Pearl Harbor: isso não é uma correção, é um bear market
A mensagem que gostaria de transmitir é que o comportamento dos mercados desde fevereiro não é uma simples correção. É um bear market. E isso muda tudo.
Você vai estar empregado daqui a dois meses? Ah, entendo. Você é um empresário. Então, seu negócio estará aberto em julho? Se sim, vendendo quanto? Como estarão seus gastos pessoais ali na frente? Se, por alguma razão ainda desconhecida, as coisas ficarem piores, você estará preparado? Como ficaria seu patrimônio diante da potencial materialização de um quadro mais negativo?
Quando ouço coisas como “os EUA viverão seu momento Pearl Harbor do século 21” ou “as próximas semanas serão muito duras em termos de mortes”, ou mesmo quando leio sobre o fechamento de 700 mil postos de trabalho norte-americano contra uma expectativa de 100 mil e sobre 9,9 milhões de pedidos de auxílio-desemprego nos EUA em duas semanas, penso que as perguntas pertinentes para o momento são as colocadas acima.
Ao observar certos comportamentos e estatísticas, porém, infiro que as preocupações — ou, ao menos, boa parte delas — são de outra natureza: as pessoas ainda estão focadas em rapidamente capturar a primeira oportunidade que aparece e multiplicar seu capital com algum atalho que lhes foi apresentado.
Essa dinâmica ganha contornos mais marcados em dias positivos para as Bolsas mundiais, como — ao menos até agora (e essa tem sido uma ressalva importante diante de tanta volatilidade) — parece ser esta segunda-feira. Interpretações sobre uma suposta superação da crise e uma iminente supervalorização do preço dos ativos começam a pipocar, a partir do primeiro dado favorável.
Não quero aqui diminuir a importância dos dados do fim de semana. A situação mais delicada na Europa começa a ser superada, e Nova York emitiu o primeiro sinal favorável, com diminuição notável do número de mortes no domingo. Contudo, há muitas adversidades ainda sobre a mesa e precisamos ponderar mais pesadamente sobre a possibilidade de materialização de um cenário mais negativo. Sabe por quê? Porque se vier o cenário positivo, então estaremos tautologicamente em situação positiva — ninguém precisa estar preparado para uma surpresa boa. É assimétrico, entende?
Deixe-me tentar colocar as coisas sob outro ângulo. A mensagem que gostaria de transmitir é que o comportamento dos mercados desde fevereiro não é uma simples correção. É um bear market. E isso muda tudo.
Leia Também
As lições do Chile para o Brasil, ata do Copom, dados dos EUA e o que mais movimenta a bolsa hoje
Chile vira a página — o Brasil vai ler ou rasgar o livro?
Como em “O Sonho de Cassandra”, de Woody Allen, também gostaria de estarmos todos num barco velho que nos levasse aos dias felizes de uma juventude longínqua e, infelizmente, superada. Com certo desgosto, não sei se vendo um momento Pearl Harbor ou a guerra de Troia, suspeito ser o portador de más notícias. Como a Cassandra original, incorro no risco de ser desacreditado e considerado louco, mas entendo que muitos analistas, gestores e investidores ainda estão em “denial mode”, querendo uma rápida e vertiginosa recuperação que não combina com comportamentos típicos de bear market — confesso um gosto amargo na boca quando soube do crescimento de 15% do número de pessoas físicas em março na base de cadastros da B3, para 2,24 milhões; são investidores que chegam numa hora muito dura, com extrema volatilidade e que, possivelmente, foram atraídos por um discurso de “oportunidade por barganhas”.
Na Folha, ontem, li um raciocínio tão simplista quanto: “segundo a Global Chief Investment Officer (CIO) do HSBC, Joanna Munro, em entrevista para o Financial Times nesta semana, a recuperação dos preços máximos anteriores demora cerca de duas vezes o tempo do declínio na crise. Como ela afirma, se isto se mantiver, podemos ver os preços voltando, ao patamar anterior, em menos de seis meses”.
Existem dois problemas óbvios com a construção. O primeiro é que a estatística em questão é construída para a média das recuperações — e pode sempre haver uma enorme dispersão em torno da média. Mas o pior sinceramente não é isso. Poderíamos até esquecer esse ponto. A questão central é que se parte de uma premissa de que o mercado já fez seu fundo. E isso não encontra qualquer sustentação epistemológica. Só conhecemos fundos de movimentos já realizados no passado; jamais podemos afirmar que os mercados já fizeram suas mínimas diante de um movimento ainda em construção. A História está sendo vivida.
