Em 1924, Thomas Mann escreveu "A Montanha Mágica", até hoje considerada uma das mais importantes peças da literatura alemã. A obra acompanha o jovem Hans Castorp numa visita ao primo, Joaquim, que está em tratamento num hospital em Davos, na Suíça.
Também doente, Castorp acaba ficando na cidade por mais tempo que o planejado — e, nesse período, reflete a respeito da fragilidade humana, da subjetividade do tempo e das divisões políticas e culturais típicas da época. Tudo isso sempre com o panorama montanhoso de Davos ao fundo.
A pacata cidade suíça que serviu como cenário para o romance de Mann também é o palco, ano após ano, de um importante evento que reúne lideranças políticas, econômicas, acadêmicas e sociais: a reunião do Fórum Econômico Mundial, realizada pela primeira vez em 1971.
O evento de 2020 será realizado nesta semana, entre terça (21) e sexta-feira (24). Entre os protagonistas da edição deste ano, estão a ativista ambiental sueca Greta Thunberg; o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump; e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel.
Mas alguns importantes personagens do enredo político do Brasil também subirão a montanha mágica, buscando apoio para escrever os capítulos de suas próprias histórias. Em primeiro plano, aparecem o ministro da Economia, Paulo Guedes; o governador de São Paulo, João Doria, e o apresentador de TV Luciano Huck.
Enquanto Guedes tenta atrair investimentos estrangeiros para o país e amenizar parte da visão negativa do Brasil no exterior, Doria e Huck querem se aproximar das autoridades mundiais. Os dois, afinal, são apontados como potenciais candidatos à presidência — e uma boa rede de relacionamentos é fundamental para quem tem essa aspiração.
Nesse sentido, vale ressaltar que a reunião do Fórum Econômico Mundial não é apenas um conjunto de palestras e discussões abertas: os isolados picos suíços são ideais para reuniões e conversas privadas entre políticos e outras figuras de destaque.
Trata-se de uma oportunidade única para ver e ser visto pelas lideranças globais — desde que, é claro, você esteja no seleto grupo de pessoas que são convidadas a frequentar o evento.

Convencimento
Paulo Guedes é o representante oficial do governo brasileiro em Davos neste ano — o presidente Jair Bolsonaro não comparecerá. Ele irá participar de duas discussões, ambas na terça-feira: às 5h30 (horário de Brasília), ele será um dos debatedores da sessão "Moldando o futuro das manufaturas avançadas".
Mais tarde, às 10h30, ele discursará no painel "Perspectiva estratégica: América Latina" — também estarão presentes a ministra da Economia do México, Graciela Colín, e o presidente do Equador, Lenín Moreno.
No entanto, o foco de Guedes não estará nas discussões oficiais. Ele e outros membros da comitiva brasileira pretendem usar Davos como plataforma para mostrar aos demais convidados, em reuniões e encontros paralelos, que o Brasil é uma opção atraente para investimentos.
A carta na manga do ministro, obviamente, é a aprovação da reforma da Previdência, que abre a perspectiva de uma melhora relevante na situação fiscal do governo. As demais reformas que estão em andamento, somadas à projeção de retomada econômica, também são trunfos de Guedes.
Guedes também tem a missão de melhorar a imagem do Brasil — as queimadas na Amazônia e os acenos ao fascismo e ao nazismo por membros da administração Bolsonaro geram uma enorme aversão ao país no exterior.
Vale lembrar, ainda, que a participação do presidente em Davos em 2019 foi bastante criticada — tanto pelo curto discurso de abertura quanto pelo cancelamento súbito de sua coletiva de imprensa.
Dando as caras
O governador de São Paulo, João Doria, será um dos debatedores do painel "Moldado o futuro das cidades, da infraestrutura e dos serviços urbanos, na quinta-feira (23), às 6h30 de Brasília.
Essa, no entanto, não é a primeira vez que o tucano vai a Davos. No ano passado, Doria compareceu ao Fórum e anunciou parcerias com empresas como General Electric, Novartis, Merck e EDP, prevendo investimentos em diversos projetos no estado.
O governador de São Paulo já revelou uma extensa agenda na Suíça, com 32 encontros previstos ao longo do evento — a maior parte deles com empresários. No entanto, a ausência de Bolsonaro abre espaço para que ele também tente assumir o protagonismo político do Brasil em Davos.
Quem também tenta aproveitar o vácuo político deixado por Bolsonaro é o apresentador Luciano Huck, que participará de um painel sobre a América Latina. E, num texto publicado no site do Fórum, ele fez críticas à classe política brasileira, dizendo ser necessária uma "renovação".
Huck se posiciona de maneira crítica a alguns dos temas sensíveis à administração Bolsonaro. O apresentador diz ser necessário ter "tolerância zero" ao desmatamento e defende a adoção de políticas que reduzam a desigualdade, embora sem dizer exatamente como fazer isso.
O Fórum
"Acionistas para um mundo coes e sustentável" é o título da edição 2020 do Fórum Econômico Mundial, que contará com mais de três mil participantes. Geopolítica, economia, tecnologia, mercado de trabalho, ambientalismo e relações sociais estão entre os grandes temas de debate.