“Ele me chamou e disse para passar no RH porque aqui não é possível pedir para ir embora. Como é isso? Eu precisava sair. Fui advertido. Aqui, ele disse, quem quer sair mais cedo é DE-MI-TI-DO e você me diz para ficar calmo? Não vou ficar. Eu quero explodir.”
Prendi a respiração e fiquei calada.
Tentei disfarçar a curiosidade, mas fui traída pelo meu olhar desavisado que buscava um risco na cena: a faca!
A frase dita em voz alta, carregada de intenções e desprovida de paciência, poderia ter sido pronunciada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, nesses dias nervosos, só que não.
Quem bradou foi um homem de gestos contidos, a um possível amigo com quem dividia a mesa do almoço pertinho da minha, no restaurante aqui ao lado.
Mas não pense você que o ministro Paulo Guedes fica para trás. O ministro é um artista da palavra. Faz proeza com sujeito e predicado.
Nesta semana, ele deve demonstrar essa habilidade a espectadores com característica similar – deputados e senadores possivelmente menos afiados.
Nesta terça-feira, Guedes era esperado para falar à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, primeira fase de discussão da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma da Previdência. O ministro informou, no início da manhã, que não vai à reunião. Para o seu lugar, enviará técnicos do ministério da Economia, um balde de água fria para os mercados.
A CCJ é a porta de entrada do Congresso Nacional. Os seus integrantes avaliam a “admissibilidade” de propostas e projetos. Neste momento, o principal tema que está na comissão é a reforma das aposentadorias.
Amanhã, quarta-feira, o ministro falará à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado que estarão reunidos para ouvi-lo sobre dívida de governos estaduais, repasses da Lei Kandir e diretrizes prioritárias do Ministério que comanda.
“As principais lideranças políticas vão superar eventuais problemas de comunicação. É natural com todo mundo. O presidente que está chegando fala ‘não quero dançar de rosto colado’, mas o par que está com ele tem que dizer: ‘tudo bem, mas temos que dançar junto’. Nós vamos ter que conversar sobre isso”, disse o ministro a prefeitos reunidos ontem durante encontro da Frente Nacional de Prefeitos, em Brasília.
A abordagem no mesmo sentido feita pelo presidente Bolsonaro há poucos dias, indicando que seu par era o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), provocou chuva e trovoada. Guedes, porém, se fez entender e acabou demonstrado uma situação ridícula que poderia ter sido evitada pelos presidentes de dois poderes da República.
O ministro da Economia se diz confiante na aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso. E afirmou que na hora de botar o “votinho na reforma”, ele acredita que todos estarão a favor porque a reforma interessa a todos: prefeituras, governos estaduais, à União e aos cidadãos.
Hábil no uso da palavra, Paulo Guedes lembrou que, sem a reforma, a primeira coisa que vai acontecer é a interrupção do pagamento dos salários e o primeiro a ser atingido será o servidor público.
Apoiado, pero no mucho
Apesar do empenho do ministro, decisivo para estancar a queda do Ibovespa e a alta do dólar nesta segunda-feira, líderes de vários partidos que compõem o chamado “centrão” devem realizar um ato na Câmara dos Deputados, nesta terça, para declarar apoio à reforma da Previdência, mas com veto às mudanças na aposentadoria rural e no pagamento de benefícios para idosos mais pobres. Esse benefício é conhecido como BPC.
A manifestação articulada pelos líderes do DEM, MDB, PSD, PP, PR e PRB na Câmara é uma demonstração de apoio ao presidente da Casa, Rodrigo Maia.
As relações entre os presidentes da República e da Câmara que pareciam estar apaziguadas ao longo do dia, ontem no início da noite voltaram a encrespar e, novamente, em função de tuítes de Carlos Bolsonaro, vereador e filho do presidente.
Em seu perfil no Twitter, Carlos Bolsonaro disse que "as pessoas que querem Bolsonaro longe das redes sociais sabem que é isso que o conecta com o povo, já que não tem mídia a seu favor. Foi isso que garantiu sua eleição, inclusive. Em outras palavras, o querem fraco e sem apoio popular pois assim conseguiriam chantageá-lo".
Na sexta-feira, Rodrigo Maia disse que o presidente Bolsonaro precisa ter "mais tempo para a reforma da Previdência" e menos tempo para rede social.
Para bom entendedor....