Poucas sensações são tão irritantes e desconcertantes quanto aquele fiapinho preso na garganta que não desaparece de jeito nenhum. Não tem pigarro, água ou simpatia que alivie o desconforto e para prevenir danos maiores, é sempre bom agir com cautela.
Se você sabe do que estou falando, vai entender com facilidade a postura adotada pelo mercado financeiro nos últimos dias. A reforma tributária simplesmente não desceu como deveria.
Na sexta-feira (25) passada, a equipe econômica entregou a segunda parte da reforma que conta com alterações na tabela de imposto de renda para pessoas físicas e mudanças significativas na forma de tributação das companhias e dos investimentos. O mercado reagiu mal no dia do anúncio e seguiu desconfortável com o texto ao longo da semana - é que os cálculos apontam para um possível aumento da tributação.
Arthur Lira e Paulo Guedes bem que tentaram desfazer algumas confusões e vieram a público afirmar que ainda tem muito chão até o texto final e que existe “gordura para queimar” na proposta apresentada. Ou seja, os números apresentados ainda podem mudar.
Os analistas estão cientes de que esse é um tema que deve se arrastar por todo o segundo semestre, mas isso não impede que a volatilidade da bolsa acompanhe as tratativas no Congresso. E aqui encontramos o segundo ponto de desconforto: os desdobramentos da CPI da covid-19, que implica o presidente Jair Bolsonaro e membros importantes do seu governo em um esquema de superfaturamento de vacinas durante a pandemia. Uma desestabilização da base governista pode interromper a agenda de reformas.
Os dois temas preocupam e não saíram da cabeça do mercado. Para Iago Souza, analista de investimentos da Warren, a reforma tributária pesa muito mais já que, na visão do analista, existe “disse me disse” que acaba atrapalhando a digestão dos fatos. Se a bolsa fosse somente um reflexo de Brasília, o resultado da semana teria sido diferente. Mas hoje tivemos Wall Street para ajudar.
Com o mercado de trabalho americano mostrando uma recuperação acima da esperada e o Federal Reserve reafirmando o seu compromisso de manter sua política econômica inalterada, Nova York celebrou novos recordes e o Ibovespa conseguiu reverter os excessos dos últimos dias. O principal índice da bolsa brasileira apagou as perdas dos dias anteriores e finalizou a semana quase no zero a zero, com uma leve alta de 0,29%. Hoje, o avanço foi de 1,56%, aos 127.621 pontos.
O dólar à vista, no entanto, não teve o mesmo comportamento. Pela manhã, a divisa até tentou seguir o movimento do exterior e chegou a recuar mais de 1%, mas o agravamento da crise política falou mais forte. A Procuradoria-Geral da União sinalizou que pretende ouvir os envolvidos nos possíveis crimes de prevaricação, trazendo instabilidade ao câmbio.
No fim, o dólar à vista fechou em leve alta de 0,16%, a R$ 5,0533, em uma semana que foi marcada pela retomada do patamar dos R$ 5 e um avanço de 2,34%.
Ao longo da semana, os atritos políticos e a preocupação com os efeitos da crise hídrica na inflação pressionaram o mercado de juros, mas hoje o dia foi de alívio. Confira as taxas do dia:
- Janeiro/22: de 5,71% para 5,68%
- Janeiro/23: de 7,12% para 7,07%
- Janeiro/25: de 8,17% para 8,15%
- Janeiro/27: de 8,62% para 8,60%
O evento da semana
Depois de uma semana com o pé no freio, o mercado finalmente chegou ao dia da divulgação do payroll, relatório de emprego norte-americano que é um dos mais importantes termômetros da atividade.
A expectativa era de que fossem criados 800 mil novos postos de trabalho, mas esse teto foi superado. Segundo o Departamento de Trabalho americano, foram criadas 850 mil novas vagas, marcando o menor nível desde o início da pandemia.
O número até poderia ter sido visto como um sinal de que o aquecimento da economia pode levar a uma mudança na política de estímulos do Fed, mas o número de novas vagas veio acompanhado de dados que permitiram aos investidores ficarem com o pé no chão. A taxa de desemprego subiu e não houve uma melhora no valor da hora média trabalhada pelos investidores, o que limita a leitura de uma inflação que não seja transitória.
O analista da Warren ressalta que além desses fatores, uma recuperação robusta nos Estados Unidos também leva a um progressivo aumento de expectativas ao redor do mundo e que o discurso de juros estáveis até pelo menos 2022 já está incorporado - pelo menos por agora.
E foi nesse cenário que o S&P 500 e o Nasdaq renovaram os seus topos históricos mais uma vez ao subirem 0,75% e 0,81%, respectivamente. O Dow Jones também fechou o dia em alta, com um avanço de 0,44%.
Apague a luz
Não é só o texto indigesto da reforma tributária, crimes de corrupção e crises políticas que seguram o Ibovespa. O futuro da conta de energia também tem reflexo na bolsa (e no seu bolso).
A crise hídrica deve obrigar a compra de energia de termelétricas e usinas eólicas, com um custo mais elevado. É por isso que a Aneel divulgou um reajuste na tarifa de energia da bandeira vermelha 2 em cerca de 52%. E pode vir mais por aí.
Embora esse ajuste salgue a conta de luz e pressione o índice oficial de inflação ainda mais, essa não é a única consequência do problema.
Souza explica que embora não acredite em um racionamento nos moldes dos ocorridos em 2001, o receio de um racionamento pode acabar freando o crescimento da economia. Vale lembrar que, no momento, o mercado está otimista e segue revisando para cima semanalmente as projeções no boletim Focus.
Sobe e desce
Com as malas quase prontas para o Nasdaq, as ações do Banco Inter lideraram as altas da semana após a companhia realizar uma bem sucedida oferta de ações que não só levantou mais de R$ 5 bilhões, mas também marcou a entrada da empresa de maquininhas e pagamentos digitais Stone no corpo de acionistas.
A PetroRio aproveitou a alta do petróleo. A commodity sobe na expectativa pela decisão da Opep+ sobre o futuro da produção. A Braskem também foi um dos destaques, repercutindo o otimismo do mercado com a possível venda da fatia pertencente a Novonor (ex-Odebrecht) na petroquímica. Confira:
CÓDIGO | NOME | VALOR | VARSEM |
BIDI11 | Banco Inter unit | R$ 78,89 | 12,70% |
PRIO3 | PetroRio ON | R$ 21,30 | 11,64% |
BRKM5 | Braskem PNA | R$ 59,82 | 7,94% |
BPAC11 | BTG Pactual units | R$ 31,54 | 6,66% |
BRDT3 | BR Distribuidora ON | R$ 29,39 | 6,56% |
Confira também as maiores quedas:
CÓDIGO | NOME | VALOR | VARSEM |
BRFS3 | BRF ON | R$ 26,86 | -5,69% |
JHSF3 | JHSF ON | R$ 7,17 | -5,53% |
COGN3 | Cogna ON | R$ 4,34 | -5,45% |
BRML3 | BR Malls ON | R$ 10,04 | -5,28% |
IGTA3 | Iguatemi ON | R$ 40,00 | -4,83% |