Com efeito, se essa História não se repete, mas rima, como afirma Mark Twain, podemos (e devemos) viver novos fundos. Na recessão de 2000-01, por exemplo, antes de fazer sua “verdadeira mínima”, os índices de ações norte-americanos passaram por quatro altas superiores a 20%. Em 2008-09, a Lehman quebrou em 15 de setembro e o mercado só foi fazer um fundo em março do ano seguinte.
Afirmar que o mercado já fez um fundo é uma mera torcida, sem qualquer validade empírica ou mesmo da lógica. Nós não sabemos e precisaremos esperar para saber, só o benefício da retrospectiva poderá resolver essa questão. Há vários analistas, inclusive, alertando para a possibilidade de o S&P 500 fazer novos fundos no mês de abril, beliscando os 2.000 pontos — a Goldman Sachs tem sido bastante vocal nessa direção, André Esteves falou algo assim no papo comigo na sexta-feira, o Citi lembrou da regra de bolso sobre ações que acompanham a evolução dos lucros corporativos (enquanto projeta uma queda de lucros de 50%; ou seja, ainda teria bom espaço para desvalorização do S&P 500).

Há duas grandes ondas na crise atual. A primeira é humanitária, de saúde. Ainda que a curva de mortes pareça ter superado sua situação mais grave, há muitas dúvidas sobre sua volta. Em Nova York, tivemos um único dia de queda de mortes — infelizmente, um dado numa amostra não quer dizer muita coisa e, para desespero dos ansiosos, precisaremos de mais informação antes de pularmos diretamente para as conclusões (ainda que seja uma tendência enorme, queremos concluir antecipadamente sobre as coisas; a paciência é uma virtude).
A segunda é econômica e, sobre essa, temos pouca informação ainda sobre a profundidade e a extensão do problema, bem como sobre a forma de sua recuperação lá na frente. Com efeito, os poucos números disponíveis até agora foram alarmantes. Por conta do tuíte sobre o petróleo do jornalista especializado em furos Donald Trump, acabamos deixando o Initial Claims em segundo plano na quinta-feira passada, mas foram 6,6 milhões de pedidos de auxílio-desemprego numa única semana, muito além da pior estimativa. Na sexta, veio outra porrada com o Relatório de Emprego, que nem pegou ainda em cheio os dados da crise. Na esteira, os analistas do Morgan Stanley, que já estavam entre os pessimistas ao prever uma redução trimestral do PIB dos EUA de 30%, atualizaram sua projeção para uma queda de 38%.
Isso é absolutamente brutal e, no meu entendimento, engana-se quem projeta uma recuperação rápida, porque houve, de fato, uma destruição enorme de valor intrínseco propriamente dito. Muitos hábitos de consumo serão simplesmente postergados, mas outros mudarão mesmo, de forma definitiva e estrutural, com várias pequenas e médias empresas ficando pelo caminho.
Se esse for mesmo um bear market típico, teremos superada essa fase inicial de volatilidade mais aguda — dificilmente teremos altas e baixas como aquelas de 10% na sequência. A parte de ajuste agudo nos portfólios e de desalavancagem já aconteceu, evitando-se problemas maiores a partir da importante atuação dos bancos centrais e Tesouros Nacionais. Agora, iniciaremos um segundo momento, em que as notícias sobre economia e lucros corporativos passam a dominar os movimentos, com o enfrentamento de uma dura realidade. Em sendo essa a verdade, o jeito de se operar bear markets é aproveitar as altas para fazer novas vendas, e não encará-las como o início de uma tendência positiva vigorosa.
Eu, como Riobaldo, “ave, vi de tudo neste mundo! Já vi até cavalo com soluço — o que é a coisa mais custosa que há”. Mas bear market que não testa ao menos duas vezes o fundo ainda não vi. O jogo é longo.
Flávio Day: veja dicas para proteger seu patrimônio com contratos de opções e escolhas de boas ações
Veja como proteger seu patrimônio com contratos de opções e com escolhas de boas empresas
Flávio Day nos lembra a importância de ter proteção e investir em boas empresas
O evento mostra que ainda não chegou a hora de colocar qualquer ação na carteira. Por enquanto, vamos apenas com aquelas empresas boas, segundo a definição de André Esteves: que vão bem em qualquer cenário
A busca pelo rendimento alto sem risco, os juros no Brasil, e o que mais move os mercados hoje
A janela para buscar retornos de 1% ao mês na renda fixa está acabando; mercado vai reagir à manutenção da Selic e à falta de indicações do Copom sobre cortes futuros de juros
Rodolfo Amstalden: E olha que ele nem estava lá, imagina se estivesse…
Entre choques externos e incertezas eleitorais, o pregão de 5 de dezembro revelou que os preços já carregavam mais política do que os investidores admitiam — e que a Bolsa pode reagir tanto a fatores invisíveis quanto a surpresas ainda por vir
A mensagem do Copom para a Selic, juros nos EUA, eleições no Brasil e o que mexe com seu bolso hoje
Investidores e analistas vão avaliar cada vírgula do comunicado do Banco Central para buscar pistas sobre o caminho da taxa básica de juros no ano que vem
Os testes da família Bolsonaro, o sonho de consumo do Magalu (MGLU3), e o que move a bolsa hoje
Veja por que a pré-candidatura de Flávio Bolsonaro à presidência derrubou os mercados; Magazine Luiza inaugura megaloja para turbinar suas receitas
O suposto balão de ensaio do clã Bolsonaro que furou o mercado: como fica o cenário eleitoral agora?
