Felipe Miranda: Dez anos de “O Fim do Brasil”
Dez anos de lançamento de “O Fim do Brasil” e, afinal, a que fim chegou a economia do Brasil? Estamos em queda livre em direção ao pior?
Direto do túnel do tempo: há exatos dez anos, escrevi “O Fim do Brasil”. O texto (ou o vídeo, sei lá) foi um daqueles “Tipping points” de Malcolm Gladwell. A Empiricus já estava crescendo e era rentável à época, mas certamente as coisas aceleraram bastante ali.
Muitos costumam dizer que experimentamos o “crescimento exponencial” e suas benesses a partir daquele momento. A evolução, no entanto, é menos bem comportada do que uma função exponencial sugere. O crescimento se dá em grandes saltos súbitos, aleatórios e imprevisíveis, ele não obedece a uma taxa fixa no expoente.
De repente, dezenas de milhões de pessoas (não é exagero) tinham visto o material. O livro entrou na lista dos mais vendidos da Veja e ganhou a eleição da Folha como favorito dos leitores em 2014.
Mudamos nossas trajetórias pessoais e profissionais. Toda uma indústria de pesquisa de investimentos para pessoa física surgiria a partir daquele evento — nunca nos atribuímos rótulos como “empreendedores seriais”, "inovadores”, “founders" ou coisas do tipo (há limites até para ser ridículo), mas, embora reconheça um enorme peso da sorte na caminhada, admito uma dose de orgulho por termos criado todo um segmento.
Como desdobramento, também forjou-se ali um marketing digital institucionalizado, saindo da guerrilha típica daquelas matérias do Taboola no UOL, do tipo: “Esta morena chocou Itanhaém ao emagrecer 57 kg em duas semanas”. Todos nós devemos muito ao Roberto Altenhofen e é um privilégio ter esse gênio sentado aqui ao lado por tanto tempo.
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E, claro, se você está no ramo de emitir opiniões embasadas e contundentes, numa democracia jovem, prepare-se para acusações variadas.
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Fomos processados pelo governo de turno. Como a informação é exemplo de livro-texto de antifragilidade, ou seja, tentar censurá-la só amplia seu alcance, receber aquela acusação formal na minha casa assinada por “Dilma Vana Rousseff”, numa teoria conspiratória de que havíamos nos juntado a Aécio Neves e ao Google (uau, que organização criminosa sofisticada!), acabou nos ajudando — afinal, alguém precisava ganhar dinheiro com as trapalhadas daquela turma… Hoje, é motivo de orgulho até, mas estaria mentindo se não confessasse o medo que senti à época.
Não foi exatamente divertido explicar para minha mãe que eu não era terrorista eleitoral, nem estimulava a evasão de divisas, tampouco me espelhava na carreira do Aécio…
E aonde estamos dez anos depois?
Na celebração do seu aniversário, quando o Plano Real completa 30 anos de vida, tenho sido perguntado se estamos ressuscitando aquele mesmo documento. Será que iríamos pelo caminho da Argentina (a essa altura, já não sei se seria má ideia, mas aqui me refiro à Argentina pré-Milei)? Abandonaríamos as conquistas recentes? À âncora fiscal frágil somaríamos também a perda da âncora monetária?
Os questionamentos são legítimos. O Brasil insiste em ignorar a ortodoxia. Se era pertinente acusar o governo anterior de negacionismo sanitário, também é razoável supor negação da ciência econômica pela atual gestão.
Insistimos em velhas ideias e em concepções de voluntarismo individual — o problema, aliás, não é que as ideias são velhas, é que elas são ruins. “Panela velha é que faz comida boa” é frase ultrapassada, cringe, não cabe mais diante da ditadura woke.
O arcabouço fiscal tem se mostrado frágil mesmo antes de completar um ano de vida. Mudamos as metas à primeira oportunidade, sugerindo, inclusive, que outras alterações virão, conforme surjam novas intercorrências ou nos aproximemos das eleições de 2026, quando mais uma vez devemos ser lembrados da capacidade de "se fazer o diabo para ganhar as eleições” (ipsis verbis). Não há nenhum compromisso formal com corte de gastos públicos. Todo o ajuste é feito na receita, com seus limites e suas dificuldades.
A atual política fiscal apenas aprofunda um problema estrutural brasileiro. Essa é uma questão de Estado, não de governo apenas. Largamos todo ano com um rombo de R$ 200 bilhões no orçamento. Claro que um governo perdulário só intensifica o déficit.
O lado monetário é diferente. Esse havia sido resolvido desde o tripé macro do Armínio e daquele belo working paper original do Werlang sobre o sistema de metas.
Com aquele breve hiato da era Pombini (não é um typo), conduzimos brilhantemente a política monetária até aqui. Mas a provável liderança de um economista heterodoxo no BC a partir de 2025 alimenta o risco de subserviência da autoridade monetária ao poder Executivo. Essa seria uma espécie de tragédia final.
Além disso, queremos mais uma vez re-editar a indústria naval brasileira, depois de quatro tentativas fracassadas.
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Os paralelos com O Fim do Brasil são um tanto expressivos. Seria ingenuidade não admitir o risco. O momento requer cautela e foco na preservação do capital. Em termos práticos, o nível de incerteza e a chance de uma intensificação da heterodoxia pede posição elevada de caixa (até porque temos essa jaboticaba de premiar os rentistas a partir de um juro muito alto, sem risco, sem volatilidade e, em muitas vezes, sem imposto) e diversificação regional e entre moedas.
