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Felipe Saturnino
Felipe Saturnino
Graduado em Jornalismo pela USP, passou pelas redações de Bloomberg e Estadão.
Entrevista exclusiva

“Estamos patinando sobre gelo fino”, diz Ana Paula Vescovi, do Santander

Corte de juros de 0,75 ponto percentual na última reunião do Copom seguiu regime de metas de inflação, mas risco fiscal exige “delicadeza” do BC, segundo a economista-chefe do banco e ex-secretária do Tesouro Nacional

Felipe Saturnino
Felipe Saturnino
13 de maio de 2020
6:01 - atualizado às 20:51
Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander Brasil e ex-secretária do Tesouro Nacional
Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander Brasil e ex-secretária do Tesouro Nacional - Imagem: Renato Costa

Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander Brasil, faz parte do grupo dos que se surpreenderam com o corte de 0,75 ponto percentual na taxa básica de juros (Selic) promovido pelo Comitê de Política Monetária (Copom) na semana passada.

A ex-secretária do Tesouro Nacional esperava por uma redução menor, de meio ponto percentual. Mas avalia que o Banco Central se manteve dentro do seu mandato de metas de inflação ao tomar decisão mais ousada e reduzir a Selic para 3% ao ano.

De todo modo, ela crê que a partir de agora um risco fiscal ainda maior — reflexo do incremento do gasto exigido pela pandemia — vai entrar na ponderação do colegiado e exigir "delicadeza" do BC.

Em entrevista ao Seu Dinheiro, a ex-secretária do Tesouro entre 2016 e 2018 disse que “está cada vez mais claro” que, dada a extensão da crise do novo coronavírus, a dívida pública irá “saltar” para perto de 100% do PIB.

“Isso demandará um esforço fiscal pós-pandemia ainda maior do que aquele que já estava em curso desde 2016”, observa Vescovi. Nesta perspectiva, os riscos sobre o cenário fiscal tendem a “aumentar sobremaneira”.

O balanço de riscos do BC, presente no comunicado do Copom, mede os riscos inflacionários, que orientam os movimentos da autoridade monetária.

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Ali são elencados diversos fatores: o nível de ociosidade da economia, por exemplo, pesa do lado desinflacionário. Enquanto isso, a deterioração das contas públicas e a frustração em relação a reformas estimula reações inflacionárias.

Neste contexto, a economista apresenta dúvidas se haverá condições políticas suficientes para permitir a retomada da agenda de reformas, sustentar o teto de gastos e garantir, no mínimo, e aprovar medidas para estabilizar a dívida pública.

“E como o BC irá interpretar esse risco na próxima reunião do Copom?”, questiona.

Cuidado com a curva empinada

Um juro menor em um cenário em que a dívida pública cresce fortemente, segundo Vescovi, gera o chamado “empinamento da curva de juros” — ou seja, a ponta curta dos juros se firma em um patamar mais baixo, enquanto a ponta longa, em um nível mais alto.

Esse fenômeno, por sua vez, tende a intensificar o "encurtamento" da dívida. Como o risco (demonstrado pelo juros cobrados) é crescente conforme avança o vencimento da dívida, o país começa a se endividar em prazos cada vez menores.

Com um juro curto menor e um juro longo maior, é retroalimentada a incerteza sobre a rolagem da dívida — quer dizer, a capacidade de um país “esticar” os prazos da dívida. A reação “empinada” do mercado de juros futuros ocorreu no dia seguinte à decisão do Copom.

“Aí fica prejudicada a própria financiabilidade da dívida, que precisa ficar muito curta”, diz Vescovi.

Segundo a ex-secretária do Tesouro, a atual situação exige “delicadeza ” do BC. O dilema é haver o espaço para cortes de juros e, ao mesmo, tempo riscos ponderáveis. “Estamos patinando sobre gelo fino”, sintetiza.

O Santander projeta atualmente que a Selic terminará 2020 a 3%, segundo relatório de abril. A expectativa para o último Copom era de um corte menor, de 0,5 ponto percentual. Enquanto isso, tinha como cenário-base que a dívida pública terminaria 2020 a 83,9% do PIB. Os números devem ser revisados ainda nesta semana.

Reformas e investimento

Vescovi defende a retomada de uma agenda ampla de reformas por parte do governo e do Congresso para aumentar o nível de investimentos e atratividade do Brasil.

Ela cita que reformas como a tributária — com o intuito de simplificar e não mudar a carga de impostos — e administrativa têm de voltar à pauta dos agentes políticos, embora apenas após o fim da pandemia. Por ora, ela crê que o mais importante a fazer é levar a cabo as medidas anunciadas pelo governo de Jair Bolsonaro.

“Neste momento, fazer mais é dar efetividade ao que já está construído, é dar liquidez a quem precisa”, disse Vescovi.

Perguntada se acreditava que havia possibilidade de uma guinada da política econômica liberal para intervencionista e sobre o Plano Pró-Brasil, a economista me disse que a reflexão correta não passa pela chance e pela probabilidade.

“A questão é colocar dinheiro público que a gente não tem em coisas que não gerem resultados do capital investido — aí, a gente vai estar desperdiçando recursos” – Ana Paula Vescovi, Santander

A ex-secretária do Tesouro também se mostrou contrária à hipótese aventada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de emissão de moeda e compra da dívida interna por parte do Banco Central.

Segundo ela, uma atuação nesse sentido pode distorcer o preço dos ativos (os títulos públicos, no caso) e diminuir a atratividade da dívida aos investidores, dificultando o seu financiamento.

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