Tenho uma proposta imperdível: você me empresta R$ 100 hoje e te devolvo R$ 90 dentro de alguns anos. Você topa? Creio que a resposta será um “não” ou o nosso popular “está de brincadeira”. Mas no mundo, hoje, os donos de US$ 15 trilhões têm certeza de que esse é um bom negócio.
Esses US$ 15 trilhões representam o estoque de recursos que está alocado em ativos que estão com juro negativo. Algo bastante contra intuitivo tendo em vista que o normal é emprestar dinheiro para ter mais dinheiro ao longo do tempo. Ou ao menos não ver a inflação corroer seu poder de compra.
Estudiosos da academia e dos mercados também buscam explicações e algumas delas passam pelo envelhecimento da população, menor necessidade de capital para financiar projetos tecnológicos, desequilíbrios causados pela política de juro baixo e compra de ativos pelos Bancos Centrais.
Essa é uma excelente e infindável discussão, mas o ponto que quero colocar aqui é o seguinte: eu aceitaria perder 10% do principal dependendo da moeda que será feito o pagamento. E você?
Juros x câmbio
A ideia para essa conversa veio da leitura de um relatório feito por Russell Clark, da Horseman Global, que avalia que a taxa de retorno (yields) dos títulos governamentais também embutiria uma perspectiva de longo prazo para as taxas de câmbio.
O assunto parece complexo, mas um exemplo vai nos ajudar a entender qual o ponto dessa discussão e como isso também pode vir a ter reflexos sobre a cotação do dólar, real, yuan e demais moedas globais.
O exemplo dado pela casa de gestão é o do título de 10 anos da Suíça, com retorno negativo de 1%. Isso quer dizer que o comprador terá uma perda de 10% do capital ao manter o título em carteira até o vencimento.
Essa taxa pode estar refletindo a expectativa de qual será o juro definido pelo Banco Central da Suíça nesse horizonte de tempo. Mas a Clark acredita que pode ter uma avaliação sobre câmbio também.
Um investidor nos EUA pode achar que o retorno de 1,6% que está sendo pago por um papel de 10 anos do Tesouro não é suficiente para compensar a probabilidade de desvalorização do dólar. Então, ele prefere aportar recursos na Suíça, perder 10% do capital, e tomar parte em uma estimada valorização do franco suíço ante o dólar.
Deixando de lado cupom e taxas compostas, para essa tese de investimento ser verdade, teríamos de ver uma valorização de 26% do franco ante o dólar.
Quando maior a diferença entre os títulos dos EUA com os da Suíça, por exemplo, maior é o retorno esperado de se ficar comprado em franco e vendido em dólar.
De acordo com o relatório, algo semelhante já aconteceu nos mercados de títulos e moedas envolvendo Estados Unidos e Japão. Entre 2004 e 2005 o spread dos títulos se ampliou, prenunciando uma firme valorização do iene entre 2007 e 2011.
Tal relação também seria verdadeira para outros mercados. O exemplo dado é o da China, onde um título de 10 anos tem taxa de 3%. Mantendo o papel suíço como referência, teríamos uma valorização implícita do franco de cerca de 40% para compensar a perda de capital nominal.
“Se esta análise estiver correta, os atuais rendimentos dos títulos sugerem que uma substancial volatilidade cambial está prestes a surgir”, conclui Clark.
Agora, fica a provocação. Um contrato de juro futuro (DI) de 10 anos aqui no Brasil está na casa dos 7,4%. Qual seria a desvalorização implícita do real contra o franco? E se trocarmos o yield suíço pelo americano? E se a conta for feita contra o dólar? Se o dólar de fato se desvalorizar ante o franco, ele também se desvaloriza ante o real? Necessariamente os países com juros mais negativos terão a maior apreciação cambial?
A íntegra do relatório pode ser encontrada aqui.