As rainhas do curto prazo: a variante delta e o quadro fiscal brasileiro
Como a vida de Maria Stuart pode nos ensinar sobre as diferenças entre os ruídos do momento e a consistência necessária no longo prazo
Muitas vezes, as coisas que esperamos que aconteçam de imediato demoram um pouco mais para acontecer.
Por exemplo, na segunda metade do século XVI, quando Maria Stuart (Mary, Queen of Scots) voltou da França para a Escócia após o falecimento de seu marido, ela pensava bem lá no fundo que seria recebida logo de cara como herdeira da Rainha Isabel I, da Inglaterra, dado que esta não tinha filhos. Ledo engano.
No final, mais de 25 anos depois de chegar em seu país de origem, Maria encontraria seu fim antes mesmo de ver seu desejo anterior ser realizado.
Mas a história estaria longe do final, uma vez que seu filho, Jaime Stuart, acabaria por se tornar o sucessor legítimo mais próximo de Isabel e, ao sucedê-la, Jaime unificaria pela primeira vez o território dos escoceses e dos ingleses.
Note que Maria não estava errada, apenas muito adiantada.
O longo prazo é para aqueles dotados de paciência. Ou seria apenas uma desculpa para os que estavam errados no curto prazo? Não sei ao certo. Fato é que levaria mais de 40 anos depois de Maria da Escócia colocar seus pés em solo britânico uma segunda vez para que sua visão de uma Grã-Bretanha unificada se concretizasse.
Leia Também
Provavelmente, porém, a pessoa que caísse de cabeça bem no exato momento da execução de Maria poderia pensar que a ex-rainha não poderia estar mais equivocada quando anteviu aquilo. Este curto prazo, por sua vez, ao não conseguir ver além de um centímetro a sua frente, incorreria de erro.
Não é culpa dele, claro. No mercado financeiro vivemos diariamente com o demônio de ter que saber sobre o futuro quando este insiste em permanecer opaco. Justamente por isso, quando há falta de evidência no presente, acabamos por presumir a ausência dela no futuro.
Note que não é porque não enxergamos saída que ela não existe.
Ausência de evidência não é evidência de ausência, e assim por diante.
Se trata de uma velha falácia, não é mesmo?
Gostei muito do início da carta mensal da SPX nesse sentido que diz:
"A Teoria das Probabilidades e Processos Estocásticos é o campo da Matemática voltado ao estudo de fenômenos caracterizados pela incerteza. Ela fundamenta a Estatística e a Teoria Moderna de Finanças.
Um processo estocástico é a evolução de uma variável de interesse que pode assumir valores aleatórios ao longo do tempo, sujeito a uma dada distribuição de probabilidades. Como investidores, devemos sempre nos questionar se a variação dos dados e dos preços de ativos decorre da aleatoriedade de sua distribuição probabilística ou de uma mudança em nosso cenário econômico base.
Em grande parte, interpretamos os movimentos recentes como desvios temporais e aleatórios da relação entre preço e fundamento diante de um cenário de recuperação econômica que, posteriormente, justificará um ajuste de política monetária ditado ao longo do tempo pelo cumprimento dos objetivos atribuídos aos bancos centrais."
Sim, Rogério Xavier e sua equipe são sempre cirúrgicos. Na minha opinião, eles configuram, junto da Verde Asset (Luis Stuhlberger) e da JGP (André Jakurski), a nata da gestão de ativos brasileira.
Traduzindo em três tópicos o que Xavier falou:
- i) fenômenos caracterizados pela incerteza estão na essência do mercado financeiro;
- ii) devemos questionar se mudanças de preço são aleatoriedades de curto prazo (a morte de Maria Stuart) ou mudança do cenário base para o longo prazo (Jaime Stuart assumindo o trono);
- iii) os movimentos recentes (que o mercado sempre gosta de interpretar como se fossem para o longo prazo) são desvios temporários e aleatórios frente um cenário de recuperação.
E que movimentos são estes?
Bem, pensei sobre isso em dois momentos neste início de semana.
