A fixação de um teto para os juros do cheque especial não é uma 'jabuticaba' brasileira, já que 76 países possuem algum tipo de limite de taxas de juros no crédito aos consumidores, de acordo com estudo do Banco Mundial ao qual o Banco Central recorreu para convencer o Ministério da Economia a dar aval à medida.
Poucos deles, no entanto, estabelecem um teto único para todas as taxas de juros praticadas em seus mercados. Assim como o BC escolheu uma modalidade específica para fixar a taxa máxima, a maior parte dos países que limitam juros optou por estabelecer tetos diferentes para diferentes tipos de crédito, valores emprestados ou prazos de vencimento.
A maioria desses países (32), no entanto, estabelece tetos relativos, enquanto 24 impuseram limites absolutos de taxas de juros. No caso brasileiro, o limite para o cheque especial é absoluto, de 8% ao mês.
O documento detalha ainda que um número significativo de países costuma definir o limite máximo dos juros com base em um coeficiente de multiplicação a partir de suas taxas básicas de juros. No caso brasileiro, porém, o teto de 8% ao mês instituído para o cheque especial - ou 151,82% ao ano - não tem relação direta com o patamar da Selic, atualmente em 5,0% ao ano.
Outra comparação pode ser feita com relação à forma como o teto foi estabelecido. A maior parte dos países incorpora o limite de juros à legislação - em 28 deles existem as chamadas 'leis de usura' e em 24 há leis específicas de taxas de juros.
Apenas nove países contam com tetos estabelecidos apenas por atos normativos de autoridades - como foi o caso do cheque especial, criado por meio de resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN). O estudo mostra ainda que, embora normalmente seja o banco central o responsável pela fixação desse teto de juros, há casos nos quais os limites foram impostos pelo ministro de Finanças ou mesmo pelo de Justiça.
10 vezes mais caro que Portugal
Mesmo com o teto para juro do cheque especial no Brasil, o custo da modalidade para os consumidores no País ainda será cerca de 10 vezes o custo que os portugueses têm na mesma modalidade de crédito. Ou ainda 20 vezes os juros espanhóis para essas operações.
Os dados constam na exposição de motivos do Banco Central usada para convencer o Conselho Monetário Nacional (CMN) a aprovar a medida nesta semana.
Em Portugal, o limite consta em um Decreto-Lei de 2009 e é calculado pela média da Taxa Anual de Encargos Efetiva Global (Taeg), ou seja, não tem um valor absoluto definido de antemão pela autoridade monetária.
A legislação estabelece que qualquer juro que exceda em 25% a Taeg média praticada pelos bancos no trimestre anterior ou em 50% a Taeg média dos contratos de crédito aos consumidores no mesmo período é considerado usurário.
Enquanto o teto brasileiro para o cheque especial será de 8% ao mês - ou 151,82% ao ano - no terceiro trimestre de 2019, a taxa nominal de juros máxima em Portugal era de 16,1% a.a. No quarto trimestre de 2019, ela é de 15,7% a.a.
Já na França, o teto de juros no crédito ao consumidor - em qualquer modalidade, incluindo o cheque especial - é de 133% da Taeg média praticada no trimestre imediatamente anterior. No quarto trimestre de 2019, a taxa máxima para os franceses no cheque especial - "découvert", na língua local - foi de 13,81% a.a., ainda mais baixa que a portuguesa.
No caso da Espanha, desde 2011, uma lei proíbe que os juros do cheque especial ultrapassem em duas vezes e meia o nível da taxa de juros legal, estabelecida anualmente na Lei Geral do Orçamento do Estado, que está hoje em 3% ao ano.
Por isso, em 2019, a taxa máxima para os espanhóis no cheque especial - ou "descubierto tácito", como é chamado por lá - foi de 7,5% a.a. O teto de 150,82% a.a. agora instituído no Brasil é 20 vezes isso.
*Com Estadão Conteúdo.