Centrão pressiona governo por mais gastos públicos
Governo reconhece que precisará fazer acenos e conceder vitórias aos parlamentares para consolidar a aliança
Mais novo aliado do presidente Jair Bolsonaro, o bloco de partidos chamado de Centrão quer um governo mais "gastador" e promete pressionar a equipe econômica para abrir os cofres por meio de propostas no Congresso. A ala política do governo reconhece que precisará fazer acenos e conceder vitórias aos parlamentares para consolidar a aliança.
A ordem até o momento, no entanto, é evitar uma "flexibilização radical" que coloque em xeque a agenda liberal e de austeridade do ministro da Economia, Paulo Guedes. Um "cavalo de pau" na economia neste momento poderia significar o desembarque de Guedes, o que só arranharia a imagem do governo Bolsonaro enquanto o presidente ainda busca sobreviver às crises econômica e política deflagradas pela pandemia do novo coronavírus e pelas acusações de tentativa de interferência na Polícia Federal.
Nas últimas semanas, Guedes recebeu em diferentes ocasiões o respaldo público do presidente após ter entrado na mira do "fogo amigo" por insistir no discurso de manutenção da política de ajuste fiscal na fase pós-crise. Mas o Centrão, fortalecido por Bolsonaro, que precisa do apoio do grupo para escapar de um eventual processo de impeachment, deve continuar buscando a aprovação de medidas de seu interesse no Congresso, ainda que isso signifique entrar em embate com Guedes.
Técnicos da área econômica reconhecem que o ingresso do Centrão na base do governo pode acabar abrindo a porteira para gastos que, em tese, nem caberiam no Orçamento. Alguns focos de atuação do bloco de partidos têm sido as tentativas de tornar permanente o auxílio emergencial de R$ 600 a informais e de ampliar o valor do benefício pago a empregados com carteira assinada afetados por redução de jornada e salário ou suspensão de contratos.
Guedes, por sua vez, voltou a se aproximar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com quem havia rompido por divergências na votação do projeto de socorro a Estados e municípios. Embora o governo tenha mudado o relacionamento com o Legislativo, substituindo a negociação mediada pelos presidentes do Legislativo por uma conversa no varejo com parlamentares do Centrão, o entendimento é que Maia ainda "tem a caneta na mão" para definir a pauta de votações e, por isso, é quem dita as regras.
Um primeiro ensaio do atrito entre a orientação da ala política e da equipe econômica foi o aval dado pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), a uma emenda que blindou categorias de servidores da proibição a reajustes salariais nos próximos anos como contrapartida ao socorro a Estados e municípios. A votação contrariou Guedes, mas, segundo o deputado, a ordem partiu de Bolsonaro. "Sou líder do governo e não líder de qualquer ministério", avisou.
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Depois do episódio, Guedes defendeu o veto em entrevista ao lado do presidente, que, ao ser confrontado, avalizou a posição do ministro. O Congresso, porém, já fala em derrubar o veto aos reajustes salariais de servidores. O cenário perfeito para Bolsonaro: o presidente agrada Guedes com o veto e, nos bastidores, estimula o Centrão a derrubar sua decisão.
Na Câmara, a bancada do Nordeste - que reúne lideranças do Centrão - é uma das mais engajadas para tornar o auxílio emergencial de R$ 600 uma política permanente. Partidos do bloco também estão recebendo relatorias de medidas provisórias importantes, como a que concede crédito às empresas e a que reduz as alíquotas do sistema S.
Salário
Técnicos do Congresso lembram que a MP que define o novo valor do salário mínimo em R$ 1.045 ainda está em tramitação no Congresso e pode ser usada pelos partidos como moeda de troca. O presidente do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva (SP), o Paulinho da Força, apresentou emenda que pretende garantir aumento real ao piso nacional já este ano. Pela proposta, o valor subiria cerca de R$ 11 a mais em relação ao atual, o que representa mais de R$ 3,3 bilhões só neste ano. Se a equipe econômica perceber risco real de aprovação, pode-se abrir brecha para negociações e barganhas.
Outro foco de tensão deve ser o chamado Plano Pró-Brasil de retomada da economia após a pandemia. Foco de desavença entre Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, o plano deve virar motivo de pressão do bloco sobre a equipe econômica. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a visão do Centrão é muito mais alinhada à de Marinho, que deseja turbinar a retomada com obras pagas com dinheiro público, do que à de Guedes, defensor de privatizações e concessões, com menos investimentos com recursos da União.
Dentro do governo, a ala defensora de um Pró-Brasil mais dotado de dinheiro público inclusive alerta que, se a equipe do presidente Jair Bolsonaro não tomar as rédeas desse debate, o Centrão irá fazer o seu próprio Plano Pró-Brasil. Nessa situação, o aumento de gastos poderia ser ainda mais dramático.
Nesse novo xadrez político, as reformas estruturais também podem se tornar mais vulneráveis ao jogo de interesses. Na quinta-feira passada, o próprio presidente da Câmara alertou para o risco. "Temos muito apoio para a reforma tributária e vamos avaliar como introduzir a reforma de bens e serviços para que não beneficie setores que foram mais atingidos. Não se pode usar a crise para garantir benefícios permanentes", disse Maia.
TRF-6
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deve incluir na pauta desta quarta-feira a votação de um projeto que cria o Tribunal Regional Federal da 6.ª Região, em Minas Gerais. O texto é de autoria do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, e, embora tramite desde 2019, o Centrão decidiu que ele deve entrar na lista de propostas que a Casa precisa analisar prioritariamente em meio à pandemia.
A proposta de Noronha pode ser uma das únicas sem relação com o tema a ser discutida pelos deputados. O magistrado se reuniu com parlamentares na semana passada e pediu para que convencessem Maia. O Estadão apurou que a pressão parte de integrantes do Centrão de Minas, mas o lobby ganhou apoio do Planalto.
Bolsonaro já disse publicamente que "ama" o presidente do STJ. "Confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeiro vista", afirmou o presidente em 29 de abril.
Na semana passada, Noronha derrubou decisões da primeira e segunda instâncias e desobrigou o presidente de apresentar, por enquanto, à Justiça seu exame para atestar se foi infectado pelo novo coronavírus numa ação movida pelo Estadão. O jornal recorreu ao Supremo Tribunal Federal.
Procurado, Noronha afirmou considerar o projeto "muito oportuno". "Ele melhora a estrutura da Justiça para poder enfrentar as questões jurídicas ajuizadas em consequência da pandemia", disse.
O vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), disse que "há compromisso com Maia de pautar" o projeto. Questionado sobre o motivo de se autorizar mais um tribunal no País neste momento, respondeu que não haverá aumento de despesa. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) contesta. Análise do órgão feita em 2013 aponta que seria preciso R$ 272 milhões (em valores da época) para criar um tribunal em Minas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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