O primeiro momento: a variante Delta
No primeiro deles, quando refletia sobre a variante delta. Novamente, ela voltou a nos perturbar, como fez há algumas semanas, quando também comentamos sobre a famigerada aqui. O problema agora é que a alta das infecções ao redor do mundo tem feito com que algumas restrições voltem a existir, ainda que bem mais modestas do que antes.
Este movimento, claro, prejudica a perspectiva de reabertura e, consequentemente, de retomada do crescimento, o que, por sua vez, faz com que os agentes precifiquem novamente a economia do crescimento de maneira mais favorável em detrimento dos cíclicos domésticos.
Ruim para as commodities e bom para as companhias de tecnologia.
Contudo, como já exploramos neste espaço, meu entendimento é de que este seja um temor que privilegie uma visão de curtíssimo prazo, ao invés de vislumbrar o médio e longo. O processo de vacinação, com todas as críticas que podemos ter sobre ele, está acontecendo no Brasil e no mundo, com vacinas bastante eficazes.
Haverá volatilidade nos próximos meses em função disso, o mercado já deixou claro. Mas a tendência de regresso à normalidade deverá ser mantida para um horizonte de 6 a 12 meses. Dessa forma, podemos ficar mais tranquilos, apesar dos choques de curto prazo.
Quer saber quais os cinco melhores investimentos isentos de Imposto de Renda? Confira no vídeo:
O segundo momento: o quadro fiscal
Este dialoga em parte com o processo exposto acima.
Imagine que com mais atividade, o governo arrecada mais, ajudando o panorama fiscal, como vimos acontecer ao longo do primeiro semestre. Porém, o contrário também é verdade. Se há um novo fechamento das economias, as expectativas de arrecadação também se deterioram, prejudicando o quadro fiscal brasileiro.
Nosso quadro de saúde financeira já é bem delicado. Desde julho, por sinal, diante da incerteza sobre a reforma tributária, a percepção de risco país tem se estressado bastante, fato que só piorou com os ruídos do Novo Bolsa Família, precatórios e a questão do Refis.
Veja como esta perspectiva provoca um prêmio de risco adicional para se estar alocado em Brasil, como o primeiro gráfico abaixo (esquerda) nos mostra - nosso Credit Default Swap (CDS) de 5 anos, uma tradicional medida de risco país, está negociando com prêmio sobre nossos pares latino-americanos. O segundo gráfico (direita), por sua vez, mostra como tal risco enseja maior grau de volatilidade.
E por que isso acontece? Brevemente, porque ainda não superamos desafios fiscais estruturais importantes, sendo ainda necessário ajustes adicionais. Em outras palavras, ainda não colocamos as nossas dívidas bruta e líquida em trajetória de queda. Enquanto isso não acontecer, teremos trabalho a fazer.
Ainda entendo que o segundo semestre possa nos render bons frutos da trajetória da agenda liberal, mas para isso precisamos dar continuidade em uma boa reforma administrativa e limparmos os equívocos no texto apresentado sobre o Imposto de Renda.
Até lá, naturalmente, haverá de ocorrer fraquejo da bolsa e disparadas do dólar, os quais podem representar uma oportunidade de entrada.
Tudo isso, claro, feito sob o devido dimensionamento das posições, conforme seu perfil de risco, e a devida diversificação de carteira, com as respectivas proteções associadas.
Os motivos para a continuidade do meu otimismo
Bem, simplesmente porque, mesmo com a deterioração da percepção recente, ainda sou mais construtivo do que estava no começo do ano.
Duas coisas me animam:
- i) a boa trajetória em 2021 até aqui nos dá tempo para fazer as reformas necessárias ao ajuste fiscal estrutural (ganhos substanciais de produtividade); e
- ii) ainda que venhamos a conviver com um provável populismo eleitoral em 2022, não explodiremos nossa âncora fiscal como pensávamos antes.
Trocando em miúdos, há alguma sobra fiscal de curto prazo hoje. A dívida/PIB que, segundo os mais pessimistas, bateria 110% no final deste ano em previsões realizadas em dezembro de 2020, vai encerrar o ano por volta de 85%.
