A segunda-feira (19) começou tranquila nos mercados globais. As bolsas subiam em bloco e as moedas tinham uma manhã de calmaria, sem grandes movimentações nas negociações de câmbio — e tudo por causa dos sinais mais amistosos no front da guerra comercial ao longo do fim de semana.
Só que, conforme as horas foram passando, esse cenário foi mudando de cara. E não é que alguma novidade tenha trazido ruído às negociações — a sessão foi relativamente tranquila em termos de noticiário. O que aconteceu foi que os agentes financeiros adotaram uma estratégia típica dos momentos de maior nebulosidade.
Com o cenário incerto no num horizonte mais amplo, mas passando por um alívio no curtíssimo prazo, os mercados optaram por recuperar parte das posições nas bolsas americanas, mas continuar na defesa no câmbio. Assim, os índices de Nova York tiveram altas firmes, mas as moedas emergentes perderam terreno em relação ao dólar.
E, uma vez definida essa estratégia, as divisas de países emergentes — ativos considerados mais arriscados no mercado de câmbio — começaram a ser espremidas. O real, o rand sul-africano, a lira turca e o peso mexicano começaram a perder força em relação ao dólar, e esse movimento só foi piorando durante a tarde.
Ao fim do dia, o dólar à vista encerrou em alta de 1,58%, a R$ 4,0662, maior cotação de fechamento desde 20 de maio, quando a moeda estava cotada a R$ 4,1034. Na máxima intradiária, a divisa americana chegou a ser negociada a R$ 4,0749 (+1,79%).
Essa pressão no mercado de câmbio acabou afetando o Ibovespa: o principal índice da bolsa brasileira até chegou a subir 1,14% nos primeiros minutos do pregão, as 100.947,60 pontos, mas terminou o dia em baixa de 0,34%, aos 99.468,67 pontos.
Assim, o Ibovespa destoou das bolsas americanas, que mantiveram o desempenho visto durante a manhã e fecharam em alta: o Dow Jones teve ganho de 0,96%, o S&P 500 subiu 1,21% e o Nasdaq avançou 1,35%.
Suco de moedas emergentes
Para Jefferson Luiz Rugik, diretor de câmbio da Correparti, houve uma espécie de "ataque" às moedas emergentes nesta segunda-feira — uma sinalização de que, apesar de o clima no exterior permitir uma recuperação nas bolsas, os agentes financeiros seguem cautelosos em relação ao cenário global ainda incerto.
Por um lado, a despressurização no front da guerra comercial faz os mercados ficarem mais dispostos a assumirem riscos nas bolsas, aumentado as posições em ações. Mas, por outro, os agentes usam o câmbio como proteção: saem de ativos arriscados, como as moedas emergentes, e buscam a segurança do dólar.
"Teremos indicadores importantes nessa semana, em especial a ata da reunião do Federal Reserve (Fed) e do Banco Central Europeu", diz Rugik. "E, num cenário como esse, o mercado às vezes se prepara para o pior".
Além disso, uma fala de Eric Rosengren, presidente da sucursal de Boston do Fed, contribuiu para trazer mais pressão aos ativos de risco. Em entrevista à Bloomberg, ele disse que "não necessariamente" será preciso relaxar mais a política monetária dos Estados Unidos.
O mercado como um todo vem apostando em novos cortes na taxa de juros pelo banco central americano, de maneira a amenizar os eventuais impactos da guerra comercial com a China. E, em linhas gerais, juros menores nos EUA acabam aumentando a atratividade de ativos de risco, uma vez que possuem retornos mais atraentes.
Assim, a possibilidade de o Fed não promover mais reduções nas taxas afeta diretamente as moedas emergentes, ativos considerados mais arriscados, uma vez que as ações e outros investimentos ligados aos juros dos EUA continuarão com uma rentabilidade interessante — o que diminui o apetite ao risco por parte dos agentes financeiros.
