Felipe Miranda: Erro de diagnóstico
A essência do problema da conjuntura brasileira reside na desobediência às sinalizações do sistema de preços, que é um dos pilares do bom funcionamento do capitalismo

“Retoque na maquiagem”, estampa a capa da revista semanal. E complementa: “De olho em 2026, Lula investe em mudança radical na comunicação do governo”.
Um grande jornalista já enunciou: toda vez em que um governo identificar um problema grave de comunicação, ele, de fato, tem um problema grave, que não é de comunicação.
Quando você tem o diagnóstico errado, é difícil encontrar a cura. Talvez até seja pior. O apontamento de um problema falso é um mapa errado, que, como sabemos, deve ser preterido a não ter mapa algum. Se você tem dengue, tomar aspirina vai diminuir suas plaquetas e dificultar a coagulação.
Contra a alta dos alimentos, gravamos vídeos na horta prometendo medidas para contenção dos preços. Contra a insatisfação do monitoramento do PIX, criminalizamos o mensageiro.
Se parece um pato, nada como um pato e grasna como um pato, há boas chances de ser mesmo um pato. O erro é simplesmente de diagnóstico, de uma visão de mundo equivocada e arraigada, que, aliás, é um museu de grandes novidades.
Rui Costa acaba de sugerir trocar a cara laranja por alguma outra fruta, para evitar a carestia. Há 11 anos, Márcio Holland, carinhosamente apelidado de Márcio Ovolland, recomendou a substituição da valorizada carne pelo ovo, mais barato. Até a presidente Dilma, que deve adorar um churrasco, considerou a declaração extremamente infeliz.
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A essência do problema da conjuntura brasileira reside na desobediência às sinalizações do sistema de preços, que é um dos pilares do bom funcionamento do capitalismo. Na prática, o governo não valoriza nem gosta dos mecanismos de mercado e tenta combatê-los com mais Estado.
Se o dólar sobe, a culpa é dos especuladores do mercado. Se os alimentos ficam mais caros, falamos em intervenção, para depois desmentir, mas deixar no ar ideias de alimentação popular (o que requereria mais subsídios, mais Estado) ou menor alíquota de importação.
Claro que você pode adotar medidas cosméticas para, na margem, ajudar a conter o preço dos alimentos. O Brasil é muito rigoroso em seus critérios de validade, quando boa parte do mundo adota o conceito de “best before”, e também na rigidez de venda de remédios OTC, que poderiam ser disponibilizados em supermercados e lojas de conveniência, dando escala e ajudando a baratear custos.
Na essência, porém, o alimento está caro por conta da alta do preço internacional das commodities (restrições de oferta por problemas climáticos), pela demanda aquecida internamente (fruto de uma economia crescendo acima do potencial) e da desvalorização da taxa de câmbio (resultado, sobretudo, de uma desconfiança com a política econômica brasileira, além de um fortalecimento do dólar no exterior).
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O governo e os sintomas do colapso
Há duas grandes ideias erradas em curso. A primeira é de que o mercado normalmente está errado e precisa de ajuste, enquanto o Estado deve ser o grande indutor do crescimento, guiar a economia e selecionar os campeões nacionais. A segunda é a insistência em estímulos de demanda no momento em que a economia cresce muito acima de seu potencial, cujas consequências são mais inflação e deterioração da conta corrente.
Já temos sinais de que o modelo do governo começa a colapsar a partir de uma série de indicadores antecedentes.
Os embarques de embalagens de papelão ondulado caíram 1,1% em dezembro; a produção de veículos em desaceleração, de um crescimento de 24,7% em outubro, para 16,5% em novembro e 10,8% em dezembro; a produção de motocicletas, que cresceu 18,0% em outubro e 10,7% em novembro, se expandiu 5,1% no último mês de 2024; o tráfico de veículos pesados roubou 0,7% em dezembro, a produção industrial recuou 0,2%.
A economia já passa por um freio de arrumação. Cresce a probabilidade de uma recessão técnica, talvez antes do contemplado mesmo pelas estimativas mais pessimistas. Precisamos manter a guarda alta contra a tendência humana a sempre acreditar em trajetórias lineares e graduais. Os movimentos que realmente importam acontecem em saltos e de maneira súbita, não linear e com complexidade e reações em cadeia.
Ao mesmo tempo em que a atividade desacelera de maneira intensa, a inflação e suas expectativas continuam se deteriorando. O IPCA da sexta-feira veio bem pior do que o esperado, tanto no nível quanto em sua composição. Por sua vez, a mediana das projeções para inflação oficial de 2025 saltou de 5,08% para 5,50%.
Com atividade caindo e inflação subindo, temos, por definição, a contratação de uma piora do índice de miséria (soma da inflação com o desemprego; quanto menor, melhor). Conforme escrito nesta newsletter ao final do ano passado, o ano de 2025 indicava um encontro marcado entre Wall Street e Main Street, a Faria Lima e a 25 de março, o mercado malvadão e o mal estar geral da sociedade.
