A terça-feira amanheceu com todos os ingredientes de voo de cruzeiro em céu azul de brigadeiro nos mercados financeiros. As bolsas europeias subiam e os indicadores futuros de Wall Street sinalizavam abertura em alta com os investidores festejando uma recuperação da produção industrial e das vendas no varejo da China.
O Ibovespa também abriu em alta e o dólar caía, aproveitando a boa onda vinda de fora e proporcionando um vislumbre do que poderia ter sido o dia de negócios. Por que, então, ao fim do dia, descolados do que se via no exterior, o dólar subiu e a bolsa abandonou a queda apenas nos ajustes finais da sessão?
Tudo aponta para uma tabelinha mal treinada entre o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes.
Na noite de ontem, veio a público notícia segundo a qual os aposentados pagariam parte substancial da conta do Renda Brasil, uma proposta de programa de renda mínima pensada para suceder e ampliar o Bolsa Família.
Pela manhã, Bolsonaro foi a suas redes dizer que não tiraria dos aposentados para financiar o programa e jogou uma pá de cal sobre o Renda Brasil antes mesmo de sua apresentação.
A notícia, em tese, tinha muitos componentes para agradar aos participantes dos mercados financeiros, em especial a sinalização de que a disciplina fiscal seria mantida.
O que deu errado então?
Ao jogar a pá de cal, Bolsonaro deixou escapar que “daria cartão vermelho” a quem voltasse a sugerir a possibilidade de congelamento das aposentadorias.
Eis que, de imediato, levantou-se a lebre de que o ataque era direcionado a Paulo Guedes. Pouco adiantou o ministro vir a público dizer que a ameaça de “cartão vermelho” não era endereçada a ele.
Passado o episódio, a bolsa passou quase o dia inteiro oscilando entre leves altas e baixas. O otimismo externo mostrou-se incapaz de impulsionar o Ibovespa, mas foi suficiente para evitar que o índice afundasse.
É fato que, na reta final do pregão, os principais índices norte-americanos começaram a devolver a maior parte dos ganhos obtidos ao longo dia, principalmente o Dow Jones, em um movimento apontado como cautela antes da reunião de política monetária do Federal Reserve Bank (Fed, o banco central norte-americano). Ainda assim, todos eles fecharam no azul (Dow Jones, +0,01%; S&P-500, +0,52%; e Nasdaq, +1,21%). O mesmo ocorreu com as principais bolsas europeias.
Reconectando-se com o Dow Jones apenas nos minutos finais, o Ibovespa encerrou em alta de 0,02%, aos 100.297,91 pontos.
"O mercado não gostou inicialmente da fala do presidente Bolsonaro", observou André Perfeito, economista-chefe da Necton Corretora. "Muitos viram no vídeo um ataque ao ministro Paulo Guedes e isto elevou as tensões nas mesas", prosseguiu ele.
Na avaliação de Perfeito, entretanto, o presidente acerta ao encerrar a discussão sobre o Renda Brasil. "Ao tirar o Renda Brasil da mesa, acredito que abra espaço para a discussão de temas mais urgentes da agenda legisliativa e isto pode ser mais eficiente", avaliou.
Otimismo externo segurou Ibovespa
A renovação do apetite por risco no exterior sucede duas semanas extremamente turbulentas nas quais investidores passaram a questionar o nível de preços de algumas classes de ativos, principalmente aqueles ligados ao setor de tecnologia.
Essa busca por risco aumentou ontem, lastreada pelo anúncio da retomada dos testes clínicos da vacina produzida pela AstraZeneca visando a conter a pandemia do novo coronavírus.
Hoje, além dos comentários de Bolsonaro, o otimismo externo concorreu com certa cautela às vésperas das decisões de política monetária dos bancos centrais do Brasil e dos Estados Unidos, ambas previstas para amanhã.
Entre os papéis negociados na B3, as ações da Minerva Foods destacaram-se desde a abertura, operando em forte alta depois de a companhia ter informado o recebimento de uma proposta em que a subsidiária Athena é avaliada em US$ 1,5 bilhão.
Também chamou a atenção a alta dos papéis da Braskem apesar de a petroquímica ter informado que a conta do evento geológico que levou ao afundamento do solo e rachaduras em edificações em Maceió crescerá em R$ 3,3 bilhões, podendo atingir um total de R$ 7,9 bilhões.
Pedro Galdi, analista da Mirae Asset, observou que, apesar das provisões, o cenário para a Braskem está muito positivo. “A demanda está em crescimento, superando inclusive níveis anteriores à crise”, explicou ele. “Quanto ao fato relevante, a interpretação é de que o pior ficou pra trás. Agora é fazer o acerto e bola pra frente.”
O dólar em alta, por sua vez, beneficiou as empresas do setor de exportação, quase todas elas registrando os melhores desempenhos da sessão.
Confira a seguir as maiores altas e as maiores baixas do dia entre os componentes do Ibovespa.
MAIORES ALTAS
- Suzano ON (SUZB3) +6,01%
- Gerdau PN (GGBR4) +5,77%
- Gerdau Metlaúrgica PN (GOAU4) +5,25%
- Minerva ON (BEEF3) +4,30%
- BRF ON (BRFS3) +4,19%
MAIORES BAIXAS
- Eletrobras ON (ELET3) -3,70%
- IRB Brasil ON (IRBR3) -3,27%
- Cielo ON (CIEL3) -3,16%
- Hering ON (HGTX3) -3,11%
- Cogna ON (COGN3) -3,01%
Dólar e juro
O mercado de câmbio também repercutiu os dados provenientes da China na abertura do pregão, mas passou a subir em reação aos comentários de Bolsonaro.
Ao término da sessão, a moeda norte-americana era cotada a R$ 5,2890, um avanço de 0,26% em relação ao dia anterior.
Assim como o dólar, os contratos de juros futuros abriram em leve baixa nesta terça-feira, mas também passaram a subir acompanhando os movimentos no câmbio e o noticiário local.
Enquanto isso, os investidores aguardam o resultado da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BCB), prevista para depois do encerramento do pregão de amanhã.
Confira as taxas negociadas de alguns dos principais contratos negociados na B3:
- Janeiro/2022: de 2,810% para 2,870%;
- Janeiro/2023: de 4,060% para 4,150%;
- Janeiro/2025: de 5,930% para 6,030%;
- Janeiro/2027: de 6,920% para 7,020%.