Quem leva Congonhas? Riscos político-econômicos afetam a nova rodada de leilões de aeroportos
Concessão do terminal de Congonhas está agendada para a próxima quinta-feira (18), na sede da B3; lance mínimo é de R$ 740,1 milhões
O aeroporto de Congonhas, localizado na zona sul de São Paulo, é um daqueles lugares que despertam discussões acaloradas. Tem quem ame a facilidade de poder pegar um avião numa região de fácil acesso, mas há também os vizinhos do terminal, que odeiam a movimentação e o barulho das aeronaves.
Tem ainda quem morre de medo de aterrissar em uma das menores pistas de pouso do país, com seus 1.940 metros na principal e 1.435 metros na auxiliar — e rodeada de prédios e avenidas movimentadas.
E, por fim, dois novos grupos tendem a surgir nos próximos dias: os defensores e opositores do leilão do aeroporto. A concessão do terminal está agendada para a próxima quinta-feira (18), na sede da B3; a administração atual pertence à Infraero, vinculada ao Ministério da Infraestrutura.
Além de aspectos específicos do pacote de concessões — e também das brigas envolvendo os vizinhos do aeroporto, que chegaram a acionar o Ministério Público Federal e Estadual —, outros dois elementos podem ser uma pedra no sapato do processo: a crise econômica que afeta todo o mundo e os riscos político-fiscais presentes no Brasil.
É óbvio que o segundo aeroporto mais movimentado do Brasil possui interessados em sua operação, mas especialistas do mercado acreditam que o todo o processo acaba prejudicado diante do atual contexto e afeta o apetite dos investidores.
Leilão de aeroportos: compre um, leve vários
Ao contrário dos primeiros leilões, em que os terminais eram arrematados isoladamente — pense no modelo adotado para a privatização dos aeroportos de Guarulhos, Galeão, Viracopos e Brasília, entre outros —, a atual rodada tem um perfil diferente.
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Ao todo, as administrações de 15 terminais aeroportuários serão concedidas à iniciativa privada, mas esse processo acontecerá em blocos: os ativos estarão divididos em três ‘pacotes’ — e quem der o maior lance, fica com todos eles.
- Bloco Aviação Geral: aeroportos Campo de Marte (SP) e Jacarepaguá (RJ);
- Bloco Norte II: aeroportos internacionais de Belém (PA) e Macapá (AP);
- Bloco SP/MS/PA/MG: aeroportos de Congonhas (SP), Campo Grande (MS), Corumbá (MS), Ponta Porã (MS), Santarém (PA), Marabá (PA), Parauapebas (PA), Altamira (PA), Uberlândia (MG), Montes Claros (MG) e Uberaba (MG).
Ou seja: no caso de Congonhas, se uma empresa estiver interessada em levar a cereja do bolo da sétima rodada de concessões promovidas pelo governo federal, ela precisa ficar com o bolo todo do bloco SP/MS/PA/MG — até as migalhas.
Ou como dizem algumas pessoas próximas às negociações: "É um filé com ossos".
Projeções dão conta de que o aeroporto de Congonhas poderá receber até 30 milhões de passageiros em um ano; o lance mínimo para o bloco que envolve o terminal paulista é de R$ 740,1 milhões, mas com previsão de investimentos que chegam a quase R$ 11,6 bilhões ao longo do contrato de 30 anos.
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Somente em Congonhas, o desembolso terá de ser de aproximadamente R$ 3,3 bilhões para melhorias que incluem o aumento de capacidade para pousos e decolagens.
Ainda estava previsto que o aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, fosse leiloado nesta rodada. Porém, após reclamações do governo estadual, sua privatização deve ser feita apenas no ano que vem, junto com a relicitação do aeroporto do Galeão — o que talvez seja mais oportuno em termos de preço.
"Quem participar irá mais com o pé no chão, até porque estamos falando de outros ativos que serão leiloados juntos e que possuem menor capacidade, menos sinergia, são mais dispersos entre si”, afirma Ewerton Henriques, diretor do banco Fator. “Isso dificulta ganho de escala e eficiência, mas eles teriam dificuldade em licitações individuais".
O timing da privatização de Congonhas
Para Henriques, a atratividade deste certame tem mais relação com a oportunidade de administrar um aeroporto tão relevante como Congonhas — um importante hub para voos domésticos — do que com o timing em que ele acontece.
"Num momento de inflação e juros tão altos, não deve ser um leilão tão competitivo como vimos em outras rodadas de concessões. Não há uma grande oportunidade econômica, mas estamos falando de um ativo estratégico", diz.
Aqui, o principal entrave é macroeconômico, especialmente quando olhamos para taxas de juros tão altas — um dos pilares dos financiamentos necessários para projetos de longo prazo, como os de infraestrutura.
Há também a desaceleração natural da demanda por viagens nesse contexto de preços mais altos das passagens aéreas — a valorização do dólar e a elevação no combustível pressionaram as tarifas —, impactando o movimento nos aeroportos.
Portanto, dificilmente veremos a mesma empolgação vista em outros leilões semelhantes, já que o pessimismo dos agentes econômicos não permite isso. Desta vez, não haverá uma batalha por concessões.