Enquanto isso, estamos saindo de um déficit primário de 10% do PIB em 2020 (muitos gastos one-off) para algo como 1,8% neste ano e 1% em 2022.
Para você ter uma ideia, há poucos meses, a projeção do próprio governo para o déficit primário em 2021 era de R$ 287 bilhões. Com a inesperada melhora da arrecadação ao longo dos primeiros meses do ano, a estimativa foi revisada para um déficit de R$ 187 bilhões.
Ou seja, com a revisão de crescimento esperado do PIB de 3,5% para 5,3%, podemos ter uma nova projeção em cerca de R$ 165 bilhões.
Assim sendo, não entendo que esta melhora fiscal esteja incorporada ao preço dos ativos brasileiros, muito defasados em relação ao resto do mundo. Ou seja, tanto o ruído da variante delta como do panorama fiscal, em linha com o que disse o pessoal da SPX, parecem choques aleatórios de curto prazo em um mercado sensível.
Cabe a nós separarmos o curto prazo do longo prazo, de modo a mantermos firmeza em posições estruturais que podem mudar o jogo, assim como foi a subida ao trono de Jaime Stuart.
Por isso, às vésperas da ata do Copom, a ser divulgada hoje, mantenho minha convicção de que há boas oportunidades a serem verificadas no Brasil, na Bolsa e em títulos públicos.
Mas acaba por aí?
Negativo, nosso país é exótico demais para isso. Defendo também algo como 30% do patrimônio no exterior, investido em ativos lá fora a partir de uma moeda forte, que servirá caso nossa posição construtiva no Brasil dê errado.
As cenas dos próximos capítulos serão interessantes, como o processo de normalização dos juros ganhando corpo (devemos fechar o ano em algo como 7% a 7,5% de Selic) e Brasília dando andamento aos temas relevantes do semestre.
A janela de tempo ainda é favorável, antes do ano eleitoral de 2022, quando deveremos aumentar um pouco nossa posição em moeda forte.
Para saber exatamente qual ativo comprar, trabalho diariamente com Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus, selecionando os melhores nomes para os mais variados perfis de investidor.
Em nossa série best-seller aqui na casa, a "Palavra do Estrategista", escrevemos quinzenalmente sobre ideias no Brasil e no mundo para compor os portfólios dos investidores brasileiros.
Venha conferir!
Agenda econômica: Decisões de juros no Brasil e nos EUA são destaque em “Super Semana” de decisões de política monetária
Além das decisões dos juros das principais economias globais, a agenda econômica também aguarda índices de inflação no Reino Unido, Zona do Euro e Japão
Fazenda atualiza estimativas e eleva previsão para inflação em 2024; veja quais são os ‘vilões’ do IPCA
Segundo o boletim macrofiscal, a expectativa da Fazenda é de que a inflação volte a cair no acumulado em doze meses após outubro
O tamanho que importa: Ibovespa acompanha prévia do PIB do Brasil, enquanto mercados internacionais elevam expectativas para corte de juros nos EUA
O IBC-Br será divulgado às 9h e pode surpreender investidores locais; lá fora, o CME Group registrou aumento nas chances de um alívio maior nas taxas de juros norte-americanas
O Ibovespa vai voltar a bater recordes em 2024? Na contramão, gestora com R$ 7 bi em ativos vê escalada da bolsa a 145 mil pontos e dólar a R$ 5,30
Ao Seu Dinheiro, os gestores Matheus Tarzia e Mario Schalch revelaram as perspectivas para a bolsa, juros e dólar — e os principais riscos para a economia brasileira
‘O BC falou muito grosso e, ao meu ver, ajoelhou tem que rezar’: economista diz que Copom não tem escapatória e deve elevar a Selic para 11% ao ano
O aumento de 50 pontos serviria para fazer jus a posicionamentos recentes de dirigentes do Banco Central
Itaú revisa projeção para Selic e agora vê juros a 12% em janeiro de 2025, mas espera dólar (um pouco) mais barato
