Mercado não acredita em um Lula radical — mas bolsa, dólar e juros devem sofrer enquanto não houver equipe econômica definida
Com Lula eleito presidente, o mercado agora espera a definição da equipe econômica; no curto prazo, a reação dos ativos tende a ser negativa
Ao contrário do que se esperava no começo de 2022, as eleições presidenciais — basicamente, a disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) — não foram a maior preocupação dos investidores ao longo do primeiro semestre. Uma série de acontecimentos externos tiveram um peso muito maior.
Na largada do ano, foi a entrada intensa de capital estrangeiro que sustentou o bom humor da bolsa brasileira. Na sequência, diversos eventos internacionais tiveram o seu lugar ao sol.
Primeiro, a invasão da Ucrânia por parte da Rússia trouxe grande instabilidade geopolítica e ao mercado de commodities, ainda que o Ibovespa tenha mais uma vez se favorecido do fluxo de capital estrangeiro: as opções de investimento ficaram mais limitadas entre os países em desenvolvimento.
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Depois, os sinais de que a economia dos Estados Unidos e da União Europeia caminhavam para uma recessão — e que será preciso ajustar a taxa de juros bem acima do inicialmente projetado — pesaram sobre o mercado global.
As preocupações de força maior foram tantas que foi apenas na reta final do primeiro turno, a partir de setembro, que foi possível notar a força dos ruídos políticos no sobe e desce dos ativos brasileiros.
Faltando pouco menos de duas semanas para o primeiro turno, o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, revelou o seu apoio a Luiz Inácio Lula da Silva e alimentou esperanças de que voltasse a ocupar a chefia da economia brasileira.
A forte reação vista na bolsa na ocasião não foi por acaso. A saúde fiscal do país e a forma como um terceiro governo Lula iria lidar com as contas públicas sempre foi um dos principais focos de incerteza do mercado.
A chegada de Meirelles ao time de apoiadores do petista não se traduziu, até agora, num convite para ocupar um ministério — e talvez seja por isso que a reação inicial dos investidores locais à vitória do ex-presidente seja de cautela.
Apesar das críticas feitas nos últimos anos ao ritmo de avanço da agenda reformista-liberal, uma eventual nova gestão de Jair Bolsonaro indicava continuidade do trabalho de Paulo Guedes — a quem todos conhecem e muitos admiram.
No caso de Lula, nada se sabe ainda sobre a equipe econômica — e os pontos já conhecidos não agradam completamente.
Para um economista que conversou com o Seu Dinheiro após o resultado do pleito, a carta recentemente divulgada com 13 compromissos é mais uma sinalização para o próprio PT do que para o mercado. “Não tem PIB para acomodar tudo o que está lá”.
Um gestor de investimentos de uma asset paulista mostrou incômodo com a falta de definições no discurso do presidente eleito. “Não deu detalhe de nada, com ideias e propostas de 30 anos atrás. Foi na linha da carta publicada: ideais maravilhosos, que não define como atingir”.
Eleições: página virada, riscos para trás?
Uma das máximas mais repetidas pelos investidores de todo o mundo é que o mercado odeia incertezas — e é por isso que os próximos dias devem ser de pressão para o câmbio e o mercado de juros. Mas o consenso é o de que esse movimento não deve ser muito agressivo.
Isso porque, apesar das incertezas, o mercado já conhece a forma Lula de se governar e acredita que ele pode ser capaz de indicar uma equipe econômica que contemple um time de perfis diferentes, capaz de agradar o mercado. Além disso, a formação de centro-direita do novo Congresso deve impedir medidas mais radicais.
Para Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos, o maior desafio é aliar a promessa de manutenção de gastos sociais com o arcabouço fiscal atual — uma conta que, a priori, não fecha.
Mas, apesar da forte apreensão do mercado local com a vitória do petista, o investidor internacional pode ajudar a equilibrar os pratos.
José Baltieri, gestor do fundo ASA Small Mid Cap, explica que o estrangeiro tende a ter uma visão mais positiva de Lula, herdada do tempo de vacas gordas do primeiro mandato do presidente.
“Isso é importante para continuar atraindo fluxo para a bolsa brasileira, que está barata. Isso ajuda a dar sustentação e fazer o preço dos ativos subirem”.
Primeiro ativo brasileiro a ser negociado no exterior após a confirmação do resultado, o ETF (fundo de índice, na sigla em inglês) do Ibovespa negociado no Japão chegou a exibir alta de mais de 4% durante a noite — um comportamento que fica em linha com a tese do gestor.
Lula: os vetores positivos para a bolsa
A relação entre Lula e o mercado, no entanto, não é feita apenas de desconfiança: as fontes ouvidas pelo Seu Dinheiro destacam que há, sim, potenciais desdobramentos positivos da vitória do petista para determinadas ações da bolsa.
A primeira e mais óbvia diz respeito ao setor de construção e incorporação, especialmente o voltado para os segmentos de baixa renda: em seu discurso de vitória, Lula citou planos para retomar o programa habitacional Minha Casa Minha Vida, além de outras iniciativas de inclusão social.
“Construtoras mais voltadas a esse segmento econômico devem ter um bom momento pela frente”, diz Baltieri, gestor da ASA, destacando também que as empresas do setor de educação tendem a ter um impulso semelhante, dada a expectativa de reedição do Fies e do ProUni em alguma escala.
Esse combo entre construtoras de baixa renda e empresas de educação — que inclui companhias como MRV (MRVE3), Tenda (TEND3), Direcional (DIRR3), YDUQS (YDUQ3) e Cogna (COGN3), entre outras — é chamado de ‘kit Lula’ por Abdelmalack, da Veedha.
E, assim como Baltieri, ela também projeta uma reação positiva desses setores no curto prazo, incluindo ainda o varejo popular nesse grupo.
“Mas, em geral, teremos uma abertura negativa, porque o fato é que não há equipe econômica”, diz Abdelmalack.
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Mas… e se não acabar por aí?
A saúde fiscal pode até ser a maior preocupação na mente dos investidores, mas não é a única. A desconfiança ao sistema eleitoral brasileiro, plantada nos últimos quatro anos pelo presidente Jair Bolsonaro, e a radicalização da base bolsonarista pairam como uma ameaça.
Na semana passada, esse risco de contestação e não aceitação do resultado ganhou força — principalmente após o episódio violento envolvendo o ex-deputado e apoiador de Bolsonaro, Roberto Jefferson.
Mas, apesar de o atual presidente não ter reconhecido a derrota até o fim da noite de domingo, especialistas enxergam poucas chances de um tumulto causado pelo resultado.
Isso porque Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, assim como diversos líderes globais, foram rápidos em reconhecer a decisão das urnas.
“Não existe uma narrativa sobre o processo eleitoral para ser criada. Caos político apocalíptico, com cenário de guerra civil na rua está muito afastada. Vemos diversos aliados do Bolsonaro, como Zema e Tarcísio, reconhecendo a vitória de Lula”, aponta um economista.
Apesar disso, as incertezas continuam existindo e não se pode descartar que setores econômicos tradicionalmente alinhados ao bolsonarismo, como os caminhoneiros, possam fazer alguma movimentação política com impacto econômico.
“Acho que [contestação] é um risco de cauda. Não é nosso cenário-base, mas é importante monitorar se vai acontecer. Pode trazer muito ruído ao mercado, levando os preços a reagirem de forma bastante negativa”, aponta Baltieri, da ASA.
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