Você acha que existem hoje muitas plataformas de investimento disponíveis no mercado – talvez até demais? Eu acredito que sim e, para minha surpresa, o CEO e sócio da Vitreo, Patrick O’Grady, concorda comigo.
Mas então por que ele e seus sócios decidiram colocar a gestora na disputa por esse território dominado pela XP Investimentos e ocupado hoje por mais de duas dezenas de corretoras, bancos e fintechs?
A pergunta faz ainda mais sentido porque a Vitreo parecia caminhar muito bem mesmo antes de obter a licença do Banco Central para montar a sua própria DTVM – a instituição autorizada a abrir e manter contas de clientes e a distribuir títulos e valores mobiliários no mercado.
Em menos de dois anos de vida, conquistou 60 mil clientes ativos – com dinheiro aplicado – e R$ 4,5 bilhões em recursos sob gestão. O que nos traz de volta à questão inicial: por que ter uma plataforma de investimentos agora?
“Desde a largada nós enxergávamos a Vitreo como uma plataforma. Havia dois caminhos possíveis para isso: comprar uma instituição já existente ou começar o processo do zero”, me disse O’Grady, em uma entrevista por videoconferência.
Os sócios optaram pelo segundo caminho, mas enquanto se submetiam ao processo no BC montaram a gestora. Com ela, puderam testar o modelo de negócios do que viria a ser plataforma, desde a parte tecnológica até a forma de se comunicar com os clientes.
Um dos pontos que a Vitreo explorou nesse período foi o acordo publicitário com a publicadora de conteúdos financeiros Empiricus – empresa-irmã do Seu Dinheiro (ambos têm como acionista a Acta Holding). “Uma das nossas dúvidas era saber se era possível converter o assinante da newsletter em comprador de produto financeiro.”
A gestora lançou vários fundos que têm como base as indicações dos analistas da empresa que possui uma base de mais de 350 mil assinantes. O acordo com a Empiricus segue nos mesmos moldes para os produtos da DTVM, segundo O'Grady.
Após obter o aval do BC para operar, a Vitreo precisou colocar a plataforma no ar em plena pandemia do coronavírus, que colocou 100% dos funcionários em esquema de home office.
“A turma vai poder colocar no currículo que botou uma instituição financeira de pé trabalhando de casa”, disse o sócio da Vitreo, que conta hoje com aproximadamente 100 funcionários. Desde o início da quarentena, a empresa contratou 26 pessoas, o que significa que quase um terço deles jamais pisou no escritório.
O que muda?
Agora com a DTVM própria, a Vitreo pode dar um passo além, ao manter uma relação direta com os investidores, que passam a ter uma conta na instituição. A plataforma também amplia a gama de produtos de investimento para além dos fundos tradicionais.
O primeiro lançamento foi uma carteira administrada de fundos imobiliários – um produto com vantagens do ponto de vista tributário, mas que não poderia ser oferecido na estrutura de uma gestora.
Nos próximos meses, a Vitreo espera evoluir a plataforma para ter também produtos de terceiros, como fundos, Tesouro Direto, CDBs de bancos e debêntures de empresas e negociação de ações via home broker.
O’Grady não me falou de prazos para cada lançamento específico, mas disse que espera oferecer a grade completa de produtos de uma corretora tradicional no fim deste ano.
A partir de então, a Vitreo poderá bater de frente com XP, Guide, Órama, BTG Pactual Digital e tantas outras. Mas ele reconhece que não será daí que a empresa vai se destacar em relação à concorrência.
“A grosso modo, você encontra os mesmos produtos em todas as plataformas. O que diferencia é como você oferece esses produtos” — Patrick O’Grady, Vitreo
A Vitreo não será apenas mais uma plataforma na disputa com a XP e as outras, segundo o CEO. Mas ele disse que contar com todos os serviços é uma condição necessária para o verdadeiro serviço que a empresa quer prestar: uma alocação completa para o patrimônio dos clientes.
O’Grady disse que a tecnologia permite hoje que um investidor de varejo tenha acesso ao mesmo tipo de produto das gestoras de fortunas. “Tirando as restrições regulatórias em alguns produtos, todo o resto é possível oferecer.”
O que a tecnologia ainda não alcança é o grau de serviços. Foi justamente nessa área que a XP inovou ao desenvolver uma ampla rede de agentes autônomos, responsáveis pela venda dos produtos.
Ex-sócio da XP, O’Grady diz que o modelo da antiga casa é uma evolução em relação ao que os bancões oferecem aos clientes. Mas criticou os conflitos de interesse na atuação dos agentes autônomos, cuja remuneração vem exclusivamente da comissão sobre os produtos vendidos. “Será que ele vai indicar o que é melhor para mim ou o que é melhor para ele?”
A Vitreo espera mitigar os potenciais conflitos cortando os intermediários. Ou seja, não vai trabalhar com agentes autônomos.
Mas O’Grady também não acredita no modelo “self service”, em que o investidor seleciona onde investir a partir de um amplo catálogo de produtos. “A maioria das pessoas não tem conhecimento em finanças e em muitos casos não sabe nem por onde começar.”
Então como resolver esse impasse sem a presença de um assessor de investimentos? A Vitreo aposta em um modelo de comunicação mais transparente e simples e espera fazer ofertas baseadas na carteira total dos clientes sem ser um “empurrador de produtos”. “É por isso que eu preciso que ele tenha conta comigo.”
Mito da assessoria gratuita
O’Grady lembra ainda que, pela regulação, o agente autônomo não pode fazer consultoria de investimentos, em uma referência à propaganda de alguns escritórios. “Eles são prepostos da corretora que fazem venda de produtos e já não poderiam cobrar por isso.”
A Vitreo pretende acabar com o que ele chama de “mito da assessoria gratuita”. A empresa tem planos de lançar um serviço de consultoria de investimentos para os clientes que desejarem.
Ele diz que o serviço será cobrado à parte que a remuneração não será vinculada a produtos. Os consultores poderão inclusive recomendar que o cliente mantenha recursos fora da Vitreo se entenderem que o dinheiro está bem aplicado.
Antes de encerrar a entrevista, perguntei quais as metas de volume e número de clientes que a Vitreo espera alcançar com a plataforma. O'Grady resolveu responder minha dúvida com outra pergunta:
“Nós viramos o ano passado com R$ 3,4 bilhões sob gestão. Seria possível imaginar que podemos multiplicar esse volume por cinco?”
Ele deu poucas pistas para solucionar o enigma além do volume atual de R$ 4,5 bilhões. Mas disse que o cenário segue favorável para Vitreo, ainda que não seja o mesmo de antes da crise provocada pela pandemia do coronavírus.