Relatório do banco aponta ciclo de alta da Selic até atingir certa desaceleração da economia, podendo voltar a cair no final do ano que vem
Disclaimer nas bolsas: Wall Street ganha uma ajudinha da inteligência artificial, enquanto mercado aguarda corte de juros na Europa
Durante o pregão regular de ontem (11), a Nvidia, joia da coroa do setor, chegou a saltar mais de 8% e animou os índices internacionais nesta quinta-feira
Rodolfo Amstalden: A afirmação seguinte é verdadeira, e a anterior é falsa
No início da semana, o Focus – que andava dormente em relação à Selic – trouxe um salto repentino de 10,50% para 11,25% ao final de 2024
Donald Trump vs Kamala Harris: os melhores momentos do primeiro debate entre os candidatos à presidência dos EUA
Donald Trump e Kamala Harris se enfrentaram pela primeira vez na corrida eleitoral pela presidência dos Estados Unidos; os candidatos falaram sobre economia, guerra na Ucrânia e aborto
Brasil só deve crescer 1,7% ao ano na próxima década, mostra estudo de Ray Dalio; país tem andado de lado ou piorado nos últimos anos
Projeção é a menor dentre todos os países emergentes do levantamento, mas ao menos desconsidera commodites; indicadores sociais e econômicos avaliados mostram pouca evolução do Brasil nos últimos 20 anos
Felipe Miranda: Testando o cercadinho
Scott Galloway costuma dizer que uma das dificuldades de se lidar com Elon Musk deriva do fato de que seu efeito líquido sobre a sociedade é claramente positivo
Banco Central já devolveu mais de R$ 1 bilhão em fraudes e falhas do Pix; instituição recebeu mais de 6 milhões de pedidos de reembolso
A maior parte dos pedidos feitos e valores liberados se referem a fraudes: de um total de 6.685.239 solicitações, 2.057.246 foram aceitas e 4.627.993, rejeitadas
Bitcoin (BTC) finge que vai — mas não vai: entenda por que criptomoeda não deve ver disparada de preços tão cedo
Amanhã (11) será divulgado o CPI de agosto nos Estados Unidos e, na semana que vem, acontece a decisão de juros do Federal Reserve
Morar e comer ficou mais barato: veja o que levou a inflação a cair pela primeira vez em mais de um ano. E agora, Campos Neto?
O IPCA de agosto caiu 0,02% no mês de agosto; a mediana das projeções dos especialistas ouvidos pelo Broadcast apontava para uma alta de mesma intensidade
Debates e embates: Ibovespa acompanha IPCA de agosto em dia de debate entre Donald Trump e Kamala Harris
Principal índice da B3 tenta manter os ganhos do dia anterior na esteira dos dados de agosto, que serão conhecidos às 9h desta terça-feira
‘It’s time!’: O tão aguardado dia do debate da eleição americana entre Donald Trump e Kamala Harris finalmente chegou
Antes da saída de Biden, muitos consideravam Kamala Harris uma candidata menos competitiva frente a Trump, mas, desde então, Harris surpreendeu com um desempenho significativamente melhor
Por que investir no exterior é importante mesmo quando os rendimentos em renda fixa no Brasil estão tão atraentes?
Especialistas discutiram como os eventos globais estão moldando as estratégias de investimento e a importância da diversificação internacional
Stuhlberger pessimista com a bolsa. Por que o fundo Verde reduziu exposição a ações brasileiras ao menor nível desde 2016 depois da pernada do Ibovespa em agosto
Para a gestora do lendário fundo, a situação fiscal do Brasil encontra-se na “era da política pública feita fora do Orçamento”
Boletim Focus se rende ao mercado e eleva projeção da Selic para 2024 pela primeira vez em onze semanas
Com isso, a perspectiva de juros passou de 10,5% ao ano para 11,25% ao ano, uma alta de 0,75 ponto percentual (p.p.)
Round 2 da bolsa: Ibovespa acompanha inflação dos EUA em preparação para dados do IPCA
Nos EUA, aumentam as apostas por um corte de juros maior; por aqui, inflação persistente sinaliza aumento das taxa Selic