Jorge Paulo Lemann “transou” como poucos e fez da Ambev uma gigante. Mas e agora, com o caso Americanas?
Lemann é uma espécie rara de empresário, que não se deixa abater pelos reveses. Pelo menos é o que aconteceu até agora em sua vida
Para quem não leu a primeira parte desta crônica, publicada no mês passado pelo Seu Dinheiro, lembro que antigamente o verbo “transar” — muito usado por Jorge Paulo Lemann no passado — tinha outro significado: fazer transações. Como trading, em inglês.
Antes do banco Garantia tornar-se inadimplente, no final dos anos 1980, Lemann, juntamente com seus sócios Beto Sicupira e Marcel Telles, havia feito uma incursão no mundo do comércio, incursão essa extremamente bem-sucedida.
Eles adquiriram o controle das Lojas Americanas, uma cadeia de estabelecimentos comerciais de venda de miscelâneas e quinquilharias, fundada em 1929 por três americanos e um austríaco e que, durante anos, ficou conhecida como Loja dos Dois Mil Reis, título que eles inclusive passaram a usar como símbolo.
Eu mesmo, Ivan, quando era menino, no final dos anos 1940, ia de bonde com minha mãe, de Botafogo, onde morávamos, para o Centro da Cidade. Desembarcávamos no terminal do Tabuleiro da Baiana e, antes de fazer qualquer compra, íamos até as Americanas (ou loja dos dois mil reis, como queiram), onde eu sempre tomava um sorvete de casquinha.
A loja era grande, retangular, estreita mas muito comprida. Tinha duas entradas (ou saídas, o que vem a dar na mesma). Uma ficava na rua Uruguaiana e outra na Gonçalves Dias, próxima ao mercado das flores e a mítica confeitaria Colombo, esta fundada no século 19 e que existe até hoje.
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Lemann e a grande aposta nas Americanas
Retomando o fio da meada da narrativa, aproveitando-se da inflação galopante, que ameaçava se transformar em hiperinflação, o que não demoraria a acontecer, Lemann e seus sócios passaram a comprar produtos em grande quantidade e vendê-los por preços abaixo do custo na Americanas.
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A estratégia era tão genial quanto simples. Digamos que eles adquiriam 50 mil ovos da Páscoa (a Americanas tinha várias filiais) por 10.000 cruzeiros cada um, para pagar em 90 dias, e os vendiam à vista por Cr$ 8.500,00, demolindo a concorrência.
Aplicados no open market, os oito mil e quinhentos se transformavam em onze mil (esses cálculos são aproximados, e feitos apenas para demonstrar a essência do negócio).
Recapitulando um trecho da primeira parte desta crônica, escrevi:
“Tudo indicava que a carreira de Lemann se encerrara nesse ponto (a venda do Garantia para o Credit Suisse). O que era impossível de se prever naquela ocasião era que uma segunda fase iria se iniciar: a do grande tycoon internacional.”
Um brinde a Lemann (com cerveja)
Só que antes desse passo gigantesco overseas, o trio Lemann/Sicupira/Telles comprou a Companhia Cervejaria Brahma e, pouco tempo depois, conseguiu fundi-la com a Companhia Antarctica Paulista, transformando-as na Ambev, uma gigante no universo cervejeiro.
Até então, as duas empresas travavam uma concorrência tão feroz que juntá-las seria o mesmo que unir a Boeing com a Airbus, a Apple com a Microsoft, a United com a American Airlines ou a Pepsi com a Coca-Cola.
Num exemplo mais exagerado, seria como juntar Grêmio e Internacional num só clube, ou Cruzeiro e Atlético, ou Palmeiras e Corinthians.
Se um bar ou restaurante, por exemplo, trabalhava com a cerveja e o guaraná Brahma, não podia adquirir nenhum produto da Antarctica. O mesmo ocorria se fosse o contrário.
Havia até adeptos incondicionais. Gente que só bebia uma ou outra.
VEJA TAMBÉM: Quem mais sofreu na temporada de balanços com o caso Americanas?
Produtos que viram sinônimo da marca
Em alguns lugares, como Belo Horizonte, onde morei durante nove anos, era mais do que comum uma pessoa perguntar a outra:
“Vamos tomar umas Brahmas?”, nome próprio usado como substantivo.
A choperia Pinguim, de Ribeirão Preto, da qual se dizia servir o melhor chope do Brasil, sempre trabalhava com a Antarctica.
Voltando a marcas tão fortes que dão nome ao produto, há também casos como o da Gillette, referida para qualquer lâmina de barbear.
Havaianas é outro exemplo.
“O churrasco é super informal, querido, à beira da piscina. Dá pra ir até de Havaianas”, diz a garota para o namorado. Pois Havaianas se tornara substantivo comum de sandálias de dedo.
O mesmo vale para jipes (ou jeeps), que só deveriam ser aqueles fabricados pela Jeep Overland.
É mais do que corriqueiro alguém dizer a seguinte impropriedade: “Vou comprar um jipe Land Rover..”
Brahma, Antartica e Lemann: antes rivais, agora aliados
Pois bem, quando a Brahma, de Jorge Paulo Lemann e seus sócios, comprou a Antarctica, simplesmente acabou com a competição entre as duas marcas.
Quase ninguém mais diz: “vou tomar uma Brahma”.
Muito menos: “Garçom, traz uma Ambev.”
