O que falta para um rali de fim de ano na bolsa brasileira?
Movimento ainda é possível; o problema é que teremos que alinhar uma tendência mais definida, como explico abaixo

“[...] Creio que sofro do fígado. Aliás, não entendo níquel da minha doença e não sei, ao certo, do que estou sofrendo. Não me trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos. Ademais sou supersticioso ao extremo; bem, ao menos o bastante para respeitar a medicina. [...]”
“Memórias do Subsolo”, de Fiódor Dostoiévski
Poderia ser a descrição do mercado em tempos recentes, mas se trata, na verdade, do início da obra “Memórias do Subsolo”, de Fiódor Dostoiévski. Publicado na segunda metade do século 19, a história é um dos principais marcos para a escrita existencialista do escritor russo, conhecido, entre outras coisas, por suas obras de notável profundidade psicológica. Curiosamente, a introdução do livro me lembrou o mercado das últimas semanas (meses, a depender do ponto de vista).
O mercado está doente.
O sintoma? Excesso de volatilidade.
Breve parêntese. Veja, não quero aqui que o leitor entenda que brado por ausência de volatilidade; pelo contrário, ausência de volatilidade é muitas vezes pior do que a presença dela. Tampouco indico aqui que volatilidade é risco, pois não deve ser considerado a mesma coisa, ainda que boa parte dos financistas e da teoria clássica aponte para tal. Ausência de volatilidade não significa ausência de risco, por exemplo.
Feito o disclaimer, podemos verificar o excesso de volatilidade pautado, principalmente, pelo grau incessante de rotação setorial presente nos mercados globais. A crise atual, diferente de qualquer coisa pela qual já passamos, tem criado uma dicotomia na qual duas cestas de ativos se destacam.
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É uma batalha entre as teses de valor (value) ou crescimento (growth), respectivamente, pautada pelo interesse em buscar ativos com preços descontados ou aqueles que têm potencial de crescimento acima do mercado, como empresas de tecnologia.
Value X growth
A primeira dessa cesta de ativos pertence ao combo “stay at home” (fique em casa) e se beneficia dos rumores de novos lockdowns ao redor do mundo. Estão neste grupo, por exemplo, ações que ganham nas condições em que as pessoas ficam mais em casa. São nomes em setores de tecnologia, e-commerce e saúde verticalizada (healthcare).
A segunda cesta diz respeito aos nomes que se beneficiam da reabertura da economia, notadamente as teses de valor (value) que ficaram bem descontadas com o rali das empresas de tecnologia. Figuram aqui ações de real estate, shoppings, combustíveis fósseis e bancos. Note, no gráfico abaixo, o movimento de desconto.

Aparentemente, o ciclo entre crescimento e valor está se alterando. Inclusive, na semana passada, com as vacinas e a tese de reabertura ganhando força (Pfizer e a BioNTech parecer ser mais de 90% eficaz contra a Covid-19), a relação entre valor e crescimento apresentou o maior movimento percentual (%) já registrado em um só dia – na semana da eleição americana, por outro lado, quando já era esperado que Biden seria o vencedor, as empresas de tecnologia que voaram.
Inclusive, em diversos índices conseguimos ver o rompimento de growth e value:

A questão é: é possível rali de fim de ano com tanta volatilidade?
Pergunta para qual eu respondo: sim, é possível.
O problema é que teremos algum trabalho a ser feito no sentido de alinhar uma tendência mais definida. Isto é, a Bolsa pode subir, mas se quiser um rali de verdade, precisaremos tentar alinhar as expectativas em uma só e não viver só da interminável ambivalência vigente. Assim, diferentemente do que Dostoiévski colocou, precisamos tratar a doença que nos aflige – muito não depende de nós, é verdade, mas há como agir em nossos portfólios.
4 motivos para o rali das bolsas
1 - Dias de alta + dias de alta
Em primeiro lugar, temos motivos para ficar otimista. Já falamos neste espaço sobre os clusters de volatilidade, como ensina Mandelbrot. Segundo o professor, volatilidade tende a atrair mais volatilidade. Contudo, há também sequências positivas que indicam continuidade de certos ralis. Ou seja, volatilidade para cima também pode ser preservada (dias de alta seguidos por dias de alta).

