela pode até tirar o pé.
Essa percepção de que o ritmo de altas não vai aumentar e que o ciclo de aperto monetário será, de certa forma, suave, fez o humor melhorar em Wall Street. E, com essa mensagem na cabeça, os mercados voltaram ao campo positivo, fechando o dia numa nota otimista.
Só que, após o fechamento, começaram a vir as análises mais substanciais do dia, e o tom não foi exatamente animador: em primeiro lugar, o Fed também sinalizou que, ao fim de 2022, os juros do país devem estar acima dos 3%, continuando a avançar em 2023. Em segundo lugar, as projeções de crescimento do PIB foram cortadas substancialmente.
Ou seja: falamos de um cenário de desaquecimento econômico prolongado, juros estruturalmente altos para os padrões americanos e dúvidas quanto à trajetória de inflação — muitos analisam que a postura de Powell dá a entender que o Fed ainda considera o aumento dos preços como um fenômeno transitório.
E, bem: juros altos, economia patinando e inflação potencialmente persistente não lá uma notícia muito animadora para as bolsas globais — e, daí, vimos essa reavaliação de quadro nesta quinta-feira, com uma forte realização de lucro nos mercados acionários.
Ativos brasileiros
Dito tudo isso, a bolsa brasileira escapou do turbilhão: a B3 esteve fechada hoje, em função do feriado de Corpus Christi — as operações voltam ao normal amanhã. Ainda assim, é de se imaginar que o mercado acionário doméstico deverá sofrer nesta sexta (17), ao menos na abertura.
E isso porque os ativos brasileiros negociados em Wall Street tiveram um dia terrível, amargando perdas intensas. O EWZ, principal ETF de Brasil em Nova York, fechou o dia em queda de 4,43% — digamos que ele é uma espécie de representante do Ibovespa nos EUA.
Algumas empresas brasileiras também possuem ativos sendo negociados em NY: os recibos de ações (ADRs) caíram forte, em conjunto com o restante do mercado. Veja abaixo como ficaram alguns desses ADRs:
- Petrobras (PBR): -5,33%
- Vale (VALE): -4,55%
- Itaú (ITUB): -4,53%
- Bradesco (BBD): -3,55%
- Gerdau (GGB): -5,19%
- CSN (SID): -5,06%
- Ambev (ABEV): -3,54%
Dito tudo isso, tanto o Ibovespa quanto as ações dessas empresas devem passar por um ajuste ao longo do pregão de amanhã, acomodando-se às oscilações vistas no exterior enquanto a bolsa estava fechada. Essa correção pode ser suavizada — ou, até mesmo, ser anulada —, mas deve causar impacto na B3 nesta sexta.