Terminava de jantar e vem o William Bonner com uma notícia de última hora. “Derrota do governo”, anuncia o âncora do “Jornal Nacional”, sobre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) voltar para o Ministério da Economia. Já sabia do resultado da votação da emenda à medida provisória 870, por isso jantava. Mas ao ouvir ao Bonner expressando tanta certeza, pensei: “Derrota do governo mesmo?”
Faz semanas estou tentando entender essa movimentação específica em torno de um órgão eminentemente técnico, que reúne um pequeno número de servidores analisando milhões de comunicações sobre movimentações financeiras suspeitas e usuais, que por lei são obrigadas a serem informadas.
Tinha a ideia de que o Congresso tentava impor uma derrota não ao governo diretamente, apesar da tradicional lógica da política dizer isso, mas sim ao ministro Sergio Moro, que é figura mais admirada que o próprio Jair Bolsonaro. Moro é o “selo de ética” desse governo.
Sobre a decisão da maioria da Câmara de retirar o COAF do Ministério da Justiça, lamento o ocorrido. Faz parte da democracia perder ou ganhar. Como se ganha ou como se perde também tem relevância. Agradeço aos 210 deputados que apoiaram o MJSP e o plano de fortalecimento do COAF.
— Sergio Moro (@SF_Moro) May 23, 2019
Minha tese de que a briga era com Moro ficou reforçada durante a etapa de debates envolvendo a emenda. Alguns deputados de centro e oposição falaram da personificação do Coaf na figura do ministro.
Outras parlamentares tinham o mesmo tom, mas utilizam um verniz mais técnico, alegando que até nos EUA, tão admirado pelo governo atual, estrutura semelhante, fica sob o comando da Economia e não da Justiça.
Quando abordei o tema no começo do mês, pouco depois de a comissão especial propor a volta do Coaf para a estrutura da Economia, falei que o Congresso tinha mostrado os dentes para Moro, mas que as redes sociais tinham rugido de volta. De fato, o assunto esteve entre os mais comentados daquele dia nas redes sociais.
Repito aqui o disse na ocasião: Aos olhos da política, é sim um desgaste para o governo, que não conseguiu defender um de seus principais ministros. Mas sob o olhar da opinião pública, a culpa é do Congresso.
Tenho essa avaliação reforçada. A impressão é de que parte dessa pressão popular sobre os congressistas é o que explica o placar apertado de 228 a 210. Isso também esteve na fala de alguns deputados, que disseram que não paravam de receber mensagens via “Whatsapp”, “Facebook” e “Twitter” para manter o órgão com Moro, como desenhou a MP 870.
A julgar pela primeira reação das redes, com o assunto Coaf novamente entre os mais comentados após a votação, a culpa não deve ficar com Bolsonaro e sua ainda claudicante articulação política. A culpa vai cair na conta do Congresso, da classe política, dos deputados e do famigerado Centrão.
Essa postura do Congresso, de ataque a um símbolo do combate à corrupção, pode vir a reforçar as manifestações previstas para o dia 26. Movimento que tem gerado rachas entre apoiadores do governo, em função de algumas mensagens favoráveis ao fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Aguardemos, agora, os próximos movimentos, não só da MP 870, que vai ao Senado, mas também do que virá dessas manifestações do dia 26 e qual leitura prevalecerá sobre o movimento. Muitas vezes, mais importante que o fato, são as versões do fato.
O que é visível, agora, é que a pressão das redes vai se concentrar nos senadores, para que mantenham o Coaf com o ex-juiz da Lava Jato. Aqui, novamente, veremos um embate entre o cálculo político, pois há um prazo para que a MP seja votada, caso contrário termos de volta 29 ministérios, e a possível repercussão junto à opinião pública ou parte dela.
No Senado, a forte pressão popular, com um empurrãozinho do governo, já mostrou efeito, pois Renan Calheiros (MDB-AL) entrou no plenário em 2 de fevereiro como se eleito estivesse para comandar a Casa, mas saiu antes mesmo do fim da sessão que elegeu Davi Alcolumbre.
Para o leitor que quiser entender o funcionamento do Coaf, fica aqui o link da matéria que fiz quando a sigla entrou em destaque depois do caso envolvendo Flávio Bolsonaro e o ex-assessor Fabrício Queiroz.