Considerando essas duas variáveis, quase toda a cesta de moedas emergentes perdeu força em relação ao dólar. Além da lira, do real, do rand e do peso mexicano, também foram afetados — embora em menor escala — o florim húngaro, o zloty polonês, o peso chileno, o rublo russo e a rúpia indiana, entre outras divisas.
Pressão no vizinho
Por fim, operadores e analistas ainda citaram a situação da Argentina como uma possível fonte de tensão extra aos ativos brasileiros, dada a proximidade do país com os portenhos. No fim de semana, o ministro da Fazenda da Argentina, Nicolás Dujóvne, renunciou ao cargo.
Os mercados argentinos, contudo, estiveram fechados nesta segunda-feira, em função de um feriado local. Assim, o foco dos investidores acabou recaindo sobre os ativos dos países mais próximos à Argentina — no caso, o Brasil, de acordo com dois analistas.
Assim, o Ibovespa mostrou certo descolamento em relação às bolsas externas durante todo o dia — mesmo durante a manhã, quando aparecia no campo positivo, o principal índice da bolsa brasileira subia menos que as praças dos EUA e da Europa. E, na segunda metade do pregão, o Ibovespa acabou virando para queda.
Exterior mais tranquilo
Em linhas gerais, os mercados externos têm mostrado um viés de recuperação desde a última sexta-feira, quando os primeiros indícios de que os governos da China e da Alemanha estariam dispostos a tomar medidas mais firmes para estimular a atividade dos dois países — dados recentes sugerem que as duas economias estão perdendo tração.
Neste fim de semana, o Banco do Povo da China (PBoC, na sigla em inglês) divulgou um plano de reforma da taxa de juros do país, com o objetivo de reduzir os custos de financiamento para as empresas que têm enfrentado dificuldades, em meio à desaceleração econômica. A medida sucede a liberação de US$ 10 bilhões pelo governo chinês para estimular o setor de infraestrutura.
No velho continente, notícias divulgadas pela imprensa alemã afirmam que a chanceler Angela Merkel estaria disposta a aumentar a dívida do governo para impulsionar a economia local.
"O Mario Draghi [presidente do Banco Central Europeu] vem pedindo aos governos que entrem com incentivos fiscais, vem pedindo ajuda", destaca Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos. "Os BCs conseguem ajudar [num cenário de desaceleração econômica], mas não seguram a barra sozinhos".
Além dessas sinalizações de pacotes de estímulo por duas das principais economias do mundo, os agentes financeiros também reagem positivamente aos mais recentes desenvolvimentos no front da guerra comercial.
Também no fim de semana, o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou via Twitter que as relações entre Washington e Pequim "estão indo muito bem", e que as duas potências "estão conversando" — o republicano, no entanto, também disse "não estar pronto" para fechar um acordo neste momento.
Para Beyruti, o mercado não acredita no fechamento de um acerto no curto ou médio prazo — assim, a ressalva feita por Trump não trouxe grandes impactos negativos às operações. O economista da Guide destaca que, além da fala referente às conversas com Pequim, os agentes financeiros também receberam bem a notícia de que as partes podem estabelecer um novo contato "nos próximos 10 dias".
Por fim, a redução nas tensões sociais em Hong Kong também foi comemorada pelo mercado, uma vez que os protestos na ilha vinham sendo usados por Washington como arma de negociação — o governo Trump dizia que não iria negociar com os chineses caso Pequim usasse força militar para conter os manifestantes.
Pressão nos juros
A curva de juros sentiu os efeitos do estresse no dólar à vista e fechou em alta, tanto na ponta curta quanto na longa. Nos últimos dias, os DIs têm passado por movimentos de ajuste, divididos entre a perspectiva de novos cortes na Selic e o fortalecimento do dólar ante o real.
Na ponta curta, as curvas com vencimento em janeiro de 2021 subiram de 5,39% para 5,46%. Na longa, os DIs para janeiro de 2023 avançaram de 6,37% para 6,43%, e os com vencimento em janeiro de 2025 foram de 6,88% para 6,93%.