Dilemas éticos e regulatórios
Será que temos um arcabouço velho para um mundo novo?
Já fiz essa pergunta pensando no desenvolvimento do value investing. Howard Marks, em memorando recente, trouxe provocação parecida. Mas será que ela não vale para o ambiente regulatório também?
Historicamente, a comunicação com os investidores se dava dentro de um ambiente centralizado, institucional e regulado. A linguagem exigida era hermética e circunscrita a elementos tipificados. Os bancos publicavam seus prospectos de IPO e seus relatórios de research, que muitas vezes eram mais peças publicitárias para fomentar outros negócios do que propriamente uma peça de pesquisa — mas essa é outra história.
A imprensa entrevistava os mesmos analistas de bancos, outros economistas doutores e gestores, também devidamente pertencentes ao ambiente regulado, sem maiores repercussões para os preços dos ativos a partir de uma entrevista.
Hoje, as coisas mudaram. A informação chega muito mais ao investidor por meio das redes sociais do que via relatórios da Goldman Sachs, por exemplo.
Feito o preâmbulo, proponho uma parábola.
Leia Também
O gestor José da Silva fez um excelente trabalho entre os anos de 2016 e 2018. Estava bem concentrado em algumas small caps e acertou na veia a guinada liberal e a agenda de reformas do governo Temer (saudades!). Diante de sua performance espetacular, atraiu muitos investidores de varejo (com os devidos méritos).
Uma grande plataforma de investimentos — interessada nos gordos rebates vindos de fundos high beta — estimulou bastante a captação do fundo tocado por Zezinho, apelido carinhoso recebido pelo nosso querido gestor.
Zezinho virou uma espécie de celebridade. Ele nem gostava muito dessa posição. Mas a vida o empurrou para ela. Amor fati. Aceitou seu destino e passou a tocá-lo como um chamamento. Atendendo à vocação, sabia da responsabilidade perante sua centena de milhares de cotistas. Era competente e cioso da representatividade que carregava.
Também se mostrava solícito. Achava importante se comunicar com sua base. Pretendia educá-la com vídeos e entrevistas, alertando para que a excelente performance passada não fosse tomada como proxy para rentabilidade futura. Os cotistas deveriam saber que aquilo fora uma extraordinariedade, que, aliás, dificilmente se repetiria agora. Por duas razões. Uma, a mera aplicação lógica: extraordinariedades não acontecem toda hora, por definição. E outra: seria impossível que o fundo tivesse o mesmo desempenho agora, com outra escala, porque os cases de small caps, cujas multiplicações explicaram boa parte da performance recente, necessariamente pesariam menos agora, num fundo de bilhões.
Zezinho é convidado para participar de uma live, em conhecido portal de notícias, pertencente a uma instituição financeira. Todos os agentes autônomos recomendam a seus clientes ouvir a tal live — afinal, esses mesmos AAIs ajudaram na captação do fundo e também querem um maior alinhamento entre o gestor e seu passivo.
Então, numa certa quinta-feira à tarde, acontece a tal live. Ela bomba. Chegamos a mais de 20 mil pessoas simultâneas vendo. Repercute em várias redes sociais. O exército de influenciadores digitais da respectiva corretora reposta os comentários. A imprensa reverbera as indicações de ações.
Em determinado momento, o gestor é perguntado sobre uma determinada small cap. Ele, além de competente e brilhante intelectualmente, tinha também o péssimo hábito da transparência. Zezinho responde a verdade. “Tenho as ações e acho que carregam potencial para dobrar. Foram muito castigadas na pandemia e um investidor institucional gringo grande fritou o papel recentemente. Nesses níveis, acho uma ótima combinação risco-retorno. Valuation confortável, bem abaixo dos pares. Canais de crescimento definidos quando voltarmos da pandemia. Bom management, alavancagem controlada, margem crescendo, sell side ainda cético” — e por aí vai.
