Os piores momentos da pandemia do coronavírus trouxeram uma forte necessidade de adaptação e mudanças permanentes dos hábitos sociais e de consumo que começaram em 2020 e seguiram ao longo de todo o ano de 2021.
Uma das mais perceptíveis foi o crescimento acelerado do e-commerce. Com as lojas físicas fechadas e a circulação de pessoas restrita apenas aos serviços essenciais, a digitalização forçada fez com que as empresas investissem pesado nos novos canais de venda.
Os clientes também precisaram se habituar à nova realidade, o que gerou um otimismo renovado para o comércio online, apontado como o grande vencedor da crise. Do grande varejista ao pequeno negócio familiar, quem não estava pronto para atender a demanda dos consumidores acabou patinando.
O Magazine Luiza (MGLU3), que já vinha investindo no segmento online bem antes do restante das principais concorrentes e que não esperou o coronavírus bater na porta para apostar no formato, liderou a corrida.
Até mesmo empresas com menos fôlego chegaram a ver crescimentos próximos ou superiores a três dígitos no volume de vendas e número de clientes. Se em 2020 as listas de ações que mais subiram foram dominadas por players do setor de varejo, em 2021 a história não irá se repetir.
A queda nos papéis do setor se intensificou após os resultados fracos do terceiro trimestre e, até o momento, os três piores desempenhos do ano ficam com o trio de ouro do e-commerce brasileiro: Magazine Luiza (MGLU3), Americanas (AMER3/LAME4) e Via (VIIA3), todas em queda de mais de 60% no ano.
Enquanto Magalu e Via repercutem principalmente os resultados fracos e prognósticos ruins, as Lojas Americanas também sofreram com o efeito de uma reestruturação societária mal recebida pelo mercado e que castigou os papéis nos últimos meses. Mas afinal, por qual motivo as ações não param de cair?
Nesta quinta-feira (09), as ações das Lojas Americanas amargaram as duas maiores quedas do Ibovespa, de 9,24% para LAME4, que fechou em R$ 5,11, e 8,56% para AMER3, que fechou em R$ 27,97.
O Magazine Luiza (MGLU3) teve o terceiro pior desempenho do índice, recuando 7,78%, a R$ 6,28, enquanto a VIA (VIIA3) ficou com a quinta maior baixa, de 7,11%, a R$ 5,36.
1) Renda em queda histórica
Para contornar os efeitos da crise do coronavírus, diversas medidas foram tomadas pelos governos e Bancos Centrais, como um auxílio emergencial para famílias afetadas pela pandemia. No Brasil, a medida se prolongou até meados deste ano, mas o valor inicial de R$ 600 foi cortado pela metade.
Os últimos dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada no início de dezembro, mostram que, embora o desemprego tenha recuado para 12,6%, a renda sofreu a maior queda anual desde a criação da série histórica iniciada em 2012 - 11,1%. O país ainda registra mais de 13 milhões de desempregados.
2) Pesando no bolso
A inflação não é um problema exclusivamente brasileiro. A interrupção nas cadeias de produção e escoamento de produtos e matérias-primas por conta da covid-19 gerou um movimento inflacionário em escala global, mas que parece atingir os países emergentes com mais força.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado nos últimos 12 meses é de 10,67% até outubro.
O dado pressiona as empresas do varejo, e estamos mais uma vez às vésperas da divulgação dos números de novembro.
Além das pressões inflacionárias tradicionais, o setor de eletrodomésticos e eletrônicos também é afetado pela forte desvalorização do real frente ao dólar. No ano, a moeda americana avança mais de 7%.
3) Dificuldade de acesso a crédito e trava no crescimento
Como resposta aos itens anteriores, o Banco Central brasileiro entrou em ação para segurar a elevação dos preços. Assim, a taxa básica de juros saiu de 2% ao ano em janeiro para 9,25% na reunião do Copom da última quarta-feira (08).
Embora a elevação vista já fosse esperada, o BC empregou um tom mais duro no comunicado, já sinalizando que a primeira reunião de 2022 elevará a Selic acima do patamar de 10%, passando ao território significativamente contracionista.
Bruno Madruga, head de renda variável da Monte Bravo Investimentos, aponta que a alta dos juros dificulta o acesso ao crédito pelo consumidor em um momento de crise. Além disso, as varejistas com maior exposição ao e-commerce são empresas em crescimento, que acabam tendo um custo mais elevado de dívida, o que tende a pressionar o caixa e as margens futuras.
4) Dá para ficar pior
Outro dado divulgado nesta semana pressiona os papéis e promete continuar gerando mal-estar. As vendas no varejo recuaram pelo terceiro mês consecutivo, frustrando a expectativa dos economistas.
Matheus Jaconeli, economista da Nova Futura Investimentos, aponta que a proximidade das festividades de final de ano não são um alívio para o setor. As vendas na Black Friday, pulverizadas ao longo do mês de novembro, ficaram abaixo do esperado, e o próprio Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo (IBEVAR) aponta que o Natal também deve ser marcado por um desempenho aquém do esperado.
Segundo o BTG Pactual, a desaceleração do e-commerce local tem ocorrido principalmente na venda de eletrônicos e por empresas que utilizam o próprio estoque para as vendas (chamado de 1P). A competição internacional é outra dificuldade, que leva as companhias locais a reduzirem suas margens para se manterem competitivas.
De acordo com um estudo preditivo do IBEVAR, o crescimento no quarto trimestre deve ser tímido, de apenas 0,68% em comparação ao ano anterior. O número é sustentado pela categoria de veículos, combustíveis, produtos farmacológicos, artigos de uso pessoal e vestuário.
Profecia não realizada?
Embora os últimos meses tenham sido complicados para os setores de varejo e tecnologia, o que adiciona uma pressão negativa extra, os analistas do BTG Pactual não acreditam que as projeções otimistas feitas no ano passado estavam erradas.
Para Luiz Guanais, Gabriel Disselli e Victor Rogatis, o legado da mudança vista em 2020 não foi perdido com o tempo ruim dos últimos meses. Segundo os analistas, já era esperada uma queda no crescimento da principal métrica utilizada pelo setor, o Volume Bruto de Mercadorias (GMV). Além disso, o banco acredita que a desaceleração vista desde o segundo trimestre de 2021 mostrou números melhores do que o esperado.
“Acreditamos que o e-commerce brasileiro deve crescer 26% este ano, após ter tido alta de 66% em 2020. O crescimento anual até 2025 deve ser, em média, de 24%, o que representaria 20% do total das vendas no varejo”.
A recuperação das ações, no entanto, ainda pode demorar mais um pouco. Para o BTG, a tendência de queda deve seguir no curto prazo, mas o movimento de alta deve prevalecer no longo prazo, “com apenas alguns vencedores”.
A razão do otimismo está na tendência de crescimento que deve se seguir (impulsionada pela baixa capilaridade vista no país quando comparado a outros mercados) e a consolidação vista no setor após a mudança do varejo físico para o online.