Ainda que o processo eleitoral esteja longe de qualquer definição, a reação ao anúncio da candidatura de Flávio Bolsonaro deixou claro que o caminho até 2026 tende a ser marcado por tensão e volatilidade
Felipe Miranda: Os últimos passos de um homem — ou, compre na fraqueza
A reação do mercado à possível candidatura de Flávio Bolsonaro reacende memórias do Joesley Day, mas há oportunidade
Bolha nas ações de IA, app da B3, e definições de juros: veja o que você precisa saber para investir hoje
Veja o que especialista de gestora com mais de US$ 1,5 trilhão em ativos diz sobre a alta das ações de tecnologia e qual é o impacto para o mercado brasileiro. Acompanhe também a agenda da semana
É o fim da pirâmide corporativa? Como a IA muda a base do trabalho, ameaça os cargos de entrada e reescreve a carreira
As ofertas de emprego para posições de entrada tiveram fortes quedas desde 2024 em razão da adoção da IA. Como os novos trabalhadores vão aprender?
As dicas para quem quer receber dividendos de Natal, e por que Gerdau (GGBR4) e Direcional (DIRR3) são boas apostas
O que o investidor deve olhar antes de investir em uma empresa de olho dos proventos, segundo o colunista do Seu Dinheiro
Tsunami de dividendos extraordinários: como a taxação abre uma janela rara para os amantes de proventos
Ainda que a antecipação seja muito vantajosa em algumas circunstâncias, é preciso analisar caso a caso e não se animar com qualquer anúncio de dividendo extraordinário
Quais são os FIIs campeões de dezembro, divulgação do PIB e da balança comercial e o que mais o mercado espera para hoje
Sete FIIs disputam a liderança no mês de dezembro; veja o que mais você precisa saber hoje antes de investir
Copel (CPLE3) é a ação do mês, Ibovespa bate novo recorde, e o que mais movimenta os mercados hoje
Empresa de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a Copel é a favorita para investir em dezembro. Veja o que mais você precisa saber sobre os mercados hoje
Mais empresas no nó do Master e Vorcaro, a escolha do Fed e o que move as bolsas hoje
Titan Capital surge como peça-chave no emaranhado de negócios de Daniel Vorcaro, envolvendo mais de 30 empresas; qual o risco da perda da independência do Fed, e o que mais o investidor precisa saber hoje
A sucessão no Fed: o risco silencioso por trás da queda dos juros
A simples possibilidade de mudança no comando do BC dos EUA já começou a mexer na curva de juros, refletindo a percepção de que o “jogo” da política monetária em 2026 será bem diferente do atual
Tony Volpon: Bolhas não acabam assim
Wall Street vivencia hoje uma bolha especulativa no mercado de ações? Entenda o que está acontecendo nas bolsas norte-americanas, e o que a inteligência artificial tem a ver com isso
As lições da Black Friday para o universo dos fundos imobiliários e uma indicação de FII que realmente vale a pena agora
Descontos na bolsa, retorno com dividendos elevados, movimentos de consolidação: que tipo de investimento realmente compensa na Black Friday dos FIIs?
Os futuros dividendos da Estapar (ALPK3), o plano da Petrobras (PETR3), as falas de Galípolo e o que mais move o mercado
Com mudanças contábeis, Estapar antecipa pagamentos de dividendos. Petrobras divulga seu plano estratégico, e presidente do BC se mantém duro em sua política de juros
Jogada de mestre: proposta da Estapar (ALPK3) reduz a espera por dividendos em até 8 anos, ações disparam e esse pode ser só o começo
A companhia possui um prejuízo acumulado bilionário e precisaria de mais 8 anos para conseguir zerar esse saldo para distribuir dividendos. Essa espera, porém, pode cair drasticamente se duas propostas forem aprovadas na AGE de dezembro.