O índice de miséria carrega alta correlação com a confiança do consumidor, que, por sua vez, anda de mãos dadas com a popularidade do presidente.
Eis que, para a surpresa de um total de zero pessoas, a FGV acaba de anunciar um recuo de 5,1 pontos percentuais na confiança do consumidor em janeiro, para 86,2 pontos, seu menor nível desde fevereiro de 2023. Em paralelo, pesquisa da Genial/Quaest apontou uma redução de 5 pontos na aprovação do governo Lula no último mês (a desaprovação supera a aprovação).
A avaliação negativa subiu 6 pontos, com 50% dos entrevistados acreditando que o país está indo na direção errada, contra 39% identificando uma direção correta.
A notícia mais negativa, segundo o levantamento, é a tentativa de regulamentação do PIX. A sociedade emite um recado claro: não compactua com a agenda de aumento de impostos. Enquanto a sociedade pede menos impostos e mais liberdade econômica, o governo insiste numa agenda de mais Estado. Não há convergência e, assim, ambos vão se afastando cada vez mais.
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2025: um ano de transição
Aqui talvez entre uma das grandes e relevantes particularidades do ano de 2025. Como tenho insistido, ele representa a antessala de 2026. Não é apenas uma obviedade aritmética. Isso significa uma característica que tradicionalmente não encontramos nos investimentos: teta positivo.
Aos pouco familiarizados, esclareço: o teta representa uma das chamadas “gregas”, no apreçamento das opções, a sensibilidade daquele derivativo à passagem do tempo, a derivada parcial do preço da opção em relação ao tempo.
Tradicionalmente, uma opção vai perdendo valor conforme o tempo passa. Aqui, é exatamente o contrário: conforme tempo passa, o apreçamento dos ativos brasileiros deveria ganhar valor, porque começa a entrar na conta com maior peso o evento das eleições de 2026.
Minha defesa é de que, em algum momento ainda deste ano, o apreçamento dos ativos de risco no Brasil vai começar a ser feito conforme um modelo binomial de opções reais, sendo a bifurcação dada pelo evento eleitoral de 2026.
O preço do kit Brasil, no caso da eleição de um governo pró-mercado, vezes a probabilidade de ocorrência deste evento mais o preço do kit Brasil, no caso da reeleição da atual administração (ou de um nome por ela apontada), multiplicado pela sua probabilidade de ocorrência, trazido a valor presente.
Como isso é trazido a valor presente, conforme nos aproximamos do evento, ele vai “engordando”, vai ganhando preço. Por isso, o tal "teta positivo”. Isso é bastante relevante para determinarmos alocação de recursos.
E o segundo ponto importante, claro, é que a perda de popularidade do presidente aumenta as chances de vitória de uma administração mais pró-mercado.
Embora ainda estejamos longe, o evento eleições é um cataclisma, muito mais importante do que se o déficit primário deste ano vai ser zero ou negativo em meio ponto percentual.
Esclarecimento rápido: não acho que o investidor representativo vai, de fato, realizar um apreçamento de acordo com um modelo binomial. Poucos são treinados em opções reais. Mas, intuitivamente, mesmo sem saber, é isso que ele vai fazer, no que poderia ser sintetizado em algo como: “eu não sei quem vai ganhar a eleição, mas, na dúvida, compra aí um pouco de Banco do Brasil e um bocado de SMAL11…. Vai que….”
Um monte de gente comprando um pouco vira um monte, principalmente num momento em que a posição técnica é muito favorável e os valuations são convidativos. Se as alocações em renda variável já tangenciavam as mínimas, pioraram em dezembro.
Aqui, no entanto, há que se ter o devido cuidado: boa parte do enorme barro do final do ano veio de dois grandes resgates, de um grande FoF local e de um grande fundo soberano internacional. Tempestade perfeita, ao que se costuma seguir-se um período melhor, com correção de certos exageros.
“Ah, mas não temos catalisadores relevantes neste primeiro semestre.” Normalmente, períodos de extrema depressão e valuations muito baratos, não contam mesmo com triggers identificáveis a priori.
Afinal, se contassem, voltaríamos a um apreçamento de acordo com um modelo binomial, em que a mera probabilidade de ocorrência do tal catalisador já faria preço ex-ante. A falta de visibilidade da melhora é que torna as coisas tão baratas.
As grandes inflexões costumam vir mesmo de eventos não-mapeados. Pode ser, sei lá, um tuíte do Bill Ackman, uma queda no banheiro, um Trump mais brando capaz de desenhar um abrangente acordo com a China, o final do aspirador de pó do fluxo de recursos anteriormente destinado apenas para as Big Techs norte-americanas.
Seja qual for, em tempos de DeepSeek, as cotações de bons ativos brasileiros seguem extremamente doentes. E estamos contratando o devido tratamento de choque, dia após dia, ajudados pela mera passagem do tempo.
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