Os fóruns de ações e aplicativos de finanças começam uma reação imediata. “Comprem a tal small cap. O Zezinho falou que vai dobrar.”
Vamos atribuir à small cap o ticker de XPTO3, que começa a subir destacadamente em reação aos comentários. A valorização supera 20% no dia.
Zezinho tem 5% do fundo em XPTO3. Ele quer ter esses exatos 5%. Sai da live e constata que, por conta da alta de 20%, os 5% viraram 6%. Ele, portanto, rebalanceia seu portfólio. Ou seja, vende parte da posição, depois de ter acabado de elogiar, de forma sincera e entusiasmada, a respectiva ação.
Sem juízos de valor, objetiva e concretamente, José da Silva acaba de se beneficiar dos comentários que ele mesmo proferiu aos investidores.
Teria Zezinho manipulado o mercado? Seria “pump and dump”?
Ele criou a demanda para a oferta das ações que agora vende. E meteu uma grana no bolso com isso, na cabeça dos espectadores da sua live, que acreditaram nos seus comentários. Criou condições para o benefício próprio, a partir do impulso ao preço de determinado ativo.
Em contrapartida, ele apenas respondeu o que pensava de forma honesta. E recalibrou seu portfólio, com a devida e apropriada gestão de risco, respeitando o sizing desejado para a respectiva posição.
Talvez o leitor possa também argumentar que não houve dolo na atitude. E esse deveria ser o critério. Uma coisa é criar de maneira deliberada as condições artificiais de demanda. Outra é que ela aconteça como consequência não planejada dos seus atos. Ok, é um bom ponto. Mas, neste caso, como julgar o dolo? Conseguimos entrar na cabeça do gestor e saber exatamente o que ele estava pensando diante de comentários tão entusiasmados?
E se nessa primeira vez, de fato, ele não estivesse com segundas intenções, qual incentivo financeiro fica para suas próximas participações em lives? E outros participantes de mercado que observaram o movimento e viram aí também uma espécie de “janela de oportunidade”?
Honestamente, não tenho a resposta para todas as perguntas. Elas, em si, me parecem mais importantes. O ponto claro aqui é que há um mundo novo aí fora. E precisamos de uma mentalidade e uma regulação igualmente novas. É uma lei física.
P.S.: Esta é uma semana bastante importante para a política monetária e as taxas de juro no mundo. Copom, Fed e outros bancos centrais atualizam seus juros básicos nos próximos dias, com consequências importantes para os mercados. No podcast RadioCash, batemos um papo sobre o tema com Mario Torós, ex-diretor do BC e gestor da Ibiuna. Vale muito a pena ouvir.
Veja quanto o seu banco paga de imposto, que indicadores vão mexer com a bolsa e o que mais você precisa saber hoje
Assim como as pessoas físicas, os grandes bancos também têm mecanismos para diminuir a mordida do Leão. Confira na matéria
As lições do Chile para o Brasil, ata do Copom, dados dos EUA e o que mais movimenta a bolsa hoje
Chile, assim como a Argentina, vive mudanças políticas que podem servir de sinal para o que está por vir no Brasil. Mercado aguarda ata do Banco Central e dados de emprego nos EUA
Chile vira a página — o Brasil vai ler ou rasgar o livro?
Não por acaso, ganha força a leitura de que o Chile de 2025 antecipa, em diversos aspectos, o Brasil de 2026
Felipe Miranda: Uma visão de Brasil, por Daniel Goldberg
O fundador da Lumina Capital participou de um dos episódios de ‘Hello, Brasil!’ e faz um diagnóstico da realidade brasileira
Dividendos em 2026, empresas encrencadas e agenda da semana: veja tudo que mexe com seu bolso hoje
O Seu Dinheiro traz um levantamento do enorme volume de dividendos pagos pelas empresas neste ano e diz o que esperar para os proventos em 2026
Como enterrar um projeto: você já fez a lista do que vai abandonar em 2025?