Os gastadores merecem um parabéns especial por nos conduzirem a uma Selic terminal mais alta, por mais tempo. Plantam gastos, para colher mais inflação e concentração de renda, enquanto tuitam em prol da defesa dos mais pobres.
Apesar dos riscos e das ameaças, como um ateu jesuíta, não me dou a acreditar em ressurreições. Há também diferenças importantes entre os períodos, o nível de preço dos ativos e a condução da política econômica.
Na era Dilma, havia convicção e ideologização nas decisões macro e microeconômicas. Poucas coisas têm poder tão destrutivo quanto uma equipe coesa, bem intencionada, convicta e mal informada. Você vai caminhando naquela direção do precipício e se joga acreditando na capacidade de decolar.
Lula é mais macunaímico e acolhedor (aqui no sentido de que acolhe as várias demandas e vários espectros da sociedade; veja o filme “Entreatos”, do João Moreira Salles, e perceba como Lula se regozija do apoio da família Setubal em 2002).
Não há coesão, nem um único governo. Isso seria ruim num primeiro momento, porque não se avança na direção desejada. Mas sequer se sabe qual é a direção desejada. E se você não sabe onde quer ir, qualquer caminho serve. Temos o governo Lula do Rui Costa, outro do Padilha, outro do Haddad; e ainda temos Tebet e Alckmin.
Mais do que caminhar na direção do Fim, talvez estejamos condenados a uma espécie de reme-reme, doses homeopáticas de sofrimento num terror sem final, alternadas por pequenas conquistas de Haddad e Tebet para gerar pequenas idiossincrasias positivas.
Ademais, ao menos até agora, por mais que a decisão do Copom possa ter ensejado especulações sobre subserviência futura ao Planalto, por ora são só isso: especulações.
A ata trouxe argumentos técnicos e ortodoxos para justificar o dissenso. Gabriel Galípolo, aquele de que todos têm medo, discursa parecido com Roberto Campos Neto e, numa abordagem de extrema transparência psíquica, torna públicas suas próprias dúvidas.
Ele também é humano e poderia, segundo o próprio, ter votado por um corte de 25 pontos. Também seria muito prematuro assumir ex-ante que Paulo Picchetti e outros economistas com longa trajetória acadêmica e técnica estariam entregando a condução da política monetária ao presidente Lula.
Sobre a troca de comando na Petrobras, ela é inequivocamente ruim. Aliás, muito ruim. Mas também precisamos lembrar da sequência de mudanças de comando da petroleira no governo Bolsonaro.
Ou seja, parece muito mais um problema da cadeira e de ter uma empresa de economia mista tão grande listada em Bolsa do que propriamente de ideologia do presidente da República. Se Thomas Traumann lançasse uma nova edição do seu belo livro sobre o histórico dos ministros da Fazenda no Brasil, teria de rebatizá-lo para “O Segundo Pior Emprego do Mundo”. Nada parece ser pior do que a presidência da Petrobras.
Os tempos também são outros para a empresa. O nível de investimento necessário agora como proporção da geração de caixa é muito menor. Petrobras vomita caixa.
O terceiro pior negócio do mundo é a Petrobras… A alavancagem está muito bem controlada, a governança avançou bastante e os diretores respondem com seu próprio CPF. A cadeira abraça e exige responsabilidade. Ao mesmo tempo, o nível de escrutínio da sociedade civil, dos órgãos de controle e da imprensa hoje é muito maior — na era das redes sociais, você não vai ao banheiro sem ser notado.
Na comparação com 2014, havemos de lembrar ainda que o PIB tem crescido sistematicamente acima das projeções, enquanto vivemos, dez anos atrás, a maior recessão da história republicana brasileira. Temos um saldo comercial muito maior. O Congresso é mais conservador, enquanto o Executivo perdeu poder em termos relativos.
Precisamos ainda notar que os níveis de preço hoje são muito diferentes daqueles. Quando escrevemos que o dólar poderia ir a R$ 4, ele estava a R$ 1,90. Os juros reais de longo prazo chegaram e vir abaixo de 4% ao ano — hoje, o está acima de um 6%.
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Tudo isso diante de uma esperada recuperação cíclica. Depois de sofrer desde julho de 2021 com disparada das taxas de juro em nível global (e também por aqui), os ativos de risco brasileiro deveriam reagir intensamente à flexibilização monetária esperada para os próximos meses no mundo desenvolvido. A sensibilidade aos yields globais vale na ida e na volta — basta ver o movimento de novembro e dezembro do ano passado, quando o Ibovespa subiu mais de 20% em apenas dois meses.
O mercado espera dois cortes do juro básico nos EUA neste ano, com o afrouxamento monetário tendo sequência em 2025. O Brasil deveria ser bastante estimulado por esse ciclo.
Então, chegaríamos a 2026, quando as eleições entram em cena e devem guiar os mercados. A preferência da sociedade hoje parece apontar para uma vitória do candidato mais à direita e fiscalista. Claro que ainda é cedo, mas se trata de um retrato do momento. Então, poderíamos ter um ciclo de oito anos com uma política econômica mais ortodoxa, mais pró-mercado e menos perdulária.
Ray Dalio costuma dizer que o comportamento dos mercados se dá em ciclos. A cada década, mudamos a dinâmica dos ativos.
O que funcionou num intervalo não funciona no seguinte — e vice-versa. O que isso quer dizer para os próximos dez anos do Ibovespa? Depois de 10 anos do Fim do Brasil, quem sabe não temos o começo de um longo ciclo positivo?
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