Não existe velha política e nova política, o que existe é a política. Tal constatação ficou evidente, ontem, enquanto os senadores debatiam a medida provisória 870, que fez a reestruturação administrativa do governo Jair Bolsonaro e mexeu no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que quase ninguém sabe o que é, mas que estava com o ministro Sergio Moro.
Quando tratei do assunto, após a votação na Câmara, ponderei que a retirada do Coaf do Ministério da Justiça, era uma derrota auto imposta pelo Congresso, que tinha comprado briga com o ministro mais popular da Esplanada.
Disse, ainda, que um ataque a um símbolo do combate à corrupção poderia gerar reação das redes e das ruas, como visto no dia 26. Mas ponderei, também, que assistiríamos a um embate entre o cálculo político e a possível repercussão junto à opinião pública. O palco seria o Senado.
Se o governo embarcasse na onda de manter o Coaf com Moro correria o risco de ver a MP caducar e, da noite para o dia, teríamos de volta 29 ministérios. Moro, especificamente, além de perder o Coaf também ficaria sem o Ministério da Segurança Pública, que foi aglutinado ao Ministério da Justiça.
No fim, o cálculo político prevaleceu. A MP foi aprovada da forma como veio da Câmara, mesmo que sob protesto de 30 dos 78 senadores presentes, e vai para sanção presidencial.
Moro perde o Coaf, mas mantém a Segurança Pública e o governo não vê desmoronar sua estrutura administrativa. É um caso de “perdeu, mas ganhou”, coisas da política.
Mas além do resultado, o processo aqui também importa. Na semana passada, o próprio Bolsonaro já havia optado pelo pragmatismo político ao dizer que a MP tinha conservado 95% do texto original e que a decisão da Câmara, de tirar o Coaf de Moro e colocar a estrutura de volta dentro do Ministério da Economia, era mais do que um direito, era uma posição legítima do Parlamento.
Pois bem, a MP chegou ao Senado no limite do prazo e acompanhada de uma carta assinada por Bolsonaro, Moro e pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, pedindo a manutenção do texto vindo da Câmara, com o Coaf longe do ministro da Justiça.
Cartas sempre causam furor no ambiente político, já que “verba volant, scripta manent” e, assim, foi aberto o espaço para assistirmos a cenas explicitas de política.
Não faltaram senadores falando das manifestações de domingo para justificar suas duras críticas à postura do presidente Bolsonaro, que inflama as redes contra a tal velha política, mas depois pede para os parlamentares fazerem o exato oposto do que as ruas clamam.
Humildade também foi um termo bastante utilizado para caracterizar a postura de Bolsonaro. Mas termos menos lisonjeiros também apareceram, sugerindo que o presidente atua por conveniência, já que tem o filho entre os agraciados por um relatório de inteligência do Coaf.
Também vimos a oposição e gente aguerrida contra Bolsonaro defendendo o pedido de manter o Coaf sob o Ministério da Economia.
Assistimos a interessantes exercícios de retórica, ponderando que embora Moro tivesse pedido apoio para manter o Coaf sob sua jurisdição, isso foi quando havia tempo para que a MP passasse sem aperto pelas duas casas.
O que toda essa movimentação nos mostra é que uma máxima de Getulio Vargas nunca sai de moda: se ninguém é tão amigo que não possa virar inimigo, também não existem inimigos que não possam ser convertidos em amigos.