2 - Maré de otimismo
Em segundo lugar, parece ter crescido um sentimento mais otimista relativamente ao que testemunhamos no início do ano.
Os riscos derivados da pandemia (da reação e do medo para com o vírus, não com o vírus em si) ainda existem, mas eles são mitigados pelos seguintes fatores:
- o vírus já chegou e já sabemos como funciona (teremos que, no máximo, nos acostumar com o problema humanitário e de saúde pública);
- as estruturas de combate e prevenção ao vírus já estão de pé;
- estímulos fiscais e monetários vigentes (precisaremos de mais nos países desenvolvidos);
- cepa de vírus plausivelmente mais contagiosa, porém menos mortal; e
- lockdowns atuais são apenas parciais.
Com isso, gradualmente, estabelecemos, mesmo com a ameaça do vírus, um maior otimismo. Abaixo, o sentimento bullish verificado no mercado.
3 - Boas perspectivas para 2021
Em terceiro lugar, a próxima etapa da recuperação em forma de V, segundo estrategista do Morgan Stanley, tem crescimento mundial de 6,5% no próximo ano, significativamente acima do consenso. Com isso, o mercado segue construtivo quanto às perspectivas para os mercados em 2021. Pela ótica macroeconômica, a economia global tenderá a entrar na próxima fase da recuperação em forma de V.
Na primeira fase, a economia global deve recuperar os níveis de produção pré-Covid-19, uma posição importante que devemos alcançar até o final do primeiro trimestre de 2021. No 2T21, por sua vez, a economia poderá retomar sua trajetória pré-COVID-19; isto é, onde o PIB estaria sem o choque COVID-19.

4 - A era Biden e o fluxo comercial pró-emergentes
Em quarto lugar, a eleição de Biden parece soar positiva para o mercado americano e para os ativos de risco globais. A combinação de uma Casa Branca multilateralista, uma Câmara democrata, um Senado republicano e uma Suprema Corte conversadora poderá proporcionar aos mercados, possivelmente, um bom equilíbrio.
O fluxo comercial pode ser recuperado, desvalorizando o dólar, apreciando as commodities e valorizando ativos de mercados emergentes. Nós, claro, nos beneficiaremos desse movimento, ainda que o governo brasileiro atual não se veja representado na Casa Branca a partir de 2021 como se vê hoje – vale lembrar, se trata mais de retórica do que fato prático.
Logo, como é possível verificar, é sim possível um rali de fim de ano na segunda metade de novembro e dezembro.
Será fácil? Jamais.
Como vimos, a volatilidade veio para ficar. Mas podemos nos beneficiar dos movimentos agitados se alinharmos o discurso. O mercado tem tentado fazer isso.
Não se trata de oito ou oitenta. Não é sobre ter um ou outro, em relação às cestas que mencionei no início, mas um pouco de cada – um pouco da tese de reabertura e um pouco da tese “stay at home”, no Brasil e lá fora.
Tudo isso, claro, feito sob o devido dimensionamento das posições, conforme seu perfil de risco, e a devida diversificação de carteira, com as respectivas proteções associadas.
O que pode impedir o rali?
Riscos ainda existem, vale ressaltar:
- novas ondas mais mortais de coronavírus ao redor do mundo;
- questão fiscal nos EUA;
- risco institucional nos EUA;
- um Brexit mais complicado do que o esperado;
- Brasil não ajustar a trajetória fiscal.
Creio que o mercado sofra de fígado. Mas dá para tratar… Como diria Dostoiévski, basta que não sejamos supersticiosos ao extremo, ainda que isto nos faça acreditar em medicina.
Se você gostou do texto e da ideia que tentei passar aqui, talvez seja válido aprofundar um pouco mais e saber exatamente qual ativo comprar para o rali de fim de ano. Deixo aqui o convite para você entender melhor a tese e encontrar uma lista de ações para se posicionar bem para o rali.
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