Por que recomendamos fundos sistemáticos

Nos últimos dias, investidores receberam a notícia de que o fundo multimercado Giant Zarathustra reabrirá para captação, pela última vez, no dia 1º de março.
Após a breve janela que pode se encerrar a qualquer momento, a estratégia será fechada de forma definitiva, de acordo com a gestora Giant Steps.
Como um dos três leitores desta newsletter que assina o Melhores Fundos sabe, o fundo é um dos mais pedidos pelos assinantes da série há muito tempo. Eles têm razão: o Zara, que completa nove anos no mês seguinte, tem a rara combinação de retornos elevados (acima de 16% ao ano, ou CDI + 7,4%), consistência de longo prazo e baixa correlação com a indústria.
Para dar uma ideia de consistência, se sorteássemos aleatoriamente um investidor do fundo que tenha ficado pelo menos dois anos investido, há 97% de probabilidade de o escolhido ter ganhado do CDI. Na média, o retorno em janelas de dois anos alcançou CDI + 8,4%.
Mas os quatro sócios-fundadores da casa vão nos desculpar, porque o intuito aqui não é divulgar o fundo. De fato, há outras casas excelentes que também estão abrindo para captação entre fevereiro e março, como Verde (com boa chance de fechar hoje na Vitreo), Kinea e Kadima.
Acontece que a notícia da reabertura reaqueceu a discussão sobre fundos sistemáticos — e já explico o porquê de preferirmos o termo a quantitativos —, então o tema merece um aprofundamento maior.
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Fundos sistemáticos são aqueles em que um grupo de pessoas extremamente inteligentes desenvolve modelos matemáticos, estatísticos e comportamentais para identificar ineficiências de mercado. Esses modelos são testados exaustivamente de maneira robusta ao longo do tempo e, se aprovados, começam a operar para o fundo usando dados quantitativos para comprar e vender ativos de modo automatizado. Simples assim.
O que faria o parágrafo acima descrever também fundos tradicionais, discricionários, representados pela figura de um gestor? Sendo pragmático, apenas trocar o fim: em vez de automatizado, o processo de gestão tradicional conta com a experiência do gestor, seu conhecimento tácito e alguma carga emocional.
Verde, SPX, Kapitalo, JGP, Dynamo, Atmos, Bogari, Brasil Capital e outros gestores brilhantes também se baseiam em dados quantitativos, também criam modelos de arbitragem, valuation ou projeções para variáveis de mercado que sustentam suas decisões. Todos, é claro, sistemáticos ou não, usam dados passados — Minority Report ainda não é uma realidade.
Em relatórios, reforçamos que rentabilidade passada não é garantia de rentabilidade futura. Independentemente de o passado ser um bom ou mau professor, a verdade é que ele é o mesmo professor para todos. E, embora falho em identificar cisnes negros — um paradoxo, por natureza —, isso também não difere a gestão discricionária da sistemática.
Em carta trimestral de dezembro de 2017, a Kadima, tradicional gestora sistemática carioca, testou o desempenho de seu principal fundo em eventos raros contra a média da indústria nos dez anos anteriores. Na metodologia aplicada, foram considerados cisnes negros aqueles eventos que tinham retorno absoluto acima de quatro desvios-padrão e que aconteciam quando o mercado não estava em regime de volatilidade elevada.
O resultado é o oposto do senso comum: em 81% dos eventos, o fundo da gestora acumulou resultado positivo três dias após o evento, frente a 52% da média da indústria. A média de ganhos no período também ficou em extremos: 0,63% para o fundo e -0,27% para o IFMM, índice de multimercados do BTG Pactual.
Dados passados por si só não garantem nenhum poder mágico de previsibilidade, mas a diferença hoje está na velocidade de análise. Em uma fração de segundo, modelos sistemáticos podem ler milhares de cotações de centenas de ativos, analisar tendências, identificar padrões de comportamento e tomar uma decisão. Para não limitar a análise ao campo matemático, também são capazes de analisar e interpretar portais de notícias e atas de bancos centrais pelo mundo, em diferentes línguas, para ajudar na tomada de decisão.
Tempo é dinheiro. E se você pudesse ter antes do mercado uma estimativa melhor de números que só serão divulgados daqui a três meses? Que tal drones monitorando o número de caminhões por dia que saem do galpão de uma varejista listada ou modelos proprietários que medem, em tempo real, o grau de isolamento social causado pela Covid-19 e seu impacto na atividade?
Não basta, porém, desenvolver um modelo e aguardar seus resultados. Os melhores fundos estão constantemente testando suas próprias convicções e trazendo o estado da arte na teoria acadêmica para a prática.
Em maio de 2017, quando vazou o áudio da delação da JBS, o próprio Giant Zarathustra teve uma queda (sua pior até hoje) de quase 18% em um dia. Esse foi o gatilho para o time de gestão desenvolver um modelo de risco que mitigasse o risco de liquidez causado pelo evento. Em 2020, a queda de apenas 4% em março mostra o resultado dessa evolução.
O processo de “financial deepening” também trará o aumento do uso de tecnologia e dados para o centro da discussão na gestão de fundos de investimento.
Hoje, são quase R$ 11 bilhões investidos em fundos sistemáticos no Brasil, 0,18% da indústria. No extremo oposto, estima-se que a gestora sistemática Renaissance tenha algo próximo a US$ 166 bilhões sob gestão (cerca de R$ 900 bilhões), tamanho correspondente a 15% do nosso mercado. Aliás, seu fundo Medallion é considerado por muitos como o melhor da história, com retorno de 30% ao ano líquido de taxas nos últimos 22 anos.
Outra dúvida comum é quanto ao peso dado à análise quantitativa em detrimento da qualitativa. O conhecimento de mercado das cabeças por trás da criação dos modelos, seus processos mentais e, na ponta final, como as diferentes ideias interagem entre si, continuam sendo de extrema importância. Porém, não há dúvidas de que os números ganham valor: é mais fácil de explicar as causas de resultados que estão parametrizados do que os que vieram puramente de feeling. O oposto também é verdadeiro: é muito mais fácil retirar a sugestão de um multimercado sistemático que está em uma janela perdedora em cinco anos, não condizente com o esperado pelo modelo, do que de um gestor que pode estar passando por alguma questão pessoal.
Fundos sistemáticos não tornam obsoletos os discricionários, mas os complementam e se misturam a eles. De um lado, velocidade, imparcialidade na execução e pragmatismo são impossíveis de serem replicadas pelos seres humanos sem o apoio da tecnologia. Do outro, décadas de experiência de mercado e o melhor computador que já existiu, nosso cérebro e todas suas emoções.
Recentemente, várias gestoras têm incluído books sistemáticos em seus próprios fundos multimercados ou criado estratégias separadas para se aproveitarem dessas vantagens, como Kinea, Garde, Canvas e Claritas, o que torna a diferença entre “quants” e “não quants” cada vez mais cinza.
Se até os grandes gestores de mercado estão passando a reconhecer o valor dessas estratégias em seus portfólios, não somos nós que ficaremos presos a dogmas do passado sobre a classe.
“Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião. E o senhor, o que faz?”
Um abraço.
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