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Renan Sousa
Renan Sousa
É repórter do Seu Dinheiro. Formado em jornalismo na Universidade de São Paulo (ECA-USP) e já passou pela Editora Globo e SpaceMoney.
Capital agitada

Ruídos de Brasília: o que acontece no Planalto Central e respinga na Bolsa (e no seu bolso)

Saiba quais os principais temas discutidos nos corredores da capital federal que mexem e ainda vão mexer com o humor dos investidores

Renan Sousa
Renan Sousa
12 de agosto de 2021
16:04 - atualizado às 18:50
foto de brasília ao fundo
Após aprovação-relâmpago da PEC, o que esperar da bolsa hoje? - Imagem: Divulgação

Todos os dias, alguma notícia vinda de Brasília acaba respingando na bolsa brasileira. O Ibovespa é o primeiro a sentir os acordos políticos e ameaças às contas públicas — e o último a se recuperar deles. 

Nos últimos dias, os “ruídos de Brasília” se misturaram e acompanhar cada um deles é cada vez mais difícil. Com a profusão de assuntos, como a reforma do Imposto de Renda que esbarra nas empresas, o adiamento do pagamento de precatórios para financiar programas sociais e o aumento do Bolsa Família, o investidor pode se perder.

Não bastasse isso, a pequena reforma eleitoral, aprovada na noite da última quarta-feira (11), foi desidratada, torcida, enxugada e passada para frente. O distritão, que mudaria o sistema de eleição de deputados, ficou de fora. Já as coligações, que permitem alianças e são duramente criticadas por especialistas, voltaram. 

Confira os principais temas e veja como eles mexem com seus investimentos:

Teto de gastos e 'regra de ouro'

Em primeiro lugar, o tema que mais tira o sono dos investidores é o desrespeito às contas públicas. Se os gastos do governo começam a subir demais, a entrada de dinheiro nos cofres da União também precisa aumentar.

Em outras palavras, o aumento de impostos é quase certo. Mas existem mecanismos que protegem essa disparada das despesas.

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A “regra de ouro”, por exemplo, impede que o Estado tome dívidas para pagar despesas correntes, como salários e benefícios. Isso garante que a máquina pública funcione sem a necessidade de aumentar o comprometimento das contas.

Já o teto de gastos permite que as despesas cresçam, mas limitadas pela inflação. Ela é criticada porque “congela” os gastos públicos e não permite um aumento real das despesas. 

De acordo com o Portal da Transparência do Governo Federal, em 2020 o Brasil extrapolou os gastos estipulados pelo Orçamento. A pandemia de covid-19 e a necessidade de injetar estímulos na economia explicam a alta. 

Ainda em 2021, as despesas também seguem em alta, com os reflexos da pandemia ainda pressionando as contas públicas. 

Já para 2022,  o teto de gastos teve um acréscimo de R$ 124,1 bilhões, se corrigirmos pela inflação acumulada deste ano.

PEC dos Precatórios

Um dos gastos que estão na mira do governo são os precatórios, que são instrumentos que representam dívidas do governo com pessoas e empresas originadas de processos judiciais em que não cabem mais recursos, e o pagamento é obrigatório.

De acordo com estimativas do governo, em 2022 a União deveria pagar R$ 57 bilhões em precatórios, mas o STF determinou que devem ser pagos R$ 89 bilhões (R$ 32 bi a mais). Segundo a equipe econômica, esse aumento poderia tornar inviável a execução do Orçamento para o próximo ano.

A ideia da PEC dos Precatórios é parcelar essa dívida, sendo que:

  • Valores acima de R$ 66 milhões: podem ser parcelados em até dez vezes, com 15% do valor na primeira parcela, como entrada
  • Abaixo de R$ 66 mil: pagamento integral à vista
  • Valores entre R$ 66 mil e R$ 66 milhões: o governo vai separar 2,6% da Receita Corrente Líquida para os pagamentos. O que ultrapassar esse limite, terá as mesmas regras de parcelamento para os precatórios acima de R$ 66 milhões

Tatiana Chiaradia, sócia do Cândido Martins Advogados, lembra que, além disso, as regras para a correção dos valores também devem mudar. Com a PEC, o valor dos precatórios passa a ser corrigido pela taxa Selic (que está em 5,25% ao ano) ao invés de ser ajustado pelo IPCA (atualmente em 8,35%).

O parcelamento da dívida é considerado ruim para as contas públicas no longo prazo. Por outro lado, abre espaço no Orçamento para 2022, ano eleitoral. 

Bolsa Família (ou Auxílio Brasil)

Recentemente, o governo federal anunciou um aumento no benefício médio do Bolsa Família, que deve passar a se chamar Auxílio Brasil. A média dos pagamentos deve sentir um salto de R$ 190 para R$ 300 por mês. 

O custo estimado do novo benefício fica entre R$ 53 bilhões e R$ 56 bilhões. Com isso, o BTG Pactual lançou um estudo que mostra em quais cenários o Auxílio Brasil respeita o limite do teto de gastos.