Ainda assim, Luiz Distrutti, gerente de negócios da Jive Investments, pondera que em projetos como esses vale a regra clássica do mercado: é importante olhar para horizontes de longo prazo. Afinal, muitos ciclos econômicos e políticos estão inseridos numa concessão longa de 30 anos.
"Claro que o cenário atual tem influência, mas eu não investiria por 30 anos olhando apenas o momento atual. Esse pode ser, inclusive, um ponto de entrada melhor do que em outras rodadas de concessão quando tivemos premissas mais agressivas", comenta.
Jogo político deixou Congonhas mais barato
Outro entrave apontado por especialistas está na proximidade das eleições, uma vez que o governo federal tenta encaminhar a maior quantidade possível de projetos, especialmente aqueles que integram a agenda de privatizações — uma das principais bandeiras de Bolsonaro ao lado do ministro Paulo Guedes desde a campanha de 2018.
Pouco importa se o aeroporto será arrematado por um valor mínimo: o importante é que ele conste como mais uma privatização entregue — mesmo que às pressas e longe das melhores condições, na última rodada de concessões antes das eleições.
Para efeitos de comparação, o aeroporto de Guarulhos foi arrematado em fevereiro de 2012, por R$ 16 bilhões — um acréscimo de 373% sobre o valor mínimo, muito acima do esperado.
Na época, a Selic estava em trajetória de queda e a promessa era de aeroportos lotados no Brasil com a chegada da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Hoje, o cenário é mais pessimista — tanto aqui quanto no exterior.
"Somente no futuro saberemos quão bem vendemos Congonhas. As privatizações dos dois aeroportos do Rio de Janeiro também serão um bom termômetro, já que o contexto de precificação deles será outro", diz Ewerton Henriques, diretor do banco Fator.
Mas afinal, quem leva Congonhas?
De acordo com fontes ouvidas pelo Seu Dinheiro, o Grupo CCR (CCRO3) é o principal cotado para vencer o leilão — alguns admitem com desconforto que trata-se, também, do único interessado em seguir adiante. Ou pelo menos era, já que o grupo informou ontem à noite que decidiu ficar de fora da disputa.
Estrangeiras como a francesa Vinci, que hoje opera aeroportos na região Norte, e a espanhola Aena, que opera no Nordeste, também foram apontadas como possíveis candidatas para assumir Congonhas e expandir seus negócios para o Sudeste.
Apesar disso, há uma análise de que os estrangeiros podem ter dificuldade em levar o pacote todo sozinhos, pois não conhecem o Brasil a ponto de fazer um investimento desta magnitude por aqui no atual momento.
Além disso, pesam os receios a respeito dos rumos da política econômica brasileira, com uma eventual troca de governo pela frente.
Antes da desistência, o palpite era o de que a CCR seria a favorita para o leilão sem nem mesmo se preocupar com a concorrência, fortalecendo também sua atuação na região Sudeste, onde ela também administra os aeroportos de Confins e Pampulha.
Vale lembrar que, há poucos meses, a CCR renovou seu contrato de concessão da Via Dutra, que liga São Paulo e Rio de Janeiro — ela já era a administradora da rodovia e derrotou a EcoRodovias no leilão para relicitação do ativo.
A CCR arrematou, em abril do ano passado, os blocos Sul e Central da sexta rodada de leilões de aeroportos, incluindo mais 15 terminais em seu portfólio.
Na semana passada, a companhia informou seus resultados referentes ao segundo semestre, com um lucro líquido de R$ 291,3 milhões, revertendo um prejuízo de R$ 44 milhões em igual período do ano passado.
Já a receita líquida da empresa alcançou R$ 3,08 bilhões no segundo trimestre, alta de 32,7% na comparação anual e uma alavancagem estável de 1,8 vezes.
Outras polêmicas envolvendo Congonhas
Não são apenas os incômodos da vizinhança, as questões internas do Brasil ou o contexto macroeconômico global que trazem ares de preocupação quando o assunto é Congonhas.
Seu processo de privatização abre espaço também para uma demanda antiga, mas controversa, de ampliação do aeroporto — que já pode até ser iniciado pela própria Infraero.
Hoje, Congonhas é dominado pela Gol e pela Latam, e há a expectativa de que, com a ampliação da capacidade de pousos e decolagens, a Azul seja beneficiada — o que deixa os demais participantes do mercado em alerta.
Há pouco mais de um mês, o CEO da Latam no Brasil, Jerome Cadier, utilizou sua conta no Linkedin para fazer comentários ácidos a respeito dos rumos que o aeroporto toma. Segundo ele, a Infraero só estaria interessada em iniciar o processo de ampliação com o objetivo de tornar o espaço mais atraente para a privatização.
"O que estão deixando de enxergar é que quem vai pagar a conta desta decisão equivocada é o próprio ganhador do leilão, já que fica claro que todos os custos associados a este aumento não são de responsabilidade das empresas aéreas que operam em Congonhas, mas sim da concessionária que vai assumir depois da Infraero. Será então uma boa decisão?", diz a mensagem.
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