Fusões e aquisições, ou M&As (Mergers and Acquisitions), como é mais comum se dizer, inclusive no Brasil, são uma atividade antiga mas que cresceu muito nas últimas décadas.
Há três tipos de M&As:
1. O tradicional
Ocorre quando duas empresas do mesmo ramo se fundem, com ganho para ambas.
Elas passam a ter apenas um setor de contabilidade, assim como de Recursos Humanos, de estudos tributários, além de outros.
Se são empresas aéreas, por exemplo, reduzem o número de atendentes de balcão nos aeroportos e de funcionários de pista.
2. O predatório
Quando um investidor, geralmente lastreado em dinheiro captado a juros altos, adquire uma empresa em decadência e a fatia para vendê-la aos pedaços: imóveis, maquinário, estoque, veículos, patentes, etc.
Quem assistiu o filme Wall Street, com Michael Douglas no papel do predador Gordon Gekko, conhece bem esse tipo de comprador selvagem.
O mesmo acontece com o açucarado Pretty Woman (Uma linda mulher, no título em português), no qual Edward Lewis, interpretado por Richard Gere, convencido por uma garota de programa, Vivian Ward (Julia Roberts), com quem vive um romance, deixa de arruinar uma empresa.
3. Hostile bid, ou hostile takeover (aquisição hostil)
Finalmente, e ainda classificando os M&As por categoria, há o caso em que uma empresa adquire outra sem o consentimento desta — ou seja, comprando ações da “presa” no mercado.
O império Lemann vai sendo construído
Com a compra das Lojas Americanas e a criação da Ambev tendo dado certo, Jorge Paulo Lemann e seus partners direcionaram seus objetivos para o mercado internacional.
Em poucos anos, a trinca brasileira adquiriu fama nos Estados Unidos e na Europa, a ponto dos jornais noticiarem:
“The Brazilians are coming!”, e todo mundo nos meios financeiros sabia o que significava isso.
O próprio Warren Buffet, nada menos que o Oráculo de Omaha, através de sua firma Berkshire Hathaway, participou de alguns desses empreendimentos.
A primeira fusão internacional digna de nota foi com a Interbrew, fabricante belga de cervejas. Seguiu-se a aquisição da Anheuser-Busch, dona da mais do que prestigiosa marca Budweiser, a qual se sucedeu a compra da sul-africana SABMiller.
Agora a 3G Capital, nome que Lemann, Telles e Sicupira haviam dado à sua associação, era, por larga margem, a maior fabricante de cervejas do mundo.
Eis que a trinca estendeu seus tentáculos para as redes de fast food Burger King, que dispensa apresentações, além da Tim Hortons e da Popeyes.
Seguiu-se a compra, em fevereiro de 2013, em parceria com a Berkshire Hathaway, da fabricante de ketchup Heinz.
Lemann e as dores do crescimento
Aí houve um erro de estratégia. Sendo dona da Burger King, a 3G não calculou que a cadeia McDonald’s, só para ficar no exemplo maior, não iria comprar ketchup de um concorrente.
Em cada uma dessas fusões e aquisições, o método era sempre o mesmo: cortar despesas, inclusive demitindo pessoal, para aumentar os lucros.
As fusões e aquisições continuaram. Só que o mundo mudou.
No final de 2019, surgiu, na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, um coronavírus que iria alterar todos os fundamentos dos mercados, sem que se pudesse estabelecer com clareza as relações entre causa e efeito.
O certo é que a 3G Capital começou a encontrar dificuldades em algumas de suas empresas, tendo inclusive revertido aquisições malsucedidas.
O rombo de R$ 20 bilhões
O que ninguém esperava é que, em determinado dia, a Americanas declarasse que havia encontrado algumas “inconsistências contábeis” em seu balanço, cujo valor excedia R$ 20 bilhões.
Na quinta-feira, 12 de janeiro deste ano, suas ações (AMER3) caíram 77% no pregão da B3.
De cara, temos um sinal inequívoco de que não houve informação privilegiada; caso contrário, como sempre acontece nesses casos de insiders, a ação já estaria caindo nos pregões anteriores e não despencando de uma vez só.
Alguns bancos, como o Itaú e o Bradesco, consideraram seus créditos com a Americanas como perda irrecuperável. Tanto é assim que provisionaram 100% do valor de suas perdas no último balanço.
Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles estão tentando compor um acerto com os bancos credores.
Por enquanto, a diferença entre o que os três sócios querem cobrir do prejuízo e o reembolso pretendido pelos bancos ainda é grande.
Mas, em minha opinião, é possível que cheguem a algum tipo de acordo, que seja tolerável pelas duas partes em disputa.
- O podcast Touros e Ursos discutiu o impacto do caso Americanas nos balanços dos grandes bancos privados. É só clicar aqui para escutar o episódio na íntegra.
O legado de Lemann
Quanto a Jorge Paulo Lemann, é improvável que, aos 83 anos de idade, ele queira se aventurar por outros empreendimentos.
Acontece que estou raciocinando assim, porque seria o meu caso.
Lemann é uma espécie rara de empresário, que não se deixa abater pelos reveses. Pelo menos é o que aconteceu até agora em sua vida.
Outro dia vi uma foto dele, sorridente, com uma mocinha (suponho que seja sua neta) após uma partida de tênis na Flórida.
Talvez ainda seja cedo para concluir a biografia do menino do Leblon. Não me surpreenderia se algum fato novo ainda pudesse acontecer. Alguma transa diferente e inesperada, sei lá.
A conferir.
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