A casa de investimentos projetou alguns cenários respeitando o teto de gastos. Levando em conta a correção pela inflação de despesas obrigatórias, como salários de servidores, e não obrigatórias, que podem ser cortadas pelo governo, as projeções ficaram desta forma:

  • Cenário 1: Pagamento de R$ 62 bilhões em precatórios (crescimento histórico recente) e reajuste de 50% do IPCA para despesas obrigatórias e 25% para despesas não obrigatórias. Neste cenário, é possível cumprir o Teto de Gastos e gerar um espaço de R$ 5,1 bilhões para um novo programa social. Adicionado ao custo anual do Bolsa Família (R$ 33,1 bilhões), o custo do Auxílio Brasil seria de R$ 38,2 bilhões.
  • Cenário 2: Pagamento de R$ 55 bilhões em precatórios (proposta PEC) e reajuste de 50% do IPCA para despesas obrigatórias e 25% para despesas não obrigatórias. Neste cenário, é possível cumprir o Teto de Gastos e gerar um espaço de R$ 11,6 bilhões para um novo programa social. O custo do Auxílio Brasil seria de R$ 44,7 bilhões.
  • Cenário 3: Pagamento de R$ 55 bilhões em precatórios (proposta PEC), reajuste de 25% do IPCA para despesas obrigatórias e 0% para despesas não obrigatórias. Neste cenário, é possível cumprir o Teto de Gastos e gerar um espaço de R$ 19,7 bilhões para um novo programa social. O custo do Auxílio Brasil seria de R$ 52,8 bilhões.
  • Cenário 4: Pagamento de R$ 55 bilhões em precatórios (proposta PEC) e 0% de reajuste para despesas obrigatórias e não obrigatórias. Neste cenário, é possível cumprir o Teto de Gastos e gerar um espaço de R$ 25,7 bilhões para um novo programa social. O custo do Auxílio Brasil seria de R$ 58,8 bilhões.

O BTG ressalta que os valores do benefício consideram a média atual (R$ 190) e a média projetada pelo governo (R$ 300), e o número de famílias que podem receber o Auxílio Brasil, entre 14,5 milhões e 20 milhões. 

Disso, é possível concluir que o melhor cenário para o Auxílio Brasil é aquele em que não há correção das despesas obrigatórias e não obrigatórias (cenário 4). Mesmo assim, o número de famílias que podem receber o benefício de R$ 300 é o menor possível (14,5 milhões). 

Ou seja, na maioria dos cenários, o ajuste pela inflação dos salários de servidores e outras despesas coloca o novo benefício acima do teto de gastos.

Reforma do Imposto de Renda e IRPJ

A reforma do Imposto de Renda deve mexer diretamente com seus investimentos. Não deixe de conferir o vídeo da minha colega Julia Wiltgen no nosso canal do YouTube:

Também não deixe de conferir os detalhes da reforma:

O grande ponto que está segurando a reforma é o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ). Uma redução do imposto para empresas, atualmente em 25%, seria compensada pela taxação de lucros e dividendos. 

De acordo com a proposta original, o IRPJ sairia dos 25% para 15% em 2022 e para 12,5% em 2023. Mas o relator da proposta, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), limitou a queda: a redução em 2022 ficaria em 16,5% e 15,5% em 2023.

Essa queda na arrecadação seria compensada por uma taxação de 20% sobre lucros e dividendos. A proposta chegou a ser retirada do texto por pressão de empresários, mas o relator voltou atrás e manteve o trecho.

Como mostrou o Estadão, o prejuízo estimado com a redução do IRPJ seria de R$ 30 bilhões na arrecadação, dos quais R$ 27,4 bilhões sairão dos cofres estaduais e municipais.

Uma alternativa apontada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) é a redução da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), que não afeta os cofres dos Estados e municípios, de 9% para 7,5%.

Sabino destaca que, com as atuais reduções, o imposto sobre as empresas ficaria em 23%, abaixo dos atuais 34%. Entretanto, o texto original apontava uma queda de 21,5% de tributação nominal na renda das empresas.

Nesta quinta-feira, a votação do projeto pela Câmara foi novamente adiada.

Em resumo

Os analistas veem como positiva a preocupação do governo em manter o teto de gastos sob controle, apesar de extrapolar a meta dois anos seguidos. A pandemia pode ter amolecido os corações, mas as contas não fecham: a arrecadação e os gastos precisam chegar a um denominador comum.

Mas a eleição de 2022 pode acabar comprometendo esse objetivo. O pacote de benefícios do governo federal não inclui apenas o Auxílio Brasil, que extrapola o teto em diversos cenários. 

Além dos programas sociais, o governo não deve abrir mão de suas bases de apoio: o empresariado e a classe média, a quem tenta agradar com uma reforma do IR mais branda, e os servidores públicos, que ficaram sem reajuste nos últimos dois anos.

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