De lado, um banco que já esteve envolvido em escândalos, mas soube se reinventar. Do outro, uma varejista que já foi sinônimo de moda e agora tenta recuperar o brilho do passado. O Banco BMG e a C&A estão na reta final do processo de ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês).
Hoje é o último dia de reserva para quem pretende comprar os papéis em ambas as operações. Mas será que vale a pena?
A resposta curta é não. Ou pelo menos não agora no IPO. A seguir eu conto para você por quê.
IPO da C&A - Agora vai?
Primeiro vamos à C&A, que se tudo der certo estreia na bolsa na segunda-feira, com o código de negociação “CEAB3”. A rede é uma subsidiária da empresa holandesa fundada em 1841 pelos irmãos Clemens e August Brenninkmeijer, que emprestaram as iniciais de seus nomes para batizar a marca.
A primeira loja da C&A no país foi inaugurada em 1976, no shopping Ibirapuera, em São Paulo. Hoje a varejista possui 282 lojas espalhadas em praticamente todos os Estados.
Tradição não falta para a C&A, mas nos últimos anos a empresa perdeu espaço para concorrentes como as Lojas Renner. Depois de várias tentativas de recuperar o terreno, o discurso dos executivos aos investidores que participaram do processo de apresentação – conhecido como “road show” – é que “agora vai”.
Por que vender? Vender por quê?
O IPO da C&A pode movimentar até R$ 2,2 bilhões, caso o preço por ação saia no teto da faixa estabelecida – que varia de R$ 16,50 a R$ 20,00 – e com a venda dos lotes extras.
A maior parte do dinheiro captado dos investidores, porém, vai para o bolso dos controladores. Eles pretendem vender até R$ 1 bilhão em ações da varejista.
Mas então a outra metade que vai para o caixa da companhia será usada na expansão do negócio, certo? Errado. A maior parte do dinheiro que a C&A captar com a emissão de novas ações será usada para pagar empréstimos contraídos… dos controladores!
Um gestor de fundos com quem eu conversei questionou a motivação dos atuais sócios da C&A de venderem os papéis. “Se o negócio é tão promissor assim, não seria o caso de esperar mais um ou dois anos antes de fazer o IPO?”, ele disse, ao lembrar que a bilionária família dona da varejista nem de longe precisa do dinheiro.
A empresa até tem planos de ampliar a rede, mas do total da oferta primária (aquela parcela que vai para o caixa da empresa), só 10% terá esse destino. A C&A tem planos de abrir 11 lojas neste ano, mas informou que já identificou 159 possíveis localizações para novas unidades.
Tem desconto, mas…
A C&A e os bancos que coordenam o IPO – Morgan Stanley, Bradesco BBI, BTG Pactual, Citigroup, Santander e XP Investimentos – parecem bem cientes dos desafios da empresa. Tanto que colocaram o preço da ação com um razoável desconto em relação aos papéis da Lojas Renner. Caso as ações saiam pelo valor máximo, a empresa estreia na bolsa valendo pouco mais de R$ 6 bilhões, contra mais de R$ 40 bilhão da maior rival.
Além do mais, trata-se de uma boa empresa e que deve se beneficiar da perspectiva de retomada da economia, segundo outro profissional que avaliou as ações. Em outras palavras, se tudo der certo as ações da C&A têm um bom potencial de valorização, e quem embarcar junto vai ganhar dinheiro.
Mas quem acha se tratar de uma oportunidade deve ter duas questões na cabeça. A primeira é que o desconto em relação aos papéis da Renner é merecido, dada a situação atual das duas varejistas. E a segunda é, justamente pelo fato de a Renner ser uma das empresas queridinhas da bolsa, o desconto oferecido pela C&A só torna as ações uma barganha para quem acredita que os papéis da concorrente também estão baratos.
IPO do BMG (ou “esse filme eu já vi”)
A oferta de ações do Banco BMG, cuja estreia no pregão da bolsa acontece no mesmo dia da C&A, me trouxe uma sensação de déjà vu. Por várias razões.
Essa já é a terceira tentativa do banco mineiro de ir à bolsa. A primeira foi ainda na década passada, no auge da febre dos IPOs na bolsa brasileira, quando vários bancos médios abriram o capital – e a maioria quebrou a cara. A instituição voltou à carga no fim do ano passado, mas recuou dos planos, que só foram retomados agora.
O BMG é um daqueles bancos que tiveram várias vidas desde que foi fundado pela família Pentagna Guimarães, em 1930. O momento mais delicado certamente ocorreu em 2005, quando o banco foi implicado no escândalo do mensalão.
Os principais administradores do BMG viraram réus em ação penal movida pelo Ministério Público e foram condenados em primeira instância, mas foram inocentados no ano passado pelo Tribunal Federal Regional da 1ª Região. Na esfera administrativa, o Banco Central aplicou uma multa ao banco e aos principais executivos.
Consignado no cartão
A mais recente transformação do BMG começou em 2012, quando vendeu 60% da operação de crédito consignado para o Itaú Unibanco. A sociedade durou até 2016, quando o maior banco privado brasileiro adquiriu a participação que ainda estava com os mineiros.
Mas a essa hora o BMG já estava com um novo e promissor negócio nas mãos: o cartão de crédito consignado, segmento que ficou fora do acordo com o Itaú. Em junho, o saldo dessa operação era de R$ 7,6 bilhões, equivalente a 73,6% da carteira de crédito total da instituição.
Além do cartão consignado, o BMG oferece empréstimo direto na conta para os clientes e produtos de seguros, por meio de uma parceria com a Generali. Recentemente, o banco anunciou a volta ao mercado de crédito consignado, mas o acordo com o Itaú impede a instituição de oferecer o produto na rede própria até 2026.
No teto da faixa indicativa do preço por ação – que varia de R$ 11,60 e R$ 13,40 –, o IPO do BMG pode chegar a R$ 1,9 bilhão. A maior parte do dinheiro vai para o caixa do banco, que pretende usar os recursos em novos produtos e investir nas linhas já existentes. A oferta é coordenada pela XP Investimentos, Itaú BBA, Credit Suisse, Brasil Plural e BB-Banco de Investimento.
Bom, mas caro
A avaliação dos profissionais de mercado com quem eu conversei é que o BMG é comprovadamente bom naquilo que faz. Mas alguns fatores recomendam cautela.
Um deles é o futuro do setor bancário com o avanço das novas empresas de tecnologia financeira (fintechs). “Ainda não está claro quem serão os vencedores nessa corrida nem o quanto ela vai mexer com a rentabilidade da indústria bancária”, me disse um gestor de fundos.
De todo modo, até valeria apostar umas fichas no cavalo do BMG se o preço da ação não fosse considerado alto. No melhor cenário (para o banco), a instituição pode chegar à bolsa valendo R$ 8,3 bilhões – ou mais de duas vezes o patrimônio líquido. Se a ação sair no meio ou no piso da faixa, a conta começa a fazer mais sentido para o investidor, segundo outro gestor.
Mais uma vez, acredito que aqui seja o caso de aguardar os primeiros resultados do banco como companhia aberta na bolsa para conferir se os planos vão esbarrar na concorrência crescente no setor. Tenho poucas dúvidas de que o BMG vai dar um jeito de se adaptar ao novo cenário, seja ele qual for. Mas se vai valer a pena ser sócio da família Guimarães nesse negócio é outra história.