Talvez você ou sua empresa já tenham sua lista de metas para 2026. Mas você já fez a lista do que vai abandonar em 2025?
Flávio Day: veja dicas para proteger seu patrimônio com contratos de opções e escolhas de boas ações
Veja como proteger seu patrimônio com contratos de opções e com escolhas de boas empresas
Flávio Day nos lembra a importância de ter proteção e investir em boas empresas
O evento mostra que ainda não chegou a hora de colocar qualquer ação na carteira. Por enquanto, vamos apenas com aquelas empresas boas, segundo a definição de André Esteves: que vão bem em qualquer cenário
A busca pelo rendimento alto sem risco, os juros no Brasil, e o que mais move os mercados hoje
A janela para buscar retornos de 1% ao mês na renda fixa está acabando; mercado vai reagir à manutenção da Selic e à falta de indicações do Copom sobre cortes futuros de juros
Rodolfo Amstalden: E olha que ele nem estava lá, imagina se estivesse…
Entre choques externos e incertezas eleitorais, o pregão de 5 de dezembro revelou que os preços já carregavam mais política do que os investidores admitiam — e que a Bolsa pode reagir tanto a fatores invisíveis quanto a surpresas ainda por vir
A mensagem do Copom para a Selic, juros nos EUA, eleições no Brasil e o que mexe com seu bolso hoje
Investidores e analistas vão avaliar cada vírgula do comunicado do Banco Central para buscar pistas sobre o caminho da taxa básica de juros no ano que vem
Os testes da família Bolsonaro, o sonho de consumo do Magalu (MGLU3), e o que move a bolsa hoje
Veja por que a pré-candidatura de Flávio Bolsonaro à presidência derrubou os mercados; Magazine Luiza inaugura megaloja para turbinar suas receitas
O suposto balão de ensaio do clã Bolsonaro que furou o mercado: como fica o cenário eleitoral agora?
Ainda que o processo eleitoral esteja longe de qualquer definição, a reação ao anúncio da candidatura de Flávio Bolsonaro deixou claro que o caminho até 2026 tende a ser marcado por tensão e volatilidade
Felipe Miranda: Os últimos passos de um homem — ou, compre na fraqueza
A reação do mercado à possível candidatura de Flávio Bolsonaro reacende memórias do Joesley Day, mas há oportunidade
Bolha nas ações de IA, app da B3, e definições de juros: veja o que você precisa saber para investir hoje
Veja o que especialista de gestora com mais de US$ 1,5 trilhão em ativos diz sobre a alta das ações de tecnologia e qual é o impacto para o mercado brasileiro. Acompanhe também a agenda da semana
É o fim da pirâmide corporativa? Como a IA muda a base do trabalho, ameaça os cargos de entrada e reescreve a carreira
As ofertas de emprego para posições de entrada tiveram fortes quedas desde 2024 em razão da adoção da IA. Como os novos trabalhadores vão aprender?
As dicas para quem quer receber dividendos de Natal, e por que Gerdau (GGBR4) e Direcional (DIRR3) são boas apostas
O que o investidor deve olhar antes de investir em uma empresa de olho dos proventos, segundo o colunista do Seu Dinheiro
Tsunami de dividendos extraordinários: como a taxação abre uma janela rara para os amantes de proventos
Ainda que a antecipação seja muito vantajosa em algumas circunstâncias, é preciso analisar caso a caso e não se animar com qualquer anúncio de dividendo extraordinário
Quais são os FIIs campeões de dezembro, divulgação do PIB e da balança comercial e o que mais o mercado espera para hoje
Sete FIIs disputam a liderança no mês de dezembro; veja o que mais você precisa saber hoje antes de investir
Copel (CPLE3) é a ação do mês, Ibovespa bate novo recorde, e o que mais movimenta os mercados hoje
Empresa de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a Copel é a favorita para investir em dezembro. Veja o que mais você precisa saber sobre os mercados hoje