Os maiores desafios da humanidade — descoberta da América, volta ao mundo e a ida à Lua, entre tantos outros — têm algo em comum: coragem. É preciso uma boa dose dela para alcançar um objetivo e quando se trata de economia, não é diferente. Após os dados do mercado de trabalho (payroll) desta sexta-feira (07), será que o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, vai fazer o que é preciso para cumprir sua missão?
O banco central dos EUA tem o chamado mandato duplo, definido pelo Congresso: pleno emprego e estabilidade de preços. No caso da inflação, a taxa foi fixada em 2% no longo prazo. Para o mercado de trabalho, não há uma meta definida, mas a ideia é desemprego baixo e criação ativa de vagas.
Até agora, o mercado de trabalho norte-americano era uma preocupação secundária para Powell: taxa de desemprego abaixo de 4% e uma imensidão de vagas abertas que não são preenchidas por falta de mão de obra — um gatilho para o aumento de salários, que pode reverberar na inflação.
Por isso, o Fed se concentrou em fazer a inflação convergir para os 2%. Para isso, o banco central usou uma abordagem agressiva de aperto monetário: em um ano, a taxa de juros saiu de zero para a faixa atual de 4,75% a 5,00%.
E os preços responderam com desaceleração. A passos lentos, o PCE, sigla para índice de preços para gastos pessoais — a medida favorita do BC dos EUA para a inflação — está esfriando como mostra o gráfico abaixo:

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Missão cumprida, Fed?
Emprego em alta, inflação desacelerando. A missão do Fed está sendo cumprida, certo? Infelizmente, a política monetária não é cartesiana — ainda mais quando se tem uma crise de crédito e uma recessão batendo à porta.
Em março, a economia dos EUA criou 236 mil vagas — abaixo da estimativa da Dow Jones de abertura de 238 mil postos de trabalho e menos do que os 326 mil revisados para cima em fevereiro.
A taxa de desemprego baixou para 3,5%, contra as expectativas de que se manteria em 3,6%, com a queda ocorrendo à medida que a participação da força de trabalho atingiu o nível mais alto desde antes da pandemia de covid-19.
Em relatórios separados desta semana, as empresas relataram que as demissões aumentaram em março, quase 400% em relação ao ano anterior, enquanto os pedidos de seguro-desemprego subiram e a abertura de vagas no setor privado também perdeu ímpeto.
Tudo isso se seguiu a uma campanha do Fed para afrouxar o que era um mercado de trabalho historicamente muito aquecido. O BC dos EUA elevou a taxa de juros em 4,75 pontos percentuais em um ano — o ciclo de aperto mais rápido desde o início dos anos 1980 e um esforço para reduzir a inflação em espiral.
Só que esses dados de emprego se referem a um mês no qual as falências do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank abalaram o mundo financeiro. Economistas esperam que os problemas bancários tenham repercussões nos próximos meses.
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Powell vai ter coragem para fazer o que precisa?
A luta do Fed contra a inflação está longe de terminar, e os especialistas alertam para os desafios que Powell ainda tem pela frente.
“Os dados de emprego de março são uma retrospectiva do mundo pré-SVB; a pesquisa para o payroll foi realizada uma semana após a falência do banco, muito cedo para que os empregadores respondessem. Mas o golpe das condições de crédito mais apertadas está chegando”, disse Ian Shepherdson, economista-chefe da Pantheon Macroeconomics.
Vários dirigentes do Fed disseram nesta semana que continuam comprometidos em combater a inflação e veem os juros em patamares elevados pelo menos no curto prazo.
As apostas do mercado mudaram após o relatório de emprego de hoje. Até ontem, os traders acreditavam na manutenção da taxa de juros. Agora, eles esperam que o Fed implemente um aumento de 0,25 pp na taxa básica na reunião de maio.

*Dados compilados a partir das apostas dos traders
“Com a criação de 236 mil vagas em março, a taxa de desemprego caindo para 3,5% e o núcleo da inflação perto de 0,4% em base mensal, as chances de o Fed aumentar os juros em 0,25 pp em maio subiram”, disse James Knightley, economista-chefe internacional do ING.
Ele lembra, no entanto, que “os desafios estão aumentando com custos de empréstimos mais altos e fluxo de crédito reduzido, elevando as chances de um pouso forçado da economia”.
Thomas Feltmate, diretor e economista sênior da TD Economics, chama atenção para o nível de vagas que ainda estão abertas nos EUA.
“O recente abrandamento das pressões salariais é resultado tanto da melhoria da oferta de mão de obra como de alguma retração na oferta de empregos. Mas a perspectiva importa. As vagas de emprego permanecem cerca de 3 milhões acima dos níveis pré-pandêmicos e, com a expectativa de expansão da força de trabalho em apenas um quinto até o final deste ano, é improvável que os salários esfriem muito até que haja uma redução mais significativa na demanda por mão de obra”, disse.
Sobre a questão do crédito e das falências bancárias, Feltmate afirma que “desde que as preocupações com a estabilidade financeira não ressurjam, o relatório de emprego de hoje inclina a balança a favor de outro aumento de 0,25 pp na taxa de juros quando o Fed